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3 O TEATRO DO OPRIMIDO

3.1 A CATARSE NO TEATRO DO OPRIMIDO

3.2.1 Teatro Jornal

O teatro jornal tem na sua metodologia a transformação de notícias de jornal ou qualquer outro material não dramático em cenas teatrais. O que permite à criança desenvolver a imaginação, a fantasia e a criatividade. Possibilita descobrir afinidades com o texto

definindo o papel que poderá assumir. Nesta técnica, encena-se o que se perdeu nas entrelinhas das notícias censuradas, criando imagens que revelam silêncios.

Foram usadas notícias sobre violência na escola, para trabalhar questões e conflitos que refletiam a nossa realidade escolar. Aqui foram levadas para a cena e para o debate, agressões ao professor, ao colega na sala, questões de preconceito, racismo, sexualidade, entre outros temas.

Durante uma aula, em meio às folhas de jornais, revistas, na busca de uma notícia, um aluno achou um comunicado da Universidade Federal do Rio Grande do Norte proibindo o trote nos calouros. A notícia trazia as fotos de moças e rapazes sujos de tinta, ovos, farinha, sendo espancados, obrigados a beber, outros melados com graxa de carro. Outros raspavam o cabelo a força, chegando aferir a cabeça. Assustado o aluno perguntou:

- Professora isso não é bullying?

Aproveitando a oportunidade, joguei a pergunta dele para turma e abri um diálogo. Todos estavam sentados lado a lado, formando um grande círculo, rodeada de jornais, revistas, cortando notícias, quando pararam diante da pergunta. Fiz à mesma pergunta outra vez a turma e esperei as respostas, que depois de alguns minutos em silêncio, começaram a aparecer.

Alguns alunos fizeram imediatamente a associação a diversos acontecimentos na escola, tipo: comemoração de aniversário, pichação do material do colega, das mesas, das paredes, chiclete na cadeira da professora, riscar com caneta a farda do colega no fim do ano letivo, etc.

Cada criança deu a sua contribuição durante o debate e criticaram alguns colegas que abusam da força e machucam na hora de jogar o ovo no rosto do aniversariante. Pedi que mostrasse como acontecia. O aluno levantou, chamou o colega e encenou a agressão, que com riqueza de detalhes mostrou como machucou o colega. Não era um ovo na cabeça. Jogavam nos olhos, no nariz, onde pegasse e com força, todos ao mesmo tempo.

Outra criança contou da surra que levou quando chegou à casa da avó com a farda toda riscada de caneta, com os nomes dos colegas da turma comemorando o final do ano. Ela não autorizou ninguém a riscar, mas em meio à ação coletiva, não teve como reagir. –“Ninguém me escutou!”. Disse ela aos colegas. Após a sua representação todos perceberam que ela não teve alternativa, se não ficar parada no meio de todos e chorar, pois sabia que a mãe ia brigar com ela.

Um colega relatou que ele detesta melar os cabelos, que gosta de andar sempre com um penteado e os meninos zombavam dele, davam tapas na sua cabeça com a intenção de

desarrumar seu cabelo. Ele também demonstrou a sua agressão. Era seu aniversário nesse dia. Ele escolheu o colega, o mesmo que praticou a ação e outro que não havia participado, mas aceitou fazer a cena. O menino pulou e o agarrou, jogando a tinta em seu cabelo, o outro veio por trás, tirou o chiclete da boca e esfregou no cabelo dele, bem no meio da cabeça. Os três estavam no centro do circulo agarrados, um em cima do outro. Pareciam estarem lutando, nada próximo de uma brincadeira. Todos condenaram a ação dos colegas, chamando de nojenta. Tirar algo da boca e colocar no cabelo do outro.

- “Isso não parecia brincadeira”. Disse uma amiga irritada com a ação.

De imediato, perguntei por que tanta rejeição a atitude do colega? Disseram ser desnecessário o chiclete, pois a tinta podia lavar e chiclete não saia com facilidade. Grudava nos cabelos, na roupa da professora, quando colocado na cadeira e foi o que aconteceu.

No dia seguinte a mãe foi à escola reclamar da violência, pois seu filho teve que raspar o cabelo para tirar a goma colada. E com vergonha não queria ir à escola. Durante o debate, perguntei qual seria a atitude correta da direção? Proibir o chiclete na escola? Acabar de vez com as festas de aniversário? Fazer igual à Universidade, proibir o trote? Qual a diferença entre o trote na Universidade e bullying na escola?

Foram horas de debate, relatos, propostas de solução, até chegamos a um acordo satisfatório a todos. Criamos normas a serem seguidas por todos: a farda não deve ser riscada, pois nem todo ano o governo distribui uniforme, e precisamos guardar a farda com cuidado. Pichar o material do colega nem pensar é caro e os pais não podem comprar outro. Sujar cabelo, roupa, jogar ovos nos olhos, na testa é errado machuca e pode causar acidente. A ideia é presentear o aniversariante com presentes engraçados, divertidos, fazendo uma pegadinha, onde terá que descobrir o que tem dentro da embalagem e se errar pagará uma prenda.

Bom depois de várias representações o debate termina com uma proposta definida por todos. Outra sugestão foi dada por uma aluna, comprar uma cartolina e todos assinarem no fim do ano, colocando uma mensagem, um desenho e depois fazer um quadro e colocar no quarto de lembrança da turma. Um colega acrescentou que colocaria uma foto e a ideia foi comemorada.

Tivemos como resultado algumas práticas entre elas: o teatro jornal, por que a ação partiu da notícia lida, o teatro fórum (pelo debate e o convite à representação, na busca de uma solução), e o teatro legislativo que após o debate foram criadas normas, leis que determinam uma conduta social e educativa para o grupo seguir.

As técnicas do teatro do oprimido se completam se fundem, e formam um caminho para encontrar soluções para conflitos simples, mas que no dia – a – dia e juntos, tomam uma dimensão inesperada. Esse diálogo, esse momento de integração, de repensar, de pensar certo, sobre as ações passadas e presentes, possibilitando planejar as ações futuras, são de fundamental importância para o relacionamento social, para determinar a mudança de conduta e restaurar o comportamento de crianças com TDAH ou até mesmo das crianças ditas normais.