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O fracasso escolar do Sistema Educacional Brasileiro e a medicalização

O fenômeno da medicalização se torna ainda mais grave quando analisamos o histórico fracasso do sistema educacional brasileiro. A evolução dos indicadores da escola brasileira no século XX mostra altos índices de fracasso escolar e das políticas educacionais. Na década de 40, o acesso à escola atingia em média 65% das crianças, no entanto, cerca de 60% era reprovada na 1ª série do primário. Esse índice de reprovação ocorreu nas décadas anteriores e continuou a ocorrer nas posteriores. Nos anos 90 o acesso à escola era bem maior, contemplando 93% da população em idade escolar, mas a reprovação era de cerca de metade dos alunos logo na 1ª série do 1º grau. Em 2005 apenas 46% de quem iniciava o Ensino Fundamental o concluía, sendo que 27% reprovava na 1ª série (Collares & Moysés, 2014).

Segundo o censo escolar de 2016, publicado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP (2017), houve melhora das taxas de aprovação nos anos iniciais do Ensino Fundamental. As taxas de reprovação são maiores nos anos finais do Ensino Fundamental, entre o 6º e 9º ano e no Ensino Médio, conforme a figura três elaborada pelo INEP (2017).

A linha preta da figura três revela que ainda há muita distorção idade-série, principalmente nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, que apresentam entre 20 e 32,9%, respectivamente. O acesso ao Ensino Superior também é muito restrito. A conclusão de um curso superior é algo extremamente difícil no Brasil. Segundo o Mapa do Ensino Superior no Brasil publicado em 2015, apenas 18,5% dos trabalhadores com carteira assinada possuíam Ensino Superior, a maioria, aproximadamente 45,2%, tinha apenas o Ensino Médio (Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior, 2015).

Figura 3. Média de alunos por turma, taxa de distorção idade-série e taxa de não aprovação.

A Tabela 6 exibe as taxas de alfabetismo e letramento a partir de dados pesquisados do Indicador de Alfabetismo Funcional Brasil (Ação Criativa & Instituto Paulo Montenegro, 2016) no ano de 2015. Os dados, apesar de se tratar de uma amostra de cerca de 2000 pessoas, reiteram a discussão acerca dos alunos que atingem níveis de escolaridade sem ter aprendido a ler e a escrever. O analfabeto não consegue ler palavras simples, o rudimentar lê pequenos textos e realiza operações matemáticas simples, o elementar lê e interpreta pequenos textos, o intermediário consegue compreender diferentes gêneros textuais e realizar operações matemáticas mais complexas, o proficiente elabora textos complexos, soluciona problemas matemáticos e realiza operações mais complexas. É possível observar a existência de alunos com alfabetismo rudimentar em todos os níveis de ensino, apesar da redução no ensino médio e no superior, também há uma porcentagem elevada de alunos com alfabetismo elementar e intermediários no ensino médio e superior. O nível proficiente foi o menos encontrado. Por fim,

o ensino médio e o superior possuem em sua maioria, alunos com nível e alfabetismo elementar e intermediário.

Tabela 6

Taxas de Alfabetismo e de Letramento

Nota. Ação Criativa e Instituto Paulo Montenegro (2016).

A Tabela 7 mostra dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios publicada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2014, sobre o analfabetismo nas pessoas a partir de 15 anos. Os dados tratam da comparação do analfabetismo entre 2004 e 2013 e revelam que houve redução de 11,5% para 8,5%. Todas as regiões do país apresentaram redução nas taxas, com destaque para o nordeste que diminuiu 22,4% para 16,9%, mas apesar disso, as taxas relativas à área rural, à cor preta ou parda e acima dos 45 anos permanecem mais altas.

Tabela 7

Taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos ou mais de idade 2004/2013

Nota. IBGE (2014).

Os dados da tabela 7 mostram que houve diminuição da taxa de analfabetismo entre 2004 e 2013, no entanto, o problema ainda existe e afeta milhões de pessoas, indicando falhas históricas das políticas educacionais no país e de todos os outros fatores, como mudanças

econômicas, políticas e sociais que interferem na Educação. Apesar disso, as explicações para o aluno que não aprende são, conforme visto anteriormente, centradas no sujeito, promovendo exclusão e medicalização (Collares & Moysés, 2014).

Conforme dito anteriormente, a relação entre Psicologia e Educação foi influenciada pela Medicina tanto nas práticas de formação de professores, como no surgimento das clínicas especializadas em atender crianças com problemas no seu processo de escolarização. Esse modelo clínico-médico prevaleceu na Psicologia Educacional até a década de 80, quando teve início um conjunto de questionamentos acerca do papel social da Psicologia Escolar, da base teórica e de suas finalidades em relação à escola. Surgiram críticas em relação ao modelo de trabalho individualizante e patologizante, ancorado em preconceitos sociais, adotado até então. A partir desse momento, os profissionais começaram a propor pesquisas sobre o fracasso escolar, envolvendo o cotidiano escolar, relações institucionais, preconceitos sociais, práticas educativas (Souza, 2010).

Essa concepção teórica inaugura um posicionamento político de compromisso com a população excluída, assim como impõe a necessidade de superar os referenciais teórico- metodológicos que reproduzem essa lógica excludente e medicalizante. Nesse sentido, as pesquisas qualitativas em Psicologia, tendo como base a Sociologia e a Antropologia, trazem subsídios que buscam analisar o processo de escolarização e sua complexidade. Para Souza (2010):

Ao considerar o processo de escolarização, a Psicologia Escolar passa a enfatizar a necessidade de que a escola é o espaço em que relações sociais e individuais se articulam numa rede de relações complexas e que precisam ser analisadas como tal. Ou seja, quando o psicólogo recebe uma queixa escolar, esta se constitui em um fragmento de uma complexa rede de relações sociais com as quais ele terá que trabalhar a partir de seu campo de conhecimento (pp. 60-61).

A compreensão mais crítica e complexa do processo de escolarização levou diversos autores a questionarem a prática dos profissionais de educação de encaminhar os alunos com

dificuldades de aprendizagem ou com comportamento inadequado aos especialistas, desconsiderando os aspectos pedagógicos, institucionais, do próprio sistema educacional (M. Souza, 2007).

Algumas pesquisas investigam o perfil das demandas de crianças e adolescentes encaminhados para atendimento em serviços de saúde. Braga e Morais (2007) realizaram essa investigação em algumas unidades básicas de saúde da cidade de São Paulo/SP. Elas identificaram que 65-70% dos atendimentos em UBS eram de crianças e adolescentes, aproximadamente 50% das demandas refere-se à queixa escolar como dificuldade de aprendizagem e problemas de comportamento, 70% das crianças eram do sexo masculino, mais de 50% possuíam entre oito e nove anos e a maior parte dos encaminhamentos foi feita pela escola. Outros pesquisadores relatam em seus trabalhos que a queixa que predomina em serviços de saúde é escolar (M. Souza, 2007).

Em pesquisa recente, Lucena (2016) e Collaço (2016) analisaram dados em suas pesquisas de mestrado que pertencem a um projeto de pesquisa interinstitucional denominado “Retrato da Medicalização da Infância no Estado do Paraná”, que busca realizar “levantamento demográfico da medicalização nas redes de ensino infantil e fundamental” (Lucena, 2016, p. 48). A pesquisa envolveu cinco universidades que coletaram dados em nove municípios. Lucena (2016) analisou os dados de quatro cidades (Maringá, Campo Mourão, Mandaguari e Paiçandu) acerca de crianças entre 0 e 6 anos, da Educação Infantil, que foram diagnosticas com algum transtorno mental e medicadas. A autora verificou que em todos os municípios havia crianças dessa faixa etária com diagnóstico e medicadas, com o seguinte perfil:

[...] o uso de medicação cresce com a idade [...] os meninos são mais medicados que as meninas [...] a medicação mais prescrita é a Risperidona [...] a Risperidona é a droga mais usada para o tratamento do TDAH [...] o diagnóstico mais realizado é o de TDAH [...] o diagnóstico foi feito, na maioria das vezes, pelo médico (neurologista ou pediatra) [...] a maioria das crianças medicadas não fazia tratamento auxiliar (Lucena, 2016, p. 67).

Já Collaço (2016) focou os dados relativos às crianças diagnosticadas e medicadas que cursavam os anos iniciais do Ensino Fundamental (entre o 1º e o 5º ano) do município de Maringá e os dados se repetiram. Maringá é um município com mais de 360 mil habitantes, 45 escolas foram pesquisadas e 11.672 questionários respondidos. No total, 819 crianças tinham diagnóstico e tomavam remédio, sendo 608 meninos e 207 meninas, 656 tomavam Ritalina, 85 foram medicadas com Risperidona, um antipsicótico, além de outros medicamentos como Clonazepan e o Concerta. O diagnóstico mais frequente foi o TDAH, com 708 crianças, sendo os médicos neurologistas e neuropediatras quem mais diagnosticaram e prescreveram o remédio.

A pesquisa de Freire (2017) foi realizada em Salvador, Bahia. O objetivo do autor foi analisar de que maneira as queixas escolares são entendidas e atendidas em um Centro de Atenção Psicossocial da Criança e do Adolescente (CAPSi) local. Foram analisados 283 prontuários, a maioria dessas crianças e adolescentes, cerca de 73%, chegou até o serviço por demanda espontânea (44%) ou encaminhada de outros equipamentos da saúde (30%), sendo que 17% de escolas. Apesar da menor parte ter recebido encaminhamento das instituições educacionais, aproximadamente 55% dos pacientes tinha queixas escolares, totalizando 156 crianças e adolescentes. Desses pacientes com queixa escolar, 71% eram meninos, com idade entre 9 e 12 anos, pobres e estudantes do Ensino Fundamental I (33%), seguido do Ensino Infantil (17%) e Ensino Fundamental II (12%).

No tocante ao diagnóstico, cerca de 38,6% dos prontuários não continha nenhuma informação, 18,4% tinham retardo mental, 11,9% Transtorno do Espectro Autista, 6,5% com TDAH e 5,9% Transtornos de Conduta. Os demais apresentavam transtornos mentais relacionados à ansiedade, personalidade, dentre outros. Os dados de Freire (2017) indicam que frequentemente há procura de serviços da saúde de pacientes com queixa escolar, encaminhados pela escola ou não. Tal fato intensifica o fenômeno da medicalização da Educação, pois a

intervenção que se busca está centrada em aspectos biológicos e psicológicos individuais, isentando outras instâncias de sua responsabilidade.

Outros autores realizaram pesquisas com os profissionais da Educação para investigar a compreensão que tinham acerca das causas das dificuldades dos alunos. Para Sanches e Amarante (2014), os encaminhamentos revelam que a compreensão dos professores é que a dificuldade é do aluno, de forma que o espaço escolar atuou mais como lugar de diagnóstico do que com a busca por outras alternativas pedagógicas. Agitação, timidez, luto, mau comportamento foram vistos como doenças pelos profissionais da educação e da saúde, revelando a dificuldade em olhar uma criança que não cumpre as normas que não seja por motivo de distúrbios neurológicos. A prescrição de medicamentos se destacou, pois era pensada como possibilidade de contenção química e não melhora da criança. Assiste-se a uma submissão ao modelo medicalizante em que: a diferença é doença, há perda da capacidade de se sensibilizar pela dor do outro, a saúde deixa de ser fenômeno complexo para ser puramente biológica (Sanches & Amarante, 2014).

Para aprofundar um pouco mais a interface entre a Educação e a Saúde, será importante buscar mais conhecimento em outras pesquisas que aprofundem a compreensão que os profissionais dessas áreas apresentam acerca das queixas escolares, possibilidades de superação dessas, além de diagnósticos, tratamentos.

Legnani e Pereira (2015) fizeram uma pesquisa com o objetivo de investigar a concepção de dez professores acerca da medicalização da Educação e do TDAH. As autoras observaram que as professoras participantes possuíam uma concepção coincidente com a medicalizante, com destaque para a mediação dos discursos veiculados pela mídia para a constituição de sua visão sobre o tema. Elas partiam do princípio de que o ritmo de aprendizagem e padrão de comportamento adequado deveria ser homogêneo, ou seja, entendiam que todos devem agir dentro de um determinado padrão de normalidade. Quando o

aluno se desviava desse padrão, buscavam encaminhá-lo ao médico, com foco no diagnóstico e no envio do laudo médico, que era adotado como verdade definitiva, deixando em segundo plano o próprio discurso e prática pedagógica.

As professoras compreendiam que o medicamento contribuiria com a aprendizagem, mas apesar disso, algumas levantaram alguns questionamentos e dúvidas acerca dos benefícios do tratamento com medicamento, principalmente o Metilfenidato, pois observaram que apesar do comportamento mais calmo, os alunos ficavam dopados, aéreos, alguns chegavam a melhorar suas notas, mas nem todos. Outro aspecto identificado foi que, após o diagnóstico, os alunos se tornaram homogeneizados, eram os alunos com TDAH, que viraram uma categoria que impedia o desenvolvimento de possibilidades de aprendizagem, pois elas foram demarcadas pelo laudo médico. Observa-se que as participantes desconheciam a discussão crítica acerca do fenômeno da medicalização da Educação. Para as autoras, “esse mecanismo coloca-se distante de ser uma solução, instaurando um ciclo de impotência e agravamento das dificuldades para todos, incluindo o professor, que vivencia essa problemática” (Legnani & Pereira, 2015, pp. 43-44).

Leonardo e Suzuki (2016) também realizaram uma pesquisa com professores da rede pública e privada. O motivo que gerava encaminhamentos aos serviços de saúde tendia a ser mais relacionado a problemas de comportamento dos alunos, por agitação, agressividade ou falta de atenção, pois compreendem que na maioria dos casos era isso que gerava a dificuldade de aprendizagem. Esses dados retratam uma concepção biologizante acerca do desenvolvimento da atenção e do comportamento, cuja causa seria uma lesão cerebral. O sentimento de impotência também foi identificado, pois os profissionais não se sentiam capazes de fazer parte do processo de ensino e aprendizagem dos alunos.

Os medicamentos e a medicina se tornavam mercadorias para serem consumidas pela educação com o propósito de resolver seus problemas, o que representa uma compreensão e

alternativa a-histórica. Todos os professores entrevistados conheciam o Metilfenidato, relataram ter tido vários alunos que tomavam esse medicamento, sendo que alguns também usavam antidepressivos e outros medicamentos associados. Os medicamentos funcionam como terceirização da educação, pois liberam pais e professores de educar as crianças e adolescentes. O professor, ao mesmo tempo em que não se encontra incluído no processo de ensino e aprendizagem do aluno, se exclui ao reafirmar o papel do medicamento, o que revela um processo de alienação vivenciado pelo professor, como consequência da mercantilização da educação.

O não reconhecimento do trabalho do professor como mediador da construção da aprendizagem e desenvolvimento, assim como o não reconhecimento do aluno como matéria-prima do seu trabalho, apresenta-se de forma objetivada no processo de medicalização na sociedade atual. O professor passa a dar importância ao medicamento, pois já não consegue administrar a relação escolar. Ao mesmo tempo, tornando-se “redentor” da sociedade no Estado burguês, esse professor se encontra respaldado pela medicação, quando precisa dela para que a aprendizagem ocorra nos limites da escola (Leonardo & Suzuki, 2016, p. 51).

Santos, Tuleski e Franco (2016) realizaram pesquisa com professores de uma escola pública do estado do Paraná que possui IDEB alto, acima da média nacional. A hipótese das autoras era de que as práticas pedagógicas desenvolvidas na escola para garantir uma boa avaliação também contribuiriam para a redução de encaminhamentos, diagnósticos de transtornos de aprendizagem nos alunos e prescrição de medicamentos. No entanto, a escola possuía 5,35% de crianças diagnosticadas, sendo que em sua maioria com TDAH e medicadas com Ritalina. As professoras entrevistadas conheciam as consequências do uso do medicamento e algumas compreendiam que havia excesso de diagnósticos, sendo que nesses casos equivocados, a solução seria a família dar educação e limites para mudar o comportamento de algumas das crianças. Por outro lado, as profissionais não possuíam uma compreensão aprofundada acerca do TDAH, do uso do medicamento e nem tinham consciência

do impacto de uma prática pedagógica intencional para o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, como por exemplo, da atenção voluntária.

As professoras entrevistadas na pesquisa de Santos, Tuleski e Franco (2016) acreditavam que o remédio ajudava muito a mudar o comportamento dos alunos em sala, sendo que, em sua opinião, o maior problema era o comportamento e não a aprendizagem. Para as autoras, isso é reflexo da precarização da formação docente que faz com que compreendam a realidade de forma fragmentada (Silva, 2014 como citado por Santos, Tuleski & Franco, 2016). Nenhuma prática pedagógica diferenciada para contribuir com o desenvolvimento das funções psicológicas superiores, dentre elas, a atenção voluntária, era desenvolvida. O aluno que não progredia na aprendizagem era encaminhado para o apoio pedagógico. Para as autoras “a medicação torna-se um fim em si mesmo e um suporte à prática do professor que pode continuar sendo a mesma” (Santos, Tuleski & Franco, 2016, p. 519).

As autoras propõem três ações que podem contribuir com o enfrentamento da medicalização: informar e conscientizar os docentes, profissionais da saúde e familiares acerca das consequências para o desenvolvimento dos alunos relacionados à Ritalina, para desnaturalizar seu uso, os professores devem compreender sua responsabilidade em relação ao encaminhamento dos alunos para serem diagnosticados, em função das consequências, para que tenham consciência dos aspectos éticos envolvidos, buscar uma formação docente e uma atuação profissional para que desenvolvam práticas pedagógicas intencionais, que promovam mediações que possam promover o desenvolvimentos das funções psicológicas superiores, “de crianças humanizadas e livres das rédeas químicas que a medicalização impõe” (Santos, Tuleski & Franco, 2016, p. 521).

A visão dos professores citada pelas pesquisas acima levanta questionamentos acerca de como está sendo a formação inicial e continuada dos mesmos na atualidade. Como visto anteriormente, a Psicologia tem mediado historicamente a formação do professor e os discursos

pedagógicos escolares. Para Carvalho (2000), a área que mais foi determinada se trata da alfabetização. Investigar como o professor reflete, elabora e realiza seu trabalho possibilita compreender como a Psicologia se faz presente em sua prática pedagógica. A partir disso, ela realizou uma pesquisa para investigar como os professores compreendem e recriam os conceitos da Psicologia em sua prática.

As teorias estudadas pelos professores abordam, em sua maioria, o desenvolvimento infantil com foco na subordinação do:

[...] processo pedagógico ao desenvolvimento das estruturas cognitivas da criança, ao considerar que o conteúdo básico de um currículo é o próprio processo de pensamento. Assim, são as estruturas cognitivas já existentes que orientam o processo de aprendizagem. Neste caso, o papel do professor alfabetizador consiste em observar, compreender e acompanhar a criança nas etapas de construção da leitura e da escrita, reorganizando didaticamente o material, de modo a torná-lo assimilável, de acordo com o estágio do desenvolvimento em que a criança se encontra (Carvalho, 2000, p. 4).

Essas teorias, em sua maioria, consideram que a aprendizagem da escrita e da leitura na criança é um processo mecânico que depende, em sua maior parte, de aspectos maturacionais relacionados à percepção, aspectos visuais, auditivos e motricidade. A partir da Psicologia Histórico-Cultural, a autora critica essa visão tradicional, pois não há diferenciação entre os processos naturais e culturais para o desenvolvimento. Além disso, “as peculiaridades da escrita como um processo cultural que caracteriza ações especificamente humanas também foram desconsideradas nesse tipo de abordagem, bem como as mudanças que o domínio da alfabetização introduz no desenvolvimento do psiquismo infantil” (Carvalho, 2000, p. 06).

Carvalho (2000), em sua pesquisa, verificou que a compreensão dos professores alfabetizadores da rede estadual paulista focava os aspectos maturacionais e cognitivos da criança. Outro aspecto relevante é que, para os entrevistados, a Psicologia é muito importante, mas não conseguiam ver a aplicação na prática pedagógica. A autora não atribuiu isso apenas

à formação inicial do professor e analisou o contexto da sua atuação profissional, tendo em vista a formação continuada oferecida pelo governo e as políticas educacionais implementadas. O governo do estado de São Paulo implementou a organização do ensino fundamental em ciclos no final da década de 90, o que ocasionou mudanças no processo de avaliação. A seriação valorizava a avaliação quantitativa e rígida anualmente, já os ciclos trouxeram a proposta da avaliação qualitativa e processual, o que trouxe muitas dúvidas aos professores, sem que as mesmas tivessem sido ouvidas e esclarecidas. Para os professores a “avaliação da aprendizagem, que passou a ser compreendida como uma facilitação do processo e o regime de promoção automática como um meio de rebaixamento da qualidade do ensino” (Carvalho, 2000, p. 13).

Para Carvalho (2000), as teorias da Psicologia baseadas no Comportamentalismo e no Construtivismo que influenciaram as práticas de alfabetização nas décadas de 70 e 80 do século XX, respectivamente, juntamente com as reformas educacionais, contribuíram para que os profissionais da Educação separassem o processo de ensino-aprendizagem, com foco na maturação, compreendendo-os como distintos. Para a autora, o papel da Psicologia seria dar subsídios ao professor para que esse compreenda como ocorre a gênese e a história dos processos psíquicos, o papel do professor e do processo de ensino-aprendizagem para isso. Se seu papel não é cumprido, os profissionais da Educação agem a partir de sua experiência, sem embasamento, sem desenvolverem pensamento crítico e reflexivo, a partir do senso comum, organizam as atividades pedagógicas apenas conforme os interesses imediatos das crianças.

Checchia (2015) realiza sua pesquisa no contexto da formação inicial de professoras com o objetivo de investigar contribuições da Psicologia Escolar por meio da disciplina Psicologia da Educação. Seus estudos teóricos acerca dos conteúdos geralmente ministrados nessa disciplina tendem a focar aspectos voltados para o desenvolvimento, a aprendizagem e a