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1.1 Bases gerais do estudo

1.1.1 O fenômeno estudado

Antes de tudo, cabe esclarecer que, dada a amplitude da designação “auto- ajuda”, que o uso comum não indica, mas que a pesquisa revelou, (a) menciono ao longo do trabalho vários discursos que recebem essa designação, mas que a meu ver não são parte da atividade de auto-ajuda nem do gênero de auto-ajuda em termos das características que julgo ter identificado como típicas, assim como por vezes considerarei como sendo de auto-ajuda discursos que não são entendidos como tal; (b) considero, por motivos históricos explicitados no trabalho, que a ação de algumas organizações não-governamentais que precedem o surgimento da expressão que hoje as designa, ONGs, é parte da prática sócio-histórica de “auto- ajuda” tal como concebida nos EUA e hoje, também em alguns segmentos sociais brasileiros;2 e (c) faço menção às chamadas “comunidades terapêuticas” (cf. DE

2 Trata-se de entidades que, em vez de depender da ajuda dos governos, o que ocorre com muitas no

Brasil, agem em favor de seus interesses específicos, inclusive “exigindo” recursos e benefícios dos governos, na qualidade de forças sociais e não de vassalas do governo.

LEON, 2003) como organizações de “auto-ajuda”, comunidades que redefinem o sentido de “auto-ajuda” ao introduzir o conceito — digno de nota — de “auto-ajuda mútua”, e que remonta à gênese da idéia de “auto-ajuda” (ver cap. 6). Essas comunidades, como se verá, constituem um elemento que contribui para a compreensão dos sentidos de “auto-ajuda” que identifiquei, bem como da presença social da vertente do gênero de que me ocupo, trazendo elementos referentes à esfera de atividade desta, elemento sem o qual, como eu disse na Introdução, não se pode pensar o conceito de gênero discursivo.

Os livros de auto-ajuda são inegavelmente populares em nossos dias, sendo mesmo um componente importante da vida de grande número de pessoas. Suas vendas alcançam números impressionantes. Por exemplo, Deepak Chopra, um autor em alta, já vendeu mais de 20 milhões de exemplares em todo o mundo; as traduções brasileiras venderam ao menos 1.8 milhão! Por outro lado, em 1994, por exemplo, as vendas dos livros de auto-ajuda alcançaram o impressionante número de 411,9 mil exemplares, num país em que raros são os livros que passam de uma única edição de 2.000 exemplares! No ano 2000, o nicho das “obras gerais”, de que são parte os livros de auto-ajuda, e que se distingue do segmento de “didáticos”, cresceu 7%. De 1997 a 1998, as vendas quase dobraram, passando de 1,1 milhão para 2,1 milhões de exemplares (CÂMARA BRASILEIRA DO LIVRO,2001). Esse segmento, de acordo com os dados da Câmara, teve um crescimento global de 700% a partir de 1994, para um crescimento das vendas de livros em geral de meros 35%!

Esse tipo de textos se autojustifica pela alegação — e, mais do que isso, pela percepção da parte do público — de haver uma ampla crise que afeta não somente o mundo como um todo, mas, de modo específico, o modelo das autodenominadas profissões de ajuda (medicina, psiquiatria, psicologia, religião etc.). A partir disso, propõem eles a descoberta de forças, principalmente interiores, capazes de melhor servir às necessidades humanas sem recurso a “terceiros”, ao menos humanos, exceção feita precisamente aos membros da comunidade mais ampla de auto-ajuda – real ou virtual. Esses livros influenciam e/ou tentam influenciar todos os campos da atividade humana, podendo mesmo ser considerados manifestações de uma dada concepção de “natureza humana” e do “bem-agir” no mundo.

Voltados num dado momento preponderantemente para o “sucesso na vida”, em diversos planos (que vou distinguir, por ter isso grande relevância), os livros de auto-ajuda modernos — e designo com isso os que surgiram depois do final da Segunda Guerra Mundial, quase exclusivamente nos Estados Unidos — tiveram num primeiro momento, principalmente por volta do final da década de 1970, também no que se refere à sua presença no Brasil, uma ênfase subjetivista “pura”, ou seja, buscavam promover o sucesso, material ou não, por meio da afirmação da personalidade do leitor, principalmente do sexo masculino. Num segundo momento, certa parcela desses livros assumiu uma inclinação “coletivista cósmica”: vencer sim, mas agora também a partir de uma ênfase na unidade entre todos os sujeitos e entre todas as coisas, num plano transcendente (que em casos extremos pode estar situado num amplo e indefinido cosmos), ainda que partindo sempre do eu enquanto agente, se não autônomo, ao menos capaz de impor-se ao mundo mediante seu agir, ou de em última análise defender-se dele.

Essa segunda fase revela-se a meu ver como uma espécie de junção ressignificadora entre livros como Você pode curar a sua vida (HAY, 1984. Ed. bras.: 1990], preponderantemente subjetivistas, com O chamado do universo [BUTTERWORTH, s/d, mas anterior àquele], preponderantemente cósmicos. A título de curiosidade, o livro Divórcio Espiritual [FORD, 2001. Ed. bras.: 2004), de autoria de uma auxiliar do célebre (ao menos no campo da auto-ajuda) doutor Deepak Chopra, explora de que modo as boas relações entre ex-cônjuges (o plano subjetivo ou inter-subjetivo) são positivas para o universo como um todo (o plano cósmico), afigurando-se como um dileto rebento dessas duas tendências. Não digo com isso que obras da primeira fase não continuem a circular; refiro-me ao fato de haver hoje uma maior ênfase na junção dessas tendências, sem excluir quer a tendência puramente “individualista” (a que parece chamar mais a atenção dos estudiosos de extração sociologizante) ou a puramente “coletivista” (a que parece chamar mais a atenção dos estudiosos de extração personalizante). Tive o privilégio de ter deparado com essa tendência unificante e foi assim que a tomei como objeto de uma teorização sobre a formação dos gêneros.

Meu corpus é formado por 4 livros dessa nova tendência, mas levei em conta inúmeros livros, de várias épocas cronológicas, que se destacaram na história do gênero (ou ao menos na minha versão dela), publicados principalmente nos EUA,

vários deles traduzidos no Brasil, alguns (tal como os 4 mencionados) por mim, na qualidade de tradutor profissional. Meu objetivo é a descrição qualitativa da construção discursivo-genérica desses textos qua gênero em formação, em sua fase “parasitária”, considerando, a par de vários elementos da teorização bakhtiniana, com destaque para a relação específica que buscam estabelecer entre entoação avaliativa e responsividade ativa em sua esfera específica, o tipo de comunidade discursiva (Maingueneau) em que convidam o interlocutor a se engajar e o tipo de contrato fiduciário que lhe propõem com esse fim (Greimas).

Os quatro livros privilegiados constituem meu corpus justamente por serem representativos das principais tendências atuais dos textos de auto-ajuda de cunho “psico-espiritual”, ou seja, que buscam a alteração ou o aprimoramento do eu a partir de propostas de cunho espiritual. A escolha, portanto, não se restringe a critérios meramente estatísticos, mas da ordem da relevância. Os livros em questão foram traduzidos do inglês americano, com exceção de A Força da Paz Interior (COOPER, 1994; Ed. Bras.: 1997), da Inglaterra, e escolhido para fins da identificação de possíveis contrastes. Farei referência, nesse sentido, a outros livros originários de outros países e línguas, como é o caso de Filha das Estrelas (KRISTEN, 1994. Ed. Bras.: 2002), da França, e Espelho, Espelho Meu – O uso do espelho como forma de autoterapia (DUMONT, 1998. Ed. Bras.: 2003), do Canadá francófono (ambos traduzidos por Maria Stela Gonçalves e por mim), marcados por uma linguagem extremamente coloquial, o que não costuma ocorrer com livros de auto-ajuda “típicos”.

Os livros especificamente estudados representam modalidades de recorte do mundo que podem ser descritas da seguinte forma: há uma de raízes temporalmente mais antigas e que incorpora uma dada versão norte-americana do espiritismo, adaptada aos modernos princípios da “Nova Era”, mais compatível com a idéia, nova para o espiritismo tradicional, de auto-ajuda: é o caso de O Crescimento Através da Crise Pessoal (BRO e BRO, 1988. Ed. Bras.: 1992). A outra, essencialmente moderna, vincula-se com uma ressignificação particularíssima da ciência moderna (especialmente da física quântica, e de diversas psicologias e espiritualidades ora em circulação) nos termos da “Nova Era” e que se sustenta de modo geral na autoridade científica do autor, cuja condição de “Ph.D.” (assim mesmo!) é explicitada. Trata-se de um dado bastante comum em vários dos livros do gênero (e

de modo particular na vertente de aconselhamento, que exibe a meu ver especificidades que a distinguem da de auto-ajuda propriamente dita). Essa modalidade é representada por Na Plenitude da Alma (BORYSENKO, 1993. Ed. Bras.: 1996]. Outra ainda, igualmente moderna, que se funda em habilidades e experiências extra-sensoriais, competência hoje mais aceitável no nível do grande público, e que exibe inúmeras variedades, é aqui representada por A Força da Paz Interior (COOPER, 1994. Ed. Bras.: 1997); esta obra vem, como eu disse, do inglês britânico, mas há muitos livros norte-americanos que também se fundam nessas habilidades e experiências, alguns dos quais a ser mencionados no trabalho. Há também a modalidade, fruto dileto da “Nova Era”, que apresenta textos que se qualificam mais declaradamente a partir da experiência prática dos autores, em geral agentes de cura (em particular não institucionais). A autora específica que estudei norteia sua prática de cura pela força do amor, reinterpretado à luz dos princípios da “Nova Era”: é a isso que remete Crise Espiritual (YOUNG-SOWERS, 1993 [Ed. Bras.: 1995).3

Fiz um levantamento dos tipos de títulos disponíveis na última década e no período 1973-1996. Distingui as tendências, bastante disseminadas nos Estados Unidos, de

a) livros dirigidos principalmente ao público por eles entendido como feminino no que se pretende que tem de específico em termos de cuidado dos filhos etc. (ainda hoje);

3 Naturalmente, esses textos em português no Brasil não podem ser tomados, por maior que seja a

fidelidade da tradução, feita por mim e revisadas pela editora, como se fossem os textos em inglês que circulam nos Estados Unidos/ no Reino Unido e no resto do mundo. Isso impõe levar em consideração sua produção, circulação e recepção em português do/ no Brasil, sem no entanto deixar de lado que meu foco é a origem e desenvolvimento dos textos de auto-ajuda e sua importância e/ ou popularidade em todo o mundo. Assim, as alterações induzidas pela tradução no e para o Brasil serão objeto de considerações deveras breves, a fim de evitar o desvio de meu tema. Nesse sentido, não farei considerações acerca da questão de uma tradução que não envolve uma adaptação ao contexto em que ocorre, algo de resto comum no Brasil, limitando-me a indicar alguns aspectos que ajudam a explicar essa aparente “traduzibilidade universal”. A análise incide sobre os textos em português em função da maior acessibilidade, sem no entanto deixar de considerar as edições originais.

b) livros dirigidos ao público entendido como masculino, nos mesmos termos, centrados na questão da obtenção de melhor desempenho profissional, sucesso etc. (ainda hoje);

c) os chamados, nos EUA, how to books [como fazer], que não se dirigem a um público específico, e são manuais práticos que ensinam de como comprar camisas a como consertar naves espaciais etc.;

d) livros de aconselhamento, em que conselheiros (nos EUA, categoria genérica de “terapeutas”, que vai de psicólogos a pastores) de várias tendências transmitem suas conclusões sobre terapias com seus “pacientes”; e

e) livros de auto-ajuda “propriamente ditos”, marcados pelo simulacro de veículos de apresentação de experiências pessoais de vários tipos que constituem a base de diversas propostas de “cura da vida” dos leitores. A par disso, há toda uma literatura esotérica, fantástica, de conselhos ficcionalizados, de ficção com temas arquetípicos etc. que circula com o nome de auto-ajuda, lá e alhures. Essa minha decisão de falar de livros de auto-ajuda “propriamente ditos” se deve ao fato de os tipos de livros que não classifico como auto-ajuda partirem de necessidades imediatas: educar filhos em igualdade de condições, trabalhar em grupo no emprego etc., e outras, ainda mais “práticas”, de resolução de problemas do dia-a-dia, a par de toda uma promoção do conformismo no âmbito do capitalismo (ver quanto a isso, RIMKE, 2000), afora outros fins escapistas, aproveitadores, etc. etc. mais imediatamente identificáveis.

As edições originais dos 4 textos examinados diretamente não figuraram na mais conceituada lista norte-americana de obras mais vendidas, a do New York Times Books Review, assim como não estiveram nas listas de mais vendidos no Brasil — reservadas, assim como as norte-americanas, a livros que recebem uma maior cobertura de marketing (no caso do Brasil, em função do próprio sucesso dos originais traduzidos).

Um exemplo de livro incluído nas listas de mais vendidos é o clássico do segmento Você Pode Curar a Sua Vida, de Louise Hay, um dos primeiros da safra dita Nova Era (pós anos 1960-1970) a ser publicados em nosso mercado. Trata-se de livro com a antiga temática de que o esforço pessoal leva a vencer as vicissitudes da

vida. O próprio título mostra a amplitude que se pretende alcançar, e as estratégias de marketing no Brasil baseiam-se não só nisso como principalmente no sucesso que o livro fez no mercado e na língua originais – o que, se à primeira vista pode parecer incoerente, revela em vez disso um dos motivos da presença desses livros em nosso mercado: a influência dos aspectos do american way of life, cuidadosamente selecionados para “exportação”, que aportam em nosso país, e são ao que parece imediatamente assimilados.Merece destaque o fato de, hoje, haver originais escritos no Brasil que são estrutural e tematicamente uma espécie de simulacro (no sentido de Baudrillard) de originais norte-americanos bem-sucedidos (cf., por exemplo, CURY, 2004). Não obstante, os livros de que me ocupo obtêm boas vendas, a ponto de certos autores serem procurados diretamente em grandes livrarias sem que tenham tido apoio de marketing, algo que os torna ainda mais dignos de nota.

Aquilo que considero a “flexibilidade” desses livros é acompanhado pela maleabilidade dos autores, pela capacidade que têm estes de mobilizar recursos de diversos gêneros, bem como de incorporar os mais diversos assuntos da atualidade. Por exemplo, a autora de Crise espiritual, Meredith Young-Sowers, que aborda “o amor como energia de cura”, publicou mais tarde, quando surgiu a onda “angélica”, livros e outros materiais com essa temática (cf. YOUNG-SOWERS, 1993), o que demonstra a vitalidade, para o bem ou para o mal, do gênero. Vale dizer que, nesse caso, muda o tema declarado, muda a forma de composição, muda o estilo e permanece o gênero, ou, como prefiro dizer, a arquitetônica do gênero.

Uma tendência derivativa deu origem a livros que poderíamos chamar de “relato de auto-descoberta ficcionalizada”, como o são alguns de John Harricharan (1994a, 1994b) (que segue, como diz o editor, a linha de Ilusões, de Richard Bach - Orig.: 1977, um clássico da área). Outro exemplo de livro que parte igualmente da experiência pessoal é, por exemplo, O relacionamento perfeito não é um sonho (GAVRAN e GAVRAN, 2001), escrito naturalmente por um casal casado. Curiosamente, esse saber experiencial é a base da “descoberta do amor incondicional” (que se distancia da experiência) em onze passos (o que lembra a tradição de “passos” iniciada pelos Alcoólicos Anônimos nos EUA, e marca muitos exemplares de auto-ajuda). Outro exemplo da vertente psico-cósmica é Amor por toda a vida (KINGMA, 2001), um livro que chama a atenção por trazer como única

qualificação da autora sua condição de “autora de vários best-sellers do gênero nos Estados Unidos”, sem menção a algum companheiro ou companheira de jornada amorosa dela e por criar uma espécie de gênero híbrido entre auto-ajuda como transmissão de experiência pessoal e aconselhamento como relato de experiências de ajuda a terceiros.

Um livro da vertente que se poderia chamar de “ecologicamente correta” e que propõe, aparentemente contra a corrente principal do way of life norte- americano, um estilo de vida “exteriormente simples, mas interiormente rico”, é Simplicidade Voluntária (ELGIN), cuja edição original é de 1981, e só foi traduzido no Brasil muitos anos depois (1998), a partir da edição revisada e atualizada de 1993, não tendo merecido cobertura da mídia brasileira, provavelmente por não ser um livro “popular” para o público brasileiro. Mas suas edições norte-americanas se sucedem, não havendo porém indícios de que tenha alterado de alguma forma esse way of life. A concepção de auto-ajuda desse livro traz algumas nuanças, ao propor o tripé “consumo frugal, consciência ecológica e crescimento pessoal”, propondo às pessoas que, por meio disso, mudem sua própria vida e “o mundo”. Trata-se de um livro que difere dos congêneres, no nível de sua textualização, por não recorrer a instruções, sugestões etc. apresentando em vez disso uma discussão teórico-prática fundamentada acerca das possibilidades de vida no planeta, sendo considerado a “Bíblia” do movimento anti-consumismo iniciado por Thoreau.

Cabe ainda mencionar que a era vitoriana contava com seus espécimes de “auto-ajuda” (cf., por exemplo, STARKER, Op. cit., 13 ss.), ainda que o começo de sua disseminação mais ampla tenha ocorrido há cerca de três décadas. Por outro lado, a idéia de auto-ajuda que se popularizou no Brasil levou à classificação como “auto-ajuda” de livros como os de Paulo Coelho (cf. NEIVA, 2000) e outros mais tipicamente religiosos, espirituais ou de “confissão” e “auto-reflexão mística” que não trazem os ingredientes que a meu ver definem livros como de auto-ajuda, como espero demonstrar. Além disso, certa idéia de “auto-ajuda”, e de agir do sujeito individual, está firmemente arraigada em várias psicoterapias, que pressupõem dever o sujeito, nesse caso contando com a “hetero-ajuda” terapêutica, julgada mais eficaz pelos terapeutas, realizar um trabalho, de adaptação ou de rebelião com respeito ao mundo, com todos os matizes intermediários, a fim de “se auto-ajudar”, embora uma rebelião baseada no institucionalmente arraigado (e aqui refiro-me a

instituições mais estáveis, como a esfera da ajuda terapêutica) não pareça fazer muito sentido.

As características marcantes desses livros são, de um lado, a exploração do pressuposto (ligado ao aspecto apocalíptico do fin de siècle, que recebeu grande ênfase nos primeiros anos da década de 1990, mas de que já se vêem vestígios desde a década de 1980) de que uma mudança de amplas proporções está para se processar ou já vem se processando no mundo e, do outro, o de que a solução para as possíveis conseqüências negativas, em termos pessoais, sociais e cósmicos, dessa mudança (de início catastrófica, mas que abriga, de acordo com os livros, a promessa de uma vida mais satisfatória) é a aquisição da competência necessária para agir — e agir é aqui vital — nessas “novas” condições globais (universais? cósmicas?), apresentadas como inevitáveis. O doador dessa competência são os próprios autores (por meio dos livros e mesmo de institutos criados por muitos autores), que a caracterizam como necessária. E o modo como o fazem tem grande relevância.

A aquisição dessa competência se concretiza, de acordo com eles, no esforço por contatar um núcleo imutável, ou ao menos um tanto mais estável, postulado como parte do íntimo de cada pessoa (e, portanto, de todas as pessoas), que não obstante levará o leitor a reconhecer, e a viver, uma interligação entre tudo e entre todas as pessoas do universo. Este é outro aspecto que merece destaque, dado que muitos afirmam que o gênero de auto-ajuda atende pura e simplesmente à criação do individualismo/subjetivismo moderno, ao passo que a meu ver essa vertente constitui também uma espécie de “escola de individualismo/subjetivismo”, no sentido de que, ao enfatizar tanto a atitude individualista, parece demonstrar não estar ela tão arraigada quanto se quer fazer crer – ou ao menos que não há uma subjetividade, uma identidade subjetiva, estabelecida de uma vez por todas, mas diferentes modalidades de subjetivação.

Lembro que aquilo que não responde a nada é insensato: no universo do sentido, se não há palavra plena (Lacan), também não há palavras ao vento; se se busca promover a subjetividade e se essa promoção encontra receptividade, é que há uma “crise de subjetivação” no universo em que esses livros fazem sentido e criam sentidos. Talvez se pudesse pensar também que a ênfase correlata na ligação, e mesmo unidade, entre todos, atende à necessidade de um comunitarismo

a que só poderiam aspirar indivíduos não estritamente individualistas, ainda que não recusem o que neles há de individual. Em outras palavras, só faz sentido alimentar o individualismo por ser este um valor socialmente aceito, assim como só faz sentido propor alguma espécie de coletivismo se este for tido como uma necessidade pelos