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A medicalização na Educação e a formação inicial do pedagogo

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Academic year: 2021

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO E A FORMAÇÃO INICIAL DO PEDAGOGO

Vânia Aparecida Calado

Natal 2019

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Vânia Aparecida Calado

A MEDICALIZAÇÃO NA EDUCAÇÃO E A FORMAÇÃO INICIAL DO PEDAGOGO

Tese elaborada sob orientação do Prof. Dr. Herculano Ricardo Campos e co-orientação da Prof.ª Dr.ª Cynara Teixeira Ribeiro e apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito parcial à obtenção do título de Doutora em Psicologia.

Natal 2019

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Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

Calado, Vania Aparecida.

A medicalização na Educação e a formação inicial do pedagogo / Vania Aparecida Calado. - Natal, 2019.

413f.: il. color.

Tese (doutorado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019. Orientador: Prof. Dr. Herculano Ricardo Campos.

Coorientador: Profa. Dra. Cynara Teixeira Ribeiro.

1. Medicalização na Educação - Tese. 2. Psicologia Histórico-Cultural - Tese. 3. Formação Inicial - Tese. 4. Pedagogia - Tese. I. Campos, Herculano Ricardo. II. Ribeiro, Cynara Teixeira. III. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 159.9

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Universidade Federal do Rio Grande do Norte Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes

Programa de Pós-Graduação em Psicologia

A tese A medicalização na Educação e a formação inicial do pedagogo, elaborada por Vânia Aparecida Calado, foi considerada aprovada por todos os membros da Banca Examinadora e aceita pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia, como requisito parcial para obtenção de título de DOUTORA EM PSICOLOGIA.

Natal-RN, xx de setembro de 2019.

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. Herculano Ricardo Campos

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

___________________________

Prof. Dr. Fauston Negreiros Universidade Federal do Piauí

___________________________

Prof.ª Dr.ª Silvana Calvo Tuleski Universidade Estadual de Maringá

___________________________

Prof. Dr. Júlio Ribeiro Soares

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

___________________________

Prof.ª Dr.ª Raquel Farias Diniz

Universidade Federal do Rio Grande do Norte

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Eu dedico essa tese às pessoas que trabalham diariamente por uma Educação humanizada, democrática, inclusiva, sem fracasso escolar, com docentes valorizados, estudantes participativos, que promova a apropriação do conhecimento por meio da reflexão crítica e que não seja medicalizante.

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Agradecimentos

Essa tese começou a ser planejada antes mesmo da minha defesa da dissertação de mestrado, quando iniciei os estudos sobre o tema medicalização. Então, meus agradecimentos serão direcionados às inúmeras pessoas que cruzaram meu caminho nos últimos 10 anos. Eu gostaria de agradecer:

- Aos amigos do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (Lygia Viégas, Tito, Fauston, Sara, Rubens, Klessyo, Rui, Helena, Beatriz de Paula Souza, Marilene Proença, Carol, Aline, Ricardo, Maria Izabel e tantos outros), que com dedicação, crítica, ética, força e compromisso, me inspiraram e me deram forças para prosseguir.

- Ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, por ter dado a oportunidade à essa paulistana de coração nordestino de desenvolver sua pesquisa de doutorado, por ter conhecido profissionais e práticas que só reafirmaram minha certeza de que a Educação pública de qualidade é um direito de todos.

- A todos os colegas do Programa de Pós-Graduação em Psicologia que conheci durante minha trajetória, mas em especial a Sinara Fidelis, Emilly Mel, Daniele e Antônio por terem me dado suporte num momento muito difícil ocasionado pelas contradições da Academia.

- Às queridas professoras Ana Karenina Arraes e Ilana Paiva pelo companheirismo, incentivo e carinho recebido durante todo esse processo, seja na militância, na pesquisa ou na docência.

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- A cada um dos estudantes da UFRN e da Universidade Potiguar por terem me acolhido, acreditado no meu trabalho, apoiado minha iniciativa de ingressar no doutorado, compreendido todas as minhas falhas devido às tarefas da construção da tese. Agradeço a cada um que me incentivou, que torceu por mim, que vibrou quando fui aprovada e atualmente está feliz por eu ter conseguido chegar ao final. Saibam que o carinho e o apoio de vocês foram essenciais para eu continuar a acreditar na Educação.

- A todos os ex-alunos de Psicologia Escolar e orientandos de trabalho de conclusão de curso que acompanharam minha trajetória nos anos do doutorado, que me apoiaram absurdamente e depois se tornaram meus amigos, em especial ao Jorge, ao Rafael Ribeiro Filho, ao Danilo, à Glícia, à Marina, à Priscylla Cisne, Karol, dentre outros, que até hoje fazem parte do meu dia a dia.

- Ao Centro de Educação da UFRN, principalmente às professoras Marisa Narcizo, Cynara Teixeira, Márcia Gurgel, Renata, Rosália, Olívia, Géssica, Denise e aos professores Jefferson, Alexandre, Alessandro, Walter, pela parceria durante minha experiência como professora substituta e incentivo ao doutorado.

- Aos amigos e companheiros do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Norte, conselheiros Daniela, Rafael, Rodrigo, Camomila, Fernanda, Rodrigo, Patrícia, Stênio, Cíntia, Ádala, Franklin, Silvia, Polyana e Lima, eu dedico um agradecimento especial por terem me aceitado nesse momento tão difícil da minha vida, por terem perdoado minhas ausências e falhas e mesmo assim, terem confiado à mim a coordenação da Comissão de Educação e a partilha das ações, lutas e angústias em relação à nossa profissão no RN e no Brasil. Agradeço também ao companheirismo e apoio dos colaboradores da Comissão de Educação (Sarah, Arthemis, Jacqueline, Carol e Pereira).

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- À amada equipe do curso de Psicologia da UnP que compartilhou comigo todas as conquistas, perdas, alegrias e angústias vivenciadas ao tentar conciliar trabalho docente com doutorado, família e militância, com destaque para minha querida coordenadora Astrid que acreditou em meu trabalho, nunca deixou de me incentivar e me elogiou mesmo quando falhei devido às urgências do doutorado. Também não poderia deixar de citar Gabriela, Hellen, Ana Izabel, Ionara, Laurence, Cida França, Adriana, Antonimária, Alda, Nívia, Ana Cândida, Ana Luíse e Marília, pelo companheirismo, carinho e incentivo do dia a dia!

- À querida e saudosa ex-equipe do Núcleo de Apoio Psicopedagógico da UnP (Angeline, Fernanda, Jullyenne, Kamilla, Fábio, Karen e Abinoane), que esteve comigo durante seis meses de intenso trabalho pela Educação Inclusiva, e não deixaram de me apoiar e incentivar no momento em que os deixei para poder me dedicar ao doutorado. O meu carinho por vocês é imenso!!

- Aos companheiros do Núcleo de Estudos em Psicologia Histórico-Cultural da UFRN (Herculano, Cláudia, Adriane, Mércia, Maria da Apresentação, Clara, Júlio, Priscylla, Halana, Sarah, Alexia, Alessandra, Heloísa, Letícia, Joana, Élida), que moram no meu coração, não só me apoiaram, mas me ampararam em todos esses anos com seu carinho, incentivo, companheirismo, amor pela profissão e pela Educação, com sua amizade, alegria e compreensão por minha ausência. Vocês iluminaram meu caminho, meu pensamento e me energizaram quando pensei em desistir. Muito obrigada!!

- Aos amados e saudosos familiares que se encontram em São Paulo, minha madrinha Janete, meu irmão William, minhas cunhadas Maria Helena, Tamara, Cristiane, Silvana, meus cunhados Iberê e Cristiano, à Nita, aos tios e primos, pelo apoio, incentivo e compreensão por meu distanciamento.

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- Ao meu amado e saudoso sogro, Sr. José, que não se encontra mais entre nós, mas que se estivesse aqui estaria extremamente feliz com minha conquista.

- Aos queridos amigos que estão em São Paulo, em Minas Gerais e aqui em Natal, muito obrigada pelo incentivo, apoio e amizade. Muito obrigada por não terem me abandonado nos últimos anos apesar da minha distância. Agradeço especialmente à Lilia, ao Hiro, à Carol, ao Maurício, à Geovana, ao Barra, à Luciane, ao Wanderson, à Marizeti, ao Fábio, à Ana Paula, ao Mozart, ao Buschinelli, à Iara, às vizinhas Elizania, Lisandra e Priscila. Agradeço a todos por terem ouvido centenas de vezes meu desabafo em relação às angústias com a tese, com meu filho e com o trabalho!

- Aos queridos fisioterapeutas Carol, Adriano e Ludmila, à minha querida professora de Pilates, Elisabeth, muito obrigada por estarem comigo todas as semanas dos últimos anos, cuidando do meu corpo e das minhas dores, proporcionando um alívio na minha rotina extenuante.

- À minha querida psicóloga Maria Dolores e à querida Dra. Célia, minha médica homeopata, que foram essenciais para me dar um pouco de equilíbrio e tranquilidade para enfrentar a finalização dessa tese.

- À querida Joana que cuidou da minha casa e me ajudou imensamente com meu filho nos últimos anos.

Agora farei os agradecimentos especiais:

- Ao meu querido mestre e orientador Herculano Ricardo Campos, que foi uma das pessoas mais importantes na minha trajetória profissional desde que cheguei à Natal, não só por ter me acolhido prontamente, mas por ter dedicado à mim plena confiança na coordenação de projetos, realização de eventos, aulas, por ter me recebido em sua casa juntamente com sua

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família, em especial sua querida esposa Cláudia Kranz!! Muito obrigada por seu profissionalismo, por seus ensinamentos, por sua amizade, por não ter desistido de mim, por ter respeitado minhas falhas e meu tempo em função de minhas condições concretas de vida!! - À minha querida coorientadora Cynara Teixeira Ribeiro e à professora Marisa Narcizo, por seu apoio e participação na construção dessa tese do início ao fim. Vocês são coautoras desse trabalho.

- Aos queridos estudantes de Pedagogia que participaram dessa pesquisa, sem vocês, nada disso teria sido possível. Vocês me proporcionaram momentos incríveis de aprendizado e foram cruciais para me fazer continuar a acreditar que desmedicalizar a Educação é possível!!

Por fim, chego ao agradecimento principal, que será para meus pais, Horácio e Maria Jeanette, para meu esposo Nicolau e para meu filho Bruno. Eu amo meu trabalho, minha profissão, mas meu amor por vocês é maior do que tudo isso. Vocês são, sem dúvida nenhuma, as pessoas mais importantes da minha vida e aquelas que significaram e significam a base para que eu pudesse ter construído essa tese e sobrevivido até aqui. Vocês estavam ao meu lado em absolutamente todos os momentos, todos os dias, aguentando meu silêncio, minha irritação e exaustão, mesmo assim, nunca deixaram de me apoiar e me incentivar.

Ao meu marido por ter sido meu maior incentivador e minha base, por ter sofrido comigo todas as noites em que tive insônia, quando estava indignada por causa dos problemas do meio acadêmico, todas as vezes em que chorei de cansaço ou por estar tão pouco com você e nosso filho. Por fim, meu maior amor, minha razão de viver, meu filho, obrigada por ter compreendido as centenas de horas que perdi, por não estar ao seu lado e por ter deixado de brincar com você. Você amadureceu e aprendeu a respeitar os momentos em que eu não podia estar contigo, mesmo trabalhando no quarto ao lado, no escritório de nossa casa. Espero que um dia você entenda que o que estava por trás do meu trabalho era a necessidade de construir um mundo melhor para todos nós!

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Uma tese apresenta uma longa trajetória que é impossível de ser percorrida sozinha. Eu sou a autora principal dessa pesquisa, mas sem dúvida nenhuma, ela foi construída com muitas mãos, que constituíram a rede na qual me apoiei e me inspirei. Muito obrigada por todo o amor que dedicaram a mim, ao meu trabalho e por me ensinarem que a coletividade deve ser nossa diretriz!

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Resumo

Essa pesquisa teve como objetivo desenvolver e analisar mediações pedagógicas no processo de aprendizagem do conceito de medicalização na educação com estudantes de Pedagogia. Para isso, a partir do referencial teórico da Psicologia Histórico-Cultural, foi realizado um experimento formativo baseado na proposta de Davydov, entre agosto e dezembro de 2016, com turma de 25 estudantes do sexto período noturno, em curso presencial de uma universidade pública de Natal-RN. O experimento foi desenvolvido em 16 aulas semanais, distribuídas em três etapas, precedidas do levantamento sobre o conhecimento detido a respeito da medicalização. O planejamento das mediações pedagógicas se baseou na hierarquia conceitual elaborada para abordar o conceito científico medicalização na educação. Na primeira etapa foram desenvolvidas atividades para trabalhar os conceitos função social da escola e do pedagogo e relação entre sociedade e escola. Na segunda etapa o conceito brincar foi trabalhado inicialmente para resgatar memórias da infância e a vivência lúdica dos estudantes, e, posteriormente na elaboração de propostas de intervenção em escolas onde estagiavam tendo como base o brincar. Na terceira etapa foram abordados os conceitos saúde, doença, normatização da sociedade, determinismo biológico, medicalização da vida e dados sobre consumo de medicamentos. A análise dos registros escritos de sete estudantes selecionados indicou que compreenderam que a sociedade baseada no capitalismo, mecaniza, normatiza e desumaniza os sujeitos, atinge o pedagogo e o leva a elaborar práticas pedagógicas disciplinadoras que não desenvolvem o aprendizado e a criatividade, como consequência, aos alunos que fracassam na escola, são atribuídas doenças para serem tratadas por via medicamentosa com influência da indústria farmacêutica. Conclui-se que o experimento

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formativo possibilitou mediações que promoveram mudanças psíquicas, qualificaram processos de pensamento para a aprendizagem conceitual sobre medicalização na educação e contribuíram com a identificação de possibilidades de enfrentamento ao fenômeno, sendo que o brincar foi apontado como opção.

Palavras-chave: Medicalização na Educação, Psicologia Histórico-Cultural, Formação Inicial, Pedagogia,

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Abstract

This research aimed to develop and analyze pedagogical mediations in the learning process of the concept of medicalization in education with Pedagogy students. For this, based on the theoretical framework of Historical-Cultural Psychology, a formative experiment was conducted following Davydov's proposition, between August and December 2016, with a group of 25 night-shift sixth period students, presently attending a public university of Natal, RN. The experiment was developed in 16 weekly classes, distributed in three stages, preceded by the survey about the knowledge held about medicalization. The planning of the pedagogical mediations was based on the conceptual hierarchy designed to approach the scientific concept of medicalization in education. In the first stage, activities were developed to work on the social function concepts of the school and the pedagogue and the relationship between society and school. In the second stage, the concept of play was initially worked to rescue childhood memories and the playful experience of students, and, later, in the elaboration of intervention proposals in playfulness based schools where they were interning. In the third stage, the concepts of health, disease, society standardization, biological determinism, medicalization of life and data on drug consumption were approached. The analysis of the written records of seven selected students indicated that they understood that the society based on capitalism mechanizes, normalizes and dehumanizes the subjects, reaches the pedagogues and leads them to elaborate disciplinary pedagogical practices that do not develop learning and creativity, consequentially, students who fail at school are assigned illnesses to be treated by medication with the influence of the pharmaceutical industry. It is concluded that the formative experiment enabled mediations that promoted psychic changes, qualified thought processes for conceptual

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learning about medicalization in education and contributed to identify possibilities of coping with the phenomenon, which playfulness was pointed as an option.

Keywords: Medicalization in Education, Historical-Cultural Psychology, Initial formation, Pedagogy,

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Resumen

Esta investigación objetivó desarrollar y analizar mediaciones pedagógicas en el proceso de aprendizaje del concepto de medicalización en la educación con estudiantes de Pedagogía. Para eso, a partir del referencial teórico de la Psicología Histórico Cultural, fue realizado un experimento formativo basado en la propuesta de Davydov, entre agosto y diciembre de 2016, con un grupo de 25 estudiantes del sexto período nocturno, en curso presencial de una universidad pública de Natal-RN. El experimento fue desarrollado en 16 clases semanales, distribuidas en tres etapas, precedidas del levantamiento sobre el conocimiento sobre medicalización. El planeamiento de las mediciones pedagógicas se basó en la jerarquía conceptual elaborada para abordar el concepto científico medicalización en la educación. En la primera etapa fueron desarrolladas actividades para trabajar los conceptos función social de la escuela y del pedagogo y relación entre sociedad y escuela. En la segunda, el concepto juguetear fue trabajado inicialmente para rescatar recuerdos de la niñez y la vivencia lúdica de los estudiantes, y, posteriormente en la elaboración de propuestas de intervención en escuelas donde estajeaban teniendo como base el jugar. En la tercera, fueron abordados los conceptos salud, enfermedad, normatización de la sociedad, determinismo biológico, medicalización de la vida, e datos sobre consumo de medicinas. El análisis de los registros escritos de siete estudiantes seleccionados indicó que comprendieron que la sociedad basada en el capitalismo mecaniza, normatiza y deshumaniza los sujetos, atinge el pedagogo y lo lleva a elaborar prácticas pedagógicas disciplinadas que no desarrollan el aprendizaje y la creatividad, como consecuencia, a los alumnos que fracasan en la escuela, son atribuidas enfermedades para ser tratadas por vía medicamentosa con influencia de la industria farmacéutica. Se concluye que el

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experimento formativo posibilitó cambios psíquicos, cualificó procesos de pensamiento para el aprendizaje conceptual sobre medicalización en la educación y contribuyó en la identificación de posibilidades de enfrentamiento al fenómeno, ya el juguetear fue aprobado como opción.

Palabras clave: Medicalización en la Educación, Psicología Histórico Cultural, Formación Inicial, Pedagogía.

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Lista de tabelas

Tabela 1 Venda de caixas de Ritalina no Brasil por região ... 31

Tabela 2 Regiões com maiores índices de venda de Clonazepan... 33

Tabela 3 Faturamento das indústrias farmacêuticas no Brasil ... 34

Tabela 4 Faturamento no Brasil de acordo com o porte da indústria farmacêutica ... 35

Tabela 5 Faturamento de acordo com a Classe Terapêutica do Medicamento ... 35

Tabela 6 Taxas de Alfabetismo e de Letramento ... 70

Tabela 7 Taxa de analfabetismo das pessoas com 15 anos ou mais de idade 2004/2013 ... 70

Tabela 8 Dados sobre os estudantes participantes ... 161

Tabela 9 Planejamento da primeira etapa do experimento formativo ... 167

Tabela 10 Planejamento da segunda etapa do experimento formativo... 168

Tabela 11 Planejamento da terceira etapa do experimento formativo ... 170

Tabela 12 Relação de gêneros textuais e autores... 183

Tabela 13 Registros escritos de Bianca ... 281

Tabela 14 Registros escritos de Carlos ... 284

Tabela 15 Registros escritos de Daiana ... 287

Tabela 16 Registros escritos de Dalila ... 289

Tabela 17 Registros escritos de Érica ... 291

Tabela 18 Registros escritos de Melissa... 294

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Lista de figuras

Figura 1. Gastos com Medicamentos pelo Ministério da Saúde ... 29

Figura 2. Venda de caixas de Metilfenidato por mês e ano ... 30

Figura 3. Média de alunos por turma, taxa de distorção idade-série e taxa de não aprovação. ... 69

Figura 4. Consumo de caixas de Metilfenidato em São Paulo entre 2008 e 2015 ... 91

Figura 5. Organograma dos conceitos primários e secundários ... 165

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Sumário

Resumo ... xi

Abstract ...xiii

Resumen ... xv

Lista de tabelas... xvii

Lista de figuras... xvii

1 Introdução ... 21

2 A Gênese do Fenômeno da Medicalização ... 28

2.1 Alguns dados sobre o consumo de medicamentos ... 28

2.2 A medicalização da vida e da educação ... 36

2.3 O fracasso escolar do Sistema Educacional Brasileiro e a medicalização ... 68

2.4 Outras possibilidades de enfrentamento do fenômeno da medicalização na educação .. 84

3 Método ... 95

4 Psicologia Histórico-Cultural ... 108

4.1 Alguns Conceitos da Psicologia Histórico-Cultural ... 109

4.2 O Experimento Formativo e a Formação Inicial em Pedagogia ... 133

4.3 O experimento formativo e o brincar ... 144

5 O experimento formativo e sua análise... 154

5.1 Autorização para a realização da pesquisa... 154

5.2 A instituição de ensino, o curso, a disciplina e a turma ... 155

5.3 O planejamento do experimento formativo ... 162

5.3.1 Primeira etapa do experimento formativo ... 176

5.3.2 Segunda etapa do experimento formativo ... 204

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5.3.4 Uma síntese da aprendizagem conceitual dos alunos... 298

6 Considerações Finais ... 307

Referências ... 321

Apêndices ... 334

Apêndice A – Carta de anuência da unidade de ensino em que a pesquisa foi realizada. .. 334

Apêndice B – Termo de consentimento livre e esclarecido ... 336

Apêndice C - Termo de autorização de uso de imagem, textos produzidos e depoimentos ... 338

Apêndice D – Roteiro para diagnóstico ... 339

Apêndice E – Estudo de caso apresentado na primeira aula da segunda etapa do experimento de ensino. ... 340

Apêndice F – Frases do Manoel de Barros ... 341

Apêndice G – Roteiro para elaboração da proposta de intervenção ... 342

Apêndice H – Slides apresentados na aula sobre medicalização ... 343

Anexos ... 352

Anexo A – Relação de textos literários usados na terceira aula da primeira etapa. ... 352

Anexo B – Experiências de escolas alternativas ... 366

Anexo C – Roteiro de estudo da E. M. Des. Amorim Lima ... 373

Anexo D - Lista de brincadeiras, músicas infantis e parlendas ... 375

Anexo E - Instrumento para observação e entrevista em instituição escolar pública ... 390

Anexo F – Proposta de intervenção de Dalila, Érica e Melissa. ... 394

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1 Introdução

O meu interesse pelo tema da medicalização na educação surgiu durante a graduação em Psicologia a partir da leitura de textos e participação em discussões acerca da patologização das dificuldades escolares. Nessa época, no final da década de 90, não havia uma preocupação com o crescente aumento de crianças e adolescentes diagnosticados com patologias por causa de problemas na escolarização. Tal fenômeno recebeu destaque no início do século XX, período em que voltei a fazer discussões mais específicas sobre o tema, principalmente entre 2007 e 2010, durante o mestrado realizado no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano, do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Diante desse crescente fenômeno, no ano de 2009, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo- CRP SP começou a desenvolver ações, elaborou uma pesquisa estadual sobre o consumo de medicamentos para transtornos de aprendizagem e participou de uma audiência pública na Câmara dos Vereadores de São Paulo que discutiu um projeto de lei para diagnosticar Dislexia em toda a rede municipal de Educação. Ainda no mesmo ano o CRP promoveu ações e realizou, no dia 21 de setembro de 2009, o Seminário “Dislexia: subsídios para políticas públicas” sobre o tema, que está disponível para download (CRP SP, 2010).

Nessa época, atuando profissionalmente como professora em cursos de Psicologia, constatei que as queixas apresentadas pelas escolas em relação aos alunos focavam problemas de aprendizagem e de comportamento. Conforme eram investigadas descobria que na sua base frequentemente se encontrava o fenômeno da medicalização da vida e da Educação, o que resultava em encaminhamentos para especialistas, principalmente neurologistas, aos quais era solicitado diagnosticar transtornos de aprendizagem. Muitas vezes os próprios docentes e

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gestores agendavam a consulta, levavam os alunos em seus carros, acompanhados de seus responsáveis ou não. O metilfenidato, medicamento prescrito para o transtorno de déficit de atenção e hiperatividade - TDAH, era notadamente indicado pelos médicos e, muitas vezes, a escola controlava se a criança o tomava, ou seja, o medicamento ficava na instituição e não na residência do aluno. As famílias não conheciam outras formas de compreender o problema e, embora muitas vezes discordassem, questionassem a escola, não eram ouvidas.

No ano de 2010, durante o I Seminário Internacional A educação medicalizada: dislexia,

TDAH e outros supostos transtornos, as ações em parcerias entre universidades e instituições

da sociedade civil que defendiam e defendem a saúde e a educação de qualidade, resultaram na criação do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, que tem como propostas a militância política, a elaboração de políticas públicas, a produção de pesquisas, a formação e a realização de eventos sobre o tema. Desde então, participo dessa entidade, o que proporcionou a intensificação do contato com o fenômeno da medicalização.

A partir de 2013, após me mudar para o estado do Rio Grande do Norte, passei a atuar como professora em curso de Psicologia de instituição privada de Natal, supervisionando estágio na área de Psicologia Escolar e Educacional e orientando trabalhos de conclusão de curso - TCC. Inclusive, supervisionei estágio nos serviços-escola da universidade em que trabalhava, a partir da proposta de Orientação à Queixa Escolar (B. Souza, 2007), por meio de atendimentos individuais e em grupo, concomitantes com atendimentos aos familiares e intervenções nas escolas onde as crianças e adolescentes estudavam. A supervisão de estágio foi fundamental para que eu me inserisse em escolas públicas e particulares da região e conhecesse as potencialidades, limites, possibilidades e desafios para a área.

Essa experiência como supervisora foi intensa e nela destaco três aspectos que se revelaram: a precarização da educação pública do Estado, o completo desconhecimento dos profissionais de educação a respeito da proposta de atuação do psicólogo a partir da abordagem

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crítica em Psicologia Escolar, que não foca a queixa escolar no aluno, mas considera o processo de escolarização e uma rede complexa de fatores sociais, culturais, políticos e econômicos, e o fenômeno da medicalização da vida e na educação. Essa experiência resultou na elaboração de um artigo intitulado Estágio em Psicologia escolar e educacional: ruptura com a

medicalização da educação (Calado, 2014).

Eu comecei a dar palestras sobre o tema Medicalização na Educação, ministrava aulas sobre isso e orientava os estagiários a realizarem intervenções que enfrentassem o referido fenômeno. O contato com esse tema despertou o interesse de estudantes de Psicologia para realizarem pesquisas como Trabalho de Conclusão de Curso - TCC. Essas orientações ajudaram significativamente na definição do foco para o estudo a ser desenvolvido por mim, no doutorado, de modo que sintetizo a seguir o que foi desenvolvido em alguns deles.

O TCC intitulado Medicalização da Educação e Psicologia: alternativas possíveis (Oliveira & Ribeiro Filho, 2014), foi uma pesquisa bibliográfica e teve como objetivo analisar os anais do III Seminário Internacional sobre Medicalização da Sociedade e da Educação, para identificar experiências de práticas produzidas no âmbito da Psicologia Escolar e Educacional com foco na crítica e no enfrentamento da medicalização. A maior parte dos trabalhos completos e resumos analisados tratava de textos teóricos e elaborava críticas ao fenômeno, poucos relatavam experiências, sendo que a maior parte dessas se referiam a atendimento clínico individual. Esses resultados trouxeram evidências da dificuldade de transformar o discurso crítico em práticas. Orientar essa pesquisa me fez pensar na importância de realizar um estudo em nível de doutorado que pudesse envolver a elaboração de uma prática no âmbito da Psicologia Escolar e Educacional.

Posteriormente, supervisionei outro TCC que influenciou ainda mais a delimitação do projeto de doutorado. Essa pesquisa também foi bibliográfica e recebeu o título Medicalização

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Hiperatividade (Oliveira & Oliveira, 2015). Ela teve como objetivo investigar o conhecimento

de profissionais da educação acerca do TDAH. Os textos encontrados e analisados revelaram que o conhecimento dos professores acerca do TDAH era superficial e baseado no senso comum, que eles se sentiam impotentes, pois não sabiam o que fazer com os alunos diagnosticados e geralmente concordavam com o discurso medicalizante. Por outro lado, alguns textos traziam a visão de alguns professores que não achavam que o tratamento medicamentoso trazia resultados, mas sim danos ao aluno, dentre eles, efeitos colaterais do remédio e a estigmatização. Na análise dos textos, foi possível identificar também que o processo de medicalização é pouco discutido na formação do professor, o que pode justificar parcialmente a escassez de práticas pedagógicas que enfrentem o fenômeno, fazendo com que o professor atue como reprodutor da lógica medicalizante.

Houve uma terceira orientação de TCC que também contribuiu com a construção do projeto de doutorado intitulada A compreensão dos professores acerca do processo de

medicalização da Educação (Medeiros & Melo, 2015). Esse estudo teve como objetivo

investigar como os profissionais de uma Escola Estadual de Natal-RN compreendiam o processo de medicalização na Educação, por meio de observações e entrevistas com professores. A inserção no local de pesquisa elucidou a gravidade da precarização do trabalho do professor, com poucas condições de trabalho, salários baixos e desvalorização, causando a necessidade de ter um segundo vínculo, o que prejudica a busca por formação continuada e planejamento de aulas.

Foi possível identificar a concepção biologizante sobre desenvolvimento humano e processo de ensino e aprendizagem, além de desconhecimento acerca da medicalização. Quando os professores identificavam um aluno com dificuldade de aprendizagem, a lógica era medicalizante e havia busca pelo diagnóstico e laudo, provocando também uma confusão entre alunos com dificuldades escolares e educação especial, pois a função do laudo, para os

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entrevistados, era identificar a necessidade educacional especial para encaminhar o aluno para atendimento especializado e não para repensar as práticas pedagógicas em sala de aula. Observou-se que esses aspectos esvaziavam a prática pedagógica e tiravam do professor a possibilidade de pensar em outras atividades para utilizar com seus alunos.

Outro problema identificado é que quando os professores recebiam os laudos dos alunos, isso não gerava a elaboração de práticas pedagógicas diferenciadas, mas sim a paralisação, ou seja, eles não tentavam desenvolver nada com o aluno, delegando essa função aos professores auxiliares ou aos que atendiam alunos com necessidades educacionais especiais. Por fim, essa pesquisa de campo identificou profissionais que são vítimas e reprodutores do fenômeno da medicalização na Educação. O enfrentamento dessa situação necessita de reflexão e ação coletiva, envolvendo alunos, professores, escolas, Estado, famílias e sociedade (Medeiros, Melo & Calado, 2015). A experiência com essa orientação foi muito rica e em decorrência dela, decidi pensar num projeto que focasse a formação docente por meio de estudos teóricos e elaboração de práticas pedagógicas.

Outra experiência significativa com vistas ao tema do doutorado se deu a partir do segundo semestre do ano de 2015, quando comecei a atuar como professora substituta junto às licenciaturas e ao Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. A realização de discussões sobre a importância do brincar para o desenvolvimento da linguagem na Educação Infantil revelou discursos hegemônicos medicalizantes pelos estudantes dos primeiros períodos. O aprofundamento desse trabalho, inclusive com a realização de atividades práticas sobre o brincar, resultou na expressão de nova consciência pelos estudantes, os quais destacaram o caráter humanizador desse aspecto da formação. Fui buscar mais textos sobre o assunto e encontrei pesquisas que propunham o estudo e a vivência do brincar na formação inicial do professor para possibilitar essa humanização citada pelos estudantes (Mendonça, 2008).

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Enfim, por todo o vivido, decidi focar meu projeto de doutorado na formação inicial do pedagogo, desenvolvendo um estudo que ao mesmo tempo em que investigava o grau de informação dos estudantes de Pedagogia a respeito do fenômeno da medicalização na Educação, procurava trabalhar a transformação da sua consciência por meio da apropriação de conceitos científicos sobre o tema. A tese defendida nessa pesquisa é a de que a aprendizagem de conceitos científicos sobre medicalização na Educação na formação inicial do pedagogo possibilita a conscientização, a compreensão do seu papel no enfrentamento desse fenômeno e a elaboração de práticas pedagógicas nessa direção.

Tendo em vista a referida tese, o objetivo geral ficou assim definido: desenvolver e analisar mediações pedagógicas no processo de aprendizagem do conceito de medicalização na Educação com estudantes de Pedagogia. Os objetivos específicos delimitados foram: possibilitar ao pedagogo em formação a identificação de situações na prática pedagógica em que esteja implicada a questão da medicalização na educação, oportunizar reflexão acerca do papel do pedagogo no enfrentamento do fenômeno da medicalização na educação.

A presente tese foi construída a partir do referencial teórico da Psicologia Histórico-Cultural, tendo como base a produção de conhecimento do psicólogo russo Lev S. Vigotski. A diretriz filosófica que norteou o presente estudo, o método, também adotado por Vigotski, foi o materialismo histórico-dialético, a partir dos pressupostos teóricos de Karl Marx. No segundo capítulo apresento aspectos conceituais sobre medicalização na Educação, tendo em vista sua gênese, sua relação com a formação inicial do professor, com a Psicologia e o saber médico. No terceiro capítulo apresento aspectos conceituais relacionados à base filosófica utilizada nessa pesquisa.

No quarto capítulo estabeleço um diálogo com o referencial teórico de Vigotski a partir de suas contribuições para a Educação, com foco nos conceitos necessários para a pesquisa que abarcam desde os centrais de sua teoria como relação entre aprendizagem e desenvolvimento,

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sistema total de conceitos, internalização, mediação, como a relevância do brincar como atividade principal da criança, contribuições para a formação do professor e experimento formativo, utilizando a produção teórica de Leontiev, Davydov e Elkonin. No quinto capítulo apresento o delineamento da pesquisa, os resultados identificados junto ao procedimento adotado e sua análise para compreender os determinantes da mediação realizada para oportunizar a aprendizagem de conceitos científicos relacionados à medicalização na Educação. Por fim, as considerações finais foram elaboradas no capítulo seis.

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2 A Gênese do Fenômeno da Medicalização

O fenômeno da medicalização é amplo, complexo, tem relação com mudanças econômicas, sociais, formas de produção, mudanças na ciência, de modo que será necessário analisar a relação entre vários aspectos para compreender sua gênese no decorrer da história. O caminho trilhado por esse capítulo iniciará com a apresentação de dados atuais acerca do consumo de medicamentos no país, em seguida será feito um regate histórico do fenômeno da medicalização na sociedade ocidental. Posteriormente, a medicalização relacionada à Educação será analisada, com foco em sua história e gênese no Brasil, abordando a relação entre a Medicina, a Psicologia e a formação inicial do professor. Por fim, algumas possibilidades de enfrentamento serão discutidas para elucidar a escolha dos aspectos metodológicos da presente pesquisa que serão desenvolvidos no capítulo quatro.

2.1 Alguns dados sobre o consumo de medicamentos

Nos últimos anos tem crescido o consumo de medicamentos no Brasil e no mundo como atestam dados publicados pela Comissão de Saúde, Promoção Social, Trabalho e Mulher da câmara dos vereadores do município de São Paulo/SP. De acordo com tais dados o Brasil é 6º maior mercado mundial de consumidores de medicamentos. A figura um revela o crescimento dos gastos do Ministério da Saúde com medicamentos, que entre 2003 e 2011 saltou de dois para oito bilhões de reais (Câmara Municipal de São Paulo, 2016).

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Figura 1. Gastos com Medicamentos pelo Ministério da Saúde

Os dados relacionados aos gastos expostos na figura 1 não discriminam quais tipos de medicamentos foram mais consumidos no país. Para identificar tal informação, foi preciso consultar outras fontes de dados. Moysés e Collares (2013b) tem denunciado o aumento de diagnósticos de crianças com Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, cujo tratamento costuma ser medicamentoso por meio de psicotrópicos que agem como estimulantes do sistema nervoso central, com destaque para o Metilfenidato MPH e Dextroanfetamina -D-anfetamina.

O Conselho Federal de Psicologia publicou no ano de 2013 o documento “Subsídios para a campanha não à medicalização da vida – medicalização da educação”, que contém a informação de que no ano de 2010 o Brasil era o segundo maior consumidor do metilfenidato do mundo, ficando atrás apenas dos Estados Unidos da América. Posteriormente, o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015a) publicou a “Nota técnica: o consumo de psicofármacos no Brasil, dados do Sistema Nacional de Gerenciamento de produtos controlados, com informações acerca do consumo de Metilfenidato e Clonazepan, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, entre 2007-2014. Conforme registros da ANVISA

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(Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade – FMES (2015), apesar do crescimento de mais de 100% na importação do medicamento já em 2013, o Brasil não estava mais entre os dez países que mais consomem o medicamento Metilfenidato. A produção mundial do medicamento em 2013 foi de 77 toneladas por ano, sendo que os Estados Unidos foram responsáveis por 77% dessa produção. Os países que mais importaram o medicamento foram: Islândia, Bélgica, Suécia, Canadá, Estados Unidos, Holanda, Dinamarca, Nova Zelândia, Chile e Alemanha. Esse crescimento pode ser observado na Figura 2, elaborada pelo Sistema Nacional de Gerenciamento de Produtos Controlados – SNGPC e publicado pelo FMES (2015), que apresenta o aumento da venda de caixas de Metilfenidato por mês entre 2008 e metade de 2014.

Figura 2. Venda de caixas de Metilfenidato por mês e ano

No Brasil, as regiões que mais compraram foram o interior dos estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Minas Gerais, somando 41% do total de vendas de Ritalina. Apesar disso,

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os dados da região Norte e Nordeste são preocupantes, pois houve o aumento de quase 700% no consumo nesse período, conforme a Tabela 1 (FMES, 2015a).

Tabela 1

Venda de caixas de Ritalina no Brasil por região

Região do país 1º Semestre de 2009 1º Semestre de 2014

Centro-Oeste 21.868 43.214

Norte 1.991 15.228

Nordeste 7.760 55.665

Sul 76.687 209.144

Sudeste 91.302 291.796

O Ministério da Saúde publicou em 2017 o documento Assistência Farmacêutica em

Pediatria no Brasil - Recomendações e estratégias para a ampliação da oferta, do acesso e do Uso Racional de Medicamentos em crianças em que apresenta dados acerca da realidade das

pesquisas e prescrição de medicamentos para crianças no país, ou seja, seus avanços, limites e suas falhas. O documento cita diversas pesquisas que investigaram a realidade de serviços de saúde, os diagnósticos e o tratamento realizado na população pediátrica. Dentre elas, se destaca uma que foi realizada com serviços de Saúde Mental do Sistema Único de Saúde - SUS, que prescreveram psicotrópico já no primeiro atendimento para cerca de 88,4% dos pacientes, sendo que um terço dessas prescrições apresentavam problemas farmacêuticos, como por exemplo, indicadas sem certeza acerca da idade e dosagem para que o medicamento fosse ingerido com segurança (Maciel et al., 2013 como citado por Ministério da Saúde, 2017). Após a prescrição do remédio, houve longo período de tratamento à base de psicotrópicos de forma exclusiva, ou seja, com poucas reavaliações e realização de outros tratamentos como psicoterapia e reabilitação psicossocial. Esses dados reiteram a precariedade da atenção à saúde voltada para a infância, sendo que o próprio documento indica que tem ocorrido no país a medicalização da

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infância. O documento também aborda o problema relacionado às pesquisas sobre remédios para as crianças, que representam a menor parcela dos estudos. Isso ocorre em função dos dilemas éticos relacionados a pesquisas com remédios em crianças e adolescentes. Apesar disso, o uso indiscriminado de medicamentos em crianças e adolescentes só aumenta, contribuindo para o agravamento do fenômeno da medicalização.

A medicalização não atinge apenas as crianças e adolescentes, pesquisa recente feita pelo Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015a) revela que os profissionais da Educação também têm sido vítimas e diagnosticados com transtornos mentais, dentre eles, transtornos de ansiedade e de humor, cujo tratamento é medicamentoso. Nesse caso, o medicamento que se destaca é o Clonazepan, um benzodiazepínico que age como depressor do sistema nervoso central, é indicado como antiepilético e para tratamento de transtorno de ansiedade e de humor. O Clonazepan é vendido pelo laboratório Roche como Rivotril. Em 2007 foram vendidas 425 caixas, em 2013, houve o consumo de 4.769.692 de caixas, ano em o país se tornou líder na fabricação mundial, com 3,2 toneladas produzidas. Nesse mesmo ano o Clonazepan se tornou o 13° medicamento com o maior volume de vendas no país, sendo que no Brasil apresenta alto consumo por profissionais da educação.

O Rio Grande do Norte aparece em 11º lugar na venda desse medicamento, com o total de 2,6%, totalizando 460.980 caixas entre janeiro de 2008 e julho de 2014. No entanto, os dados nacionais referentes à venda nas capitais e interiores dos estados revelaram que o município de Natal e o interior do estado aparecem em 3º e 13º lugar, respectivamente, no consumo do Clonazepan, conforme Tabela 2. No ano de 2008 a capital potiguar apresentava o consumo de 4,37 caixas para cada 1.000 habitantes, já em 2013 aumentou para 51,425. O interior consumia 1,489 caixas a cada 1.000 habitantes em 2008 e 33,756 em 2013.

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Tabela 2

Regiões com maiores índices de venda de Clonazepan

Nota. FMES (2015a) com dados do SNGPC (2015) e IBGE (2010).

Os dados acima sobre Ritalina, importada pela Novartis, e Rivotril, produzido pela Roche, integram as tabelas abaixo que revelam o faturamento das grandes empresas. Segundo dados da ANVISA publicados pelo Ministério da Saúde (2017), conforme a Tabela 3, a Novartis está classificada no grupo de grandes indústrias que ocupam o segundo lugar de faturamento e a Roche em quarto lugar. Na Tabela 4 é possível observar que as empresas de grande porte são as que mais faturam, totalizando 75,7%. Por fim, na Tabela 5 as classes terapêuticas dos medicamentos que são mais consumidas no país tratam de doenças do sistema nervoso central com 14,6% do faturamento, anti-infecciosos com 14%, agentes antineoplásicos e imunomoduladores com 13,2%, e aparelho digestivo e metabolismo com 13%. É importante ressaltar que essa é uma classificação foi elaborada pelo Ministério da Saúde e não pelo Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade.

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Tabela 3

Faturamento das indústrias farmacêuticas no Brasil

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Tabela 4

Faturamento no Brasil de acordo com o porte da indústria farmacêutica

Nota. CMED/Anvisa (2017). Tabela 5

Faturamento de acordo com a Classe Terapêutica do Medicamento

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Os dados acima acerca do consumo de medicamentos são alarmantes, apesar de não especificarem qual é exatamente a proporção dos que são prescritos para as crianças e adolescentes, indicam a complexidade do fenômeno da medicalização da vida e sua relação com o capitalismo e a indústria farmacêutica.

Esse fenômeno envolve uma rede multidisciplinar entre profissionais da saúde e da educação e sua definição não abrange apenas o consumo de medicamentos:

Entende-se por medicalização o processo por meio do qual as questões da vida social – complexas, multifatoriais e marcadas pela cultura e pelo tempo histórico – são reduzidas a um tipo de racionalidade que vincula artificialmente a dificuldade de adaptação às normas sociais a determinismos orgânicos que se expressariam no adoecimento do indivíduo (Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade - FMES, 2015b, p. 11).

O termo patologização tem sido empregado com o mesmo significado que medicalização e compreende o envolvimento de outros profissionais da saúde, como por exemplo, os psicólogos (Angelucci & Souza, 2010). Esse processo não teve início no século XXI, é histórico, envolve mudanças sociais, culturais, políticas e econômicas.

2.2 A medicalização da vida e da educação

Para realizar um resgate histórico da gênese do fenômeno denominado medicalização da vida, foi necessário ler autores como Ivan Illich e Michel Foucault, assim como textos de pesquisadores que se inspiram neles, pois ambos trouxerem relevantes contribuições para a compreensão do fenômeno. Segundo o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015b):

Desde que o filósofo austríaco Ivan Illich passou a criticar as tendências de transformar as dores e questões da vida humana em temas de domínio médico (na passagem da década de 70 para a década de 80), discursos comprometidos com a ética e com a dignidade das pessoas têm trazido preocupação com relação aos processos de medicalização engendrados na cultura ocidental. O filósofo Michel Foucault, o escritor

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Peter Conrad e os psiquiatras Peter Breggin e Thomaz Szasz figuram entre alguns dos nomes importantes que deram continuidade à crítica do fenômeno da medicalização (p. 11).

Essa leitura não implicará no abandono dos pressupostos filosóficos e teóricos e da Psicologia Histórico-Cultural para desenvolver uma análise a partir de uma concepção idealista (Carvalho, 2014). As ideias são determinadas por condições da realidade objetiva, portanto, o “uso do método histórico-dialético exige a análise concreta destas experiências concretas” (Carvalho, 2014, p. 250). Dessa forma, a elaboração da análise da gênese do fenômeno da medicalização terá como base autores ancorados na Psicologia Histórico-Cultural, a partir dos pressupostos de Vygotsky, coerentes com o método materialista histórico-dialético.

A imposição de normas padronizadas de comportamento existia antes da medicalização da vida ser engendrada na sociedade. As mudanças que ocorreram na sociedade ocidental no final do século XVIII provocaram transformações na Medicina, que atingiu estatuto de ciência moderna, a partir de raízes positivistas. A modernidade viveu um processo de reformulação epistemológica, a partir de uma concepção de ciência ancorada no Positivismo que propõe a ciência experimental, que vai estudar os fenômenos humanos observáveis, que podem ser controlados, quantificados (Guarido, 2010).

Os diagnósticos surgiram primeiro na Psiquiatria, depois na Neurologia e desde o início provocavam a segregação, transformando a diferença em algo inato, biológico, anulando a historicidade do objeto. A medicina moderna também prometeu erradicar a doença no futuro, algo que não ocorreu, mas sim se intensificou a ponto de ser colocado que o século XXI se transformou na era dos transtornos (Moysés & Collares, 2013a).

Essa ciência moderna também se inseriu na lógica mercantilista, consequentemente, o seu surgimento está ligado ao capitalismo, possui relação de mercado, em alguns aspectos pode

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ser compreendida como medicina individual, mas por outro lado é uma medicina que busca exercer uma forma de controle da população. Para Foucault (1979):

Minha hipótese é que com o capitalismo não se deu a passagem de uma medicina coletiva para uma medicina privada, mas justamente o contrário, que o capitalismo, desenvolvendo−se em fins do século XVIII e início do século XIX, socializou um primeiro objeto que foi o corpo enquanto força de produção, força de trabalho. O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo. Foi no biológico, no somático, no corporal que, antes de tudo, investiu a sociedade capitalista. O corpo é uma realidade bio−política. A medicina é uma estratégia bio−politica (p. 47).

Na transição entre o séc. XVIII e XIX houve o surgimento da medicalização do Estado, das cidades e da população, dando início a um novo regime de historicidade denominado bio-história (Martins & Peixoto Júnior, 2009). A medicalização do Estado teria surgido na Alemanha, a urbana na França e a da força do trabalho na Inglaterra.

A Alemanha investiu na produção do conhecimento, a partir da ciência médica, com o objetivo de melhorar o nível de saúde da população. Nesse sentido, o Estado alemão se preocupou em normalizar a medicina e o médico, ou seja, todos deveriam ter a mesma formação e atuação. Surge assim uma organização médica estatal ou a medicina de Estado, para controlar e desenvolver ações com foco na saúde de determinadas regiões (Foucault, 1977). Para propor intervenção na saúde da população, foi criada a polícia médica, que serviu como tecnologia de poder para manter a força do Estado e o controle da população (Martins & Peixoto Júnior, 2009).

Posteriormente, na França, a medicina que se desenvolveu no final do século XVIII, não teve a estrutura de Estado como suporte, mas sim a urbanização, pois surgiu a necessidade de unificar e organizar a cidade de forma homogênea e que dependesse de um único poder. A primeira justificativa foi a econômica em função das relações comerciais. A segunda foi política, pois a população operária surgiu e causou tensões políticas e revoltas até a Revolução Francesa. Nas cidades, as doenças que surgiram, também provocadas pelo amontoamento dos

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cadáveres de pessoas pobres que não tinham onde enterrar seus mortos, provocou uma ação por parte da burguesia baseada no modelo médico e político da quarentena, que se transformou numa forma de organização sanitária das cidades (Foucault, 1977). Esse processo significou a emergência de outra tecnologia disciplinar compreendida como dispositivos de segurança para possibilitar a governabilidade (Martins & Peixoto Júnior, 2009).

Dessa forma, a medicina urbana, social e coletiva, com sua prática de vigilância e controle, possibilitou sua inserção “no funcionamento geral do discurso e do saber científico” (Foucault, 1979, p. 54). Inicialmente o foco foi a condição de vida, de meio de existência, para depois analisar os efeitos do meio sobre o organismo.

Após o Estado e a cidade, o último alvo da medicina social foi a força de trabalho e os pobres, quando no final do século XIX estes começaram a ser vistos como perigo. Esse processo teve destaque na Inglaterra, em função do desenvolvimento industrial e do proletariado e a criação da assistência controlada por meio da intervenção médica. Essa assistência cuidava das necessidades de saúde, tornava essa população mais apta para o trabalho e protegia as classes mais ricas dos fenômenos endêmicos. Para Foucault (1979), a medicina social inglesa foi original, pois conseguiu sobrepor três sistemas médicos que implicavam em faces e formas de poder diferentes complexos: a assistencial destinada aos pobres, a administrativa que se encarregava dos problemas gerais como as epidemias, e a privada que beneficiava quem podia custeá-la.

Surge a clínica médica, baseada numa descrição incessante sobre o indivíduo, da doença, por meio da formação de um discurso que diz a verdade. Para conhecer a verdade sobre a patologia, o doente deve ser abstraído e uma descrição dos sintomas deve ser feita, fazendo com que a medicina se torne classificatória (Foucault, 2011). O saber médico penetra no espaço social, exercendo em todos os lugares e tempo a vigilância sobre a região, as moradias, as pessoas, a qualidade do ar e da terra e a moralidade. A consciência médica torna-se difusa,

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aberta e móvel, presente na existência individual e também na vida coletiva. Nesse sentido, para Guarido (2010, p. 30): “a medicalização foi então tomada como expressão da difusão do saber médico no tecido social, como difusão de um conjunto de conhecimentos científicos no discurso comum, como uma operação de práticas médicas num contexto não terapêutico, mas político-social”.

Gradativamente, além de curar as doenças, a medicina criará o saber sobre o saudável e “uma definição do homem modelo” que normatizará a sociedade (Foucault, 2011, p. 37). Esse saber influenciará as ciências do homem, que vão surgir no prolongamento das ciências da vida. Portanto, as ciências do homem estavam biologicamente e medicamente fundadas, usaram conceitos por transferência, além disso, seu objeto de estudo, o homem e a sociedade, estava caracterizado “pelo princípio do normal e do patológico” (Foucault, 2011, p. 39).

Esse processo histórico retrata a constituição do biopoder que se refere “a ideia do poder médico ao mesmo tempo individualizante e totalizante, que intervém sobre cada um e sobre a população” (Martins & Peixoto Júnior, 2009, p. 161). O biopoder é o poder sobre a vida, que se estrutura a partir da integração entre mecanismos disciplinares (anatomopolítica) e de segurança e desses com a biopolítica. A governabilidade se configura em relações de poder com inúmeras técnicas para modificar, controlar, conduzir a conduta do outro.

Dessa forma, a medicina, ancorada na Biologia, se torna soberana nas formulações discursivas que passam a constituir a existência humana, gerir a vida, a forma como o homem age para cuidar de sua saúde, bem-estar, representa a si mesmo. O biopoder provoca a moralização da conduta humana em relação à sua saúde. Esses discursos são veiculados pela mídia que divulgam como conhecimento científico, impessoal, técnico, universal e provocam a ilusão de controle técnico da vida (Guarido, 2010).

Todas essas mudanças citadas anteriormente que representam o crescimento da extensão da atuação da medicina na sociedade e de seu poder pode ser compreendido como um processo

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de medicalização do Estado e do surgimento do biopoder num contexto capitalista. Nesse contexto histórico, político e econômico é importante considerar o papel da indústria farmacêutica. Para Guarido (2010):

A produção dos remédios (não somente os psiquiátricos) e seu uso não podem ser vistos apenas no campo científico e da prática médica, os remédios atualmente produzidos apresentam-se como novos bens a consumir, atrelados a condição de produção de bem-estar, felicidade, auto-realização (p. 33).

Para o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade (2015b, p. 12), “ao invés de se fabricarem remédios para doenças, fabricam-se doenças para remédios, com vistas ao aquecimento de um mercado que se abre para a indústria farmacêutica com a criação de supostas doenças”. Esse processo é alimentado por pesquisas, muitas vezes financiadas pela indústria farmacêutica, que supostamente comprovam a descoberta de novas doenças, assim como do sucesso no tratamento medicamentoso.

Existe uma dinâmica política e institucional do setor da saúde, de um lado há um complexo de indústrias que produzem bens, dentre eles, os equipamentos médicos e insumos, as vacinas e a farmacêutica, do outro lado está quem consome todos esses bens e serviços. O que une esses dois lados é o saber profissional, ou seja, o médico. Se o profissional tiver uma visão interdisciplinar, será mais aberto a outros saberes e serviços, mas se a visão for biologicista, considerará apenas sua especialidade aumentando o consumo dos produtos a ela relacionados. Nesse processo, a mídia exerce um papel importante, pois as indústrias recorrem a estratégias de marketing que são direcionadas aos profissionais da saúde no geral e aos meios de comunicação (Temporão, 2013).

No Brasil, o debate sobre medicalização da sociedade teve início com a tese de doutorado da socióloga Cecília Donnangelo, que foi professora da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo - USP. Em sua tese, a autora pesquisou a relação entre saúde e sociedade, com destaque para a crescente medicalização da segunda a partir da ampliação dos

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serviços médicos e da normatividade relativa às concepções da primeira. Outra socióloga, Madel Luz, alerta para o papel político dessas instituições médicas que promete salvação e felicidade à população (Moysés & Collares, 2013a).

A medicalização atinge várias esferas da vida, dentre elas, a Educação, a partir da medicalização de crianças e adolescentes e da invenção das doenças do não-aprender para aquelas que não se encaixam em padrões uniformes e homogêneos de normalidade aplicados ao aprendizado (Moysés & Collares, 2010). Para compreender como esse fenômeno atinge a Educação será imprescindível aprofundar o resgate histórico das mudanças na sociedade, tendo em vista suas formas de produção, aspectos sociais, culturais e econômicos.

O processo de medicalização da Educação1 transforma questões sociais em biológicas, como consequência, as instâncias de poder responsáveis pelos problemas educacionais são isentas de responsabilidade. Há diversidade na forma das pessoas aprenderem, no entanto, parcela significativa daquelas que apresentam dificuldade é diagnosticada com doenças neurológicas, cujo tratamento muitas vezes também é medicamentoso. Como consequência, “a medicina afirma que os graves – e crônicos – problemas do sistema educacional seriam decorrentes de doenças que ela, medicina, seria capaz de resolver, cria, assim, a demanda por seus serviços, ampliando a medicalização” (Moysés & Collares, 2010, p. 73).

As explicações para o aluno que não aprende são, em sua maioria, centradas no sujeito, em suas condições sociais, reproduzindo a lógica excludente e medicalizante do sistema e constituindo uma cultura da repetência. A escola é uma “instituição medicalizada, adoecida e adoecedora desde seu início” (Collares & Moysés, 2014, p. 51). Portanto, para compreender

1 Quando eu usar a terminologia medicalização da Educação, estarei me referindo a questões

macroestruturais, como aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais. Já o uso da terminologia medicalização na Educação irá se referir às práticas que acontecem no interior das instituições escolares que contribuem com a produção do referido fenômeno, que serão foco da presente pesquisa.

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como o processo de medicalização da Educação se desenvolveu é importante resgatar as raízes históricas do modelo de escola dominante (Souza, 2014).

Para Bonadio (2013) é importante investigar a história da Educação e da escola, para isso ela parte das sociedades tribais até as tendências pedagógicas contemporâneas para compreender o fenômeno da medicalização da Educação. As sociedades possuem estruturas, funcionamento e necessidades diferentes, conforme a época, o que faz com que a Educação se modifique para dar respostas às necessidades. A autora destaca ainda que:

Recuperar a historicidade levar-nos-á ao desvelamento da educação contemporânea, da concepção de homem, de mundo, de sociedade e de cultura, determinados pelo capital e que refletem diretamente na escola e nas teorias pedagógicas de cada período histórico as quais se mesclam compondo a prática pedagógica do professor (Bonadio, 2013, p. 54).

A sociedade tribal, segundo a autora, compreende um longo período do desenvolvimento da humanidade, quando o homem descobriu o fogo, depois criou os primeiros instrumentos para caça, aprendeu a cultivar alimentos, preparação para a guerra, assim como o surgimento da linguagem e da consciência. Isso revela que gradativamente as sociedades criavam necessidades mais complexas relacionadas à Educação de seus integrantes. A linguagem foi compreendida como fundamental para a organização social. A Educação passou a ser mais rígida, com disciplinamento, se baseava na tradição oral e na imitação, era difusa e coletiva, pois não havia a figura do mestre. Posteriormente, houve a criação da agricultura e do comércio, o surgimento das classes, do Estado e da religião, o que gerou a necessidade da invenção da escrita (Bonadio, 2013).

Após analisar as sociedades tribais, Bonadio (2013) prossegue com informações acerca do período da Antiguidade, que tem início 4.000 anos a. C., quando surgiram as civilizações Oriental e Greco-Romana, com cidades e governos absolutos, Estado detentor de propriedade, classes sociais e centralização do poder. Tais mudanças provocaram alterações na Educação,

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que deixou de ser difusa e igualitária para ser para poucos, houve a inserção da escrita, mas com permanência da aprendizagem por imitação e a criação da escola. A aprendizagem da leitura e da escrita, assim como a cultura, era destinada às classes dominantes, as que eram dominadas tinham, no máximo, acesso a aprendizagens de conteúdos técnicos, voltados para o trabalho, pois a “divisão do trabalho requeria um ensino diferenciado a classes diversas e afirmava o papel social que cada indivíduo devia ocupar na comunidade” (Manacorda, 2006 como citado por Bonadio, 2013, p. 63).

A Educação da Grécia recebeu influência das civilizações localizadas no Oriente, mas apesar disso, era menos rígida e mais democrática. A classe dominante era preparada para a política e guerra, já os escravos e a plebe eram educados para o trabalho (Bonadio, 2013).

Bonadio (2013, p. 67) relata que “no fim do período homérico e início do período arcaico, houve mudanças na organização dos grupos em decorrência das alterações nos modos de produção”, ocorrido por volta de 800 anos a. C., com a divisão das terras, propriedade privada, divisão do trabalho, entre artesãos e agricultores, criação da Cidade-Estado ou pólis. A educação ficava a cargo da família até os 7 anos, depois era responsabilidade do Estado, pois era pública e obrigatória, mas as meninas iam para uma casa destinada às mulheres para realizarem atividades domésticas e os meninos eram educados para alfabetização, música, dentre outros (Aranha, 2006 como citado por Bonadio, 2013).

Posteriormente, Bonadio (2013) cita o declínio do Império Romano e aponta o surgimento da sociedade feudal e o crescimento da Igreja Católica, que passa a controlar a política, a moral e a Educação durante a Idade Média (período que engloba os séculos V e XV d.C.). Tais mudanças sociais provocaram a eliminação das escolas, abolição do direito romano, incentivo à economia de troca, oposição entre campo e cidade, surgimento dos países e escravidão. A escola era restrita aos clérigos e à nobreza e “servia como instrumento de poder” (Bonadio, 2013, p. 79). No século XIII a Escolástica surgiu, tendo São Tomás de Aquino como

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um dos maiores divulgadores, que se baseia em princípios filosóficos de Platão e Aristóteles e os adequa à Igreja. O conhecimento não era inato, cada indivíduo tinha sua potencialidade que deveria ser transformada pela educação, ou seja, ele defendeu maior ênfase nas características e diferenças individuais. Apesar dessa defesa, Bonadio (2013, p. 77) sublinha que:

Por muito tempo e não só na Idade Média, como também em boa parte da Idade Moderna, o povo permaneceu analfabeto, o conhecimento adquirido pelas pessoas estava atrelado ao senso comum, às suas experiências, às tradições e aos costumes. A perspectiva cultural estava limitada à fé, e a visão de mundo era alcançada por eles raramente pela escrita e frequentemente pela oralidade e por imagens carregadas de mensagens e de simbolismos cristãos.

Apenas parte da população tinha acesso à escola, que se resumia às classes altas e aos monges, sendo que esses grupos tinham o poder de elaborar textos para difundir ideias e a cultura. Dessa forma, a partir da restrição do acesso à informação e o controle imposto à população, essa última enfrentava grandes obstáculos para se opor à essa situação. No entanto, entre os séculos XI e XIV, aconteceram as Cruzadas, que favoreceram o surgimento do comércio e da burguesia como nova classe, a Igreja não tinha mais o controle do poder e da Educação. Tais transformações sociais possibilitaram que a população não estivesse mais controlada pela religião. Inicia-se um novo período “que questionava as tradições cristãs e a autoridade da Igreja, caminhando para a superação da explicação divina dos fatos e para uma nova concepção de Educação em uma perspectiva humanista não mais escolástica” (Bonadio, 2013, p. 81). O final das Cruzadas culmina com o início do Renascimento (entre os séculos XIV e XVI), com mais alterações na Educação:

A mudança no modo de produção e o surgimento da classe burguesa, impulsionada pela expansão do comércio, pelo uso do dinheiro e pela mais valia, alteraram a concepção de homem, de sociedade e, consequentemente, de educação. Para atender às necessidades e aos interesses deste período, era necessária uma formação voltada à preocupação de uma classe em ascensão, fugindo dos preceitos religiosos impostos pela Igreja na Idade Média (Bonadio, 2013, p. 82).

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