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FONTE – Foto de Elaine Vasconcellos

Durante horas o grupo ficou ali dançando, e dançando, tudo de novo sempre que alguém acrescentava um fato novo. O grupo já estava esgotado, as crianças inquietas, as mães pensavam em ir embora e MEMO II assistia a tudo calado, assustado. Parecia estar na inquisição. Todos julgavam a sua ação e ele não entendia a importância do fato ou por que era tão diferente. Até que a mãe da menina se levantou e disse que isso não ia dar em nada e caminhou para saída. A turma questiona a mãe. E antes mesmo que eu pudesse sugerir alguma coisa, a turma começa a discutir o assunto, todos falavam ao mesmo tempo.

Durante horas foram oferecidas várias alternativas, fizemos uma roda de dança, casais para um lado e para o outro. Vários colegas assumiram o papel de MEMO II e da menina. Porem, nenhum foi fiel ao personagem. Até que resolvi entrar em cena e convidei MEMO II para dançar comigo. Inverti os papeis, eu era ele, ele a menina.

De modo cômico, bem engraçado representei MEMO II, apropriando-se do seu modo desajeitado de ser, deixando de lado a ênfase que estava sendo dada a violência, ao ato em si, e arranquei sorrisos de todos, inclusive dele e das mães. A frieza da sala cedeu espaço ao calor da cena. Eu Sabia que dentro da sala de aula MEMO II só respondia as atividades se estivesse alegre, descontraído, como se estivesse brincando.

Isso serviu para prender a atenção da turma, que começava a ficar agitada. Todos queriam ver a professora dançar com MEMO II. Chegou à hora de quebrar o braço da criança e todos olham para mim. A turma grita. – Abaixa professora! Eu abaixei e MEMO passou. O grupo percebeu que havia algo diferente na professora que era comum a MEMO II, não era só

o tamanho com relação à menina, mas a dificuldade de fazer os movimentos que o menino tinha. De volta ao debate:

Jonas amigo de MEMO:

Ei, a professora fez igualzinho a MEMO. Pedro:

Coloca um menino para dançar com ele, vai ter força e ele não quebra o braço dele. Jonas:

Vai tu! Eu não danço com homem. Tiago:

Não Pedro, que menino é esse que vai dançar vestido de mulher? Jonas:

É só uma dança! Pedro:

Vai tu!

Não dava tempo à professora falar, todos queriam dar uma opinião. Teve uma menina que levantou e disse:

- Eu não sou pequena e queria dançar com ele, mas ele não quis. Preferiu Joana. E veio o inesperado. Alguém disse:

- Então tira ele da dança e pronto!

Para surpresa de todos MEMO II reagiu à discussão dizendo. - Eu quero dançar também! E começou a chorar.

Um instante de silêncio toma conta da sala. A mãe se levanta e vem na direção de MEMO II chamando-o par ir embora. Diz em alto e bom tom:

- Venha vou tirar você dessa escola.

MEMO II foi logo rodeado por alguns colegas que se aproximaram, pegaram em sua mão e disseram:

- Vem, agente ensina você a dançar!

A mãe para e vira uma estátua em silêncio. A solidariedade da criança é muito grande, e mesmo que para ser solidaria, ela corra algum risco. Apareceu logo uma garota para dançar com ele, mas avisou.

- Cuidado com meu braço viu!

Voltamos para o salão, colocamos a música e começamos a dançar. Agora era a turma não mais os voluntários, nem a professora queriam dançar. As mães olhavam ansiosas, cheias

de expectativas e cansadas de tanto esperar. E na hora da dama passar os braços sobre a cabeça do cavalheiro e entrar no túnel, todos gritaram juntos:

- Abaixa MEMO!

Ele curvou-se, ficou de joelho e a menina passou. Por incrível que pareça, faltava apenas uma orientação do professor de dança. Ele se agachou, passou os braços da menina, que logo entrou no túnel. Para nossa surpresa a solução surgiu da forma mais simples possível e encontrada pela turma. Terminada a dança, todos sorriam e abraçavam MEMO II. As soluções começaram a surgir. As crianças se prontificaram em ensiná-lo a dançar, a professora terá mais cuidado durante a dança, resolveram tirar alguns passos que dificultam a passagem da dama, todos passaram a ajoelhar no túnel, igual à MEMO, para não ficar diferente. A mãe da menina entendeu que não foi maldade de MEMO II, e a escola passou a selecionar melhor as brincadeiras, mantendo o devido cuidado e orientação necessária.

No fim de toda a história, entusiasmado MEMO II nos dá um susto. Levanta-se e começa a contar como tudo aconteceu agitado como sempre, e de forma inesperada puxa um colega e torce o braço dele. Quase machuca outra criança.

A cena que procurávamos acontecia ali, naquele minuto final. Cheia de verdade e expressão. Era resultado da sua ansiedade, as crianças que assumiam o personagem não podiam traduzir essa sensação que era única do protagonista, mas que deveria ser vivida pelo personagem, trazendo para a cena a realidade dos fatos. Para mim foi muito difícil administrar a situação.

Mais claro ainda ficou para mim uma verdade: quando é o próprio espectador que entra em cena e realiza a ação que imagina, ele o fará de uma maneira pessoal, única e intransferível, como só ele poderá fazê-lo e nenhum artista em seu lugar. Em cena, o ator é um interprete que, traduzindo, trai. Impossível não fazê-lo. (Boal, 2002, p. 22).

4.4 PRÁTICA COM LEITURA DRAMATIZADA: O MEDO DE FALAR EM PÚBLICO

O Teatro do Oprimido na escola oferece ao professor e ao leitor em geral uma alternativa para reverter este quadro calamitoso de desconforto em relação à leitura, entendendo que teatro é a representação do real. A espontaneidade e a liberdade da ação criada pelo processo, espaço, tempo, materiais, apresentação inicial do texto, possibilita a criança toda uma afetividade, afinidade com os personagens.

Para o aluno TDAH é de fundamental importância abrir o espaço para sua reconstrução. Deixá-lo refazer, reproduzir e participar. Permitir errar, recomeçar e não sentir medo em voltar e aprender com seus erros. Não fazer do erro um resultado final, definitivo sem conserto. É preciso estancar o medo de ler, e ler em público. Os jogos teatrais promovem a integração e a socialização com os demais participantes dão ao TDAH as ferramentas necessárias para o seu sucesso e desempenho na leitura.

O grupo trabalha agora o medo de falar em público. Esse medo não é só de MEMO I, MEMO II e MARI, grande parte das crianças na sala não fazem uma leitura em voz alta ou diante da turma. Surge então a ideia de levar para sala „O carro da imaginação‟. A equipe confeccionou um carro de madeira cheio de fantasias, perucas, óculos, sapatos, chapéu, e mascaras muitas máscaras de animais. O carro entra na sala, os voluntários já estão fantasiados. (FOTO 10). Outros com roupas e perucas (FOTO11) e o narrador (FOTO 12).