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3 O TEATRO DO OPRIMIDO

3.1 A CATARSE NO TEATRO DO OPRIMIDO

3.2.2 Teatro Imagem

No teatro imagem as encenações baseiam-se em linguagens não verbais, uma alternativa encontrada por Boal para trabalhar com indígenas, no Chile. Que participavam de um programa de alfabetização e precisavam se comunicar entre si.

No teatro Imagem os espectadores intervêm diretamente usando composições corporais com os corpos dos demais participantes. Pede-se a eles que esculpam como escultores um conjunto de estátuas, isto é, imagens formadas com os corpos dos colegas e objetos presentes no local, e apresentem visualmente uma opinião individual ou coletiva, sem falar, de um problema exposto, um conflito ou um tema escolhido.

Naquela época, utilizávamos técnicas muito simples, quase intuitivas. Mas tarde, desenvolvemos outras mais elaboradas e complexas, especialmente no Arco-Íris do Desejo, que trata das opressões interiorizadas. As deste relato, no entanto, são de 1976. A assim chamada imagem de transição tinha por objetivo ajudar os participantes a pensar com imagens, a debater um problema sem o uso da palavra, usando apenas seus próprios corpos (posições corporais, expressões fisionômicas, distâncias e proximidades, etc.) e objetos. (BOAL, 2011, p.5).

A ideia é transformar questões, problemas e sentimentos em imagens concretas. É na leitura corporal que se busca a compreensão dos fatos representados na imagem. Tudo é real enquanto imagem e ao mesmo tempo representa a realidade vivenciada.

Segundo Boal (2011, p. 88) “Um movimento corporal é um pensamento. Um pensamento também se exprime corporalmente. É fácil compreender isso observando os casos mais evidentes: a ideia de comer pode provocar salivação, [...], o amor pode provocar um sorriso, a raiva pode provocar o endurecimento da face etc.”.

As crianças com TDAH apresentam problemas que vão além do âmbito da transmissão de conhecimento. Como podemos transmitir o saber a crianças que se sentem inseguras diante do voltar-se para si mesmas, necessário à busca, à associação, à formação da imagem da palavra a ser lida ou do conflito a ser solucionado? São os sentimentos contraditórios e as inquietações que rapidamente penetram no trabalho reflexivo dessas crianças. Resultam da dificuldade em produzir imagens e em enfrentar opressões. Na verdade elas querem aprender tanto quanto as outras, mas com uma condição: não querem se confrontar com as exigências e pressões do aprendizado. O medo a questionamentos, a exposição pública, afasta de imediato essa criança do convívio coletivo, fazendo surgir ideia de incapacidade e insegurança. Esse medo e preocupação com a identidade costumam reativar uma frustração intensa que traz a agitação, o sono, a apatia, a desatenção, etc.

Para Boimare (201, p.20) “A dificuldade específica em produzir imagens leva essas crianças a não conseguir dispor de representações com qualidade suficiente para alimentar o desenvolvimento do pensamento”.

As imagens fabricadas não são ricas, nem desligadas de emoções o suficiente para poderem servir de suporte para o funcionamento intelectual. (BOIMARE, 2011, p. 20).

Através das Imagens, podemos entender o mundo em suas particularidades e mostrar nosso ponto de vista sobre determinado assunto. As imagens falam o tempo todo, e qualquer leitura que façamos delas pode ser considerada verdadeira, pois projetamos nela nossas vivências, experiências, desejos e frustrações. Por isso Boal diz que as imagens são polissêmicas. Com essa possibilidade de diversas leituras criamos um universo que pode ser questionado, pois a verdade da imagem se torna relativa. Cada um teria sua leitura de mundo, pois ele vai depender de um ponto de vista individual. Mas como não utilizamos a linguagem imagética a nosso favor, acreditamos nas ideias impostas a nós. A leitura da realidade, que seria relativa, se torna única e absoluta a partir dos pensamentos dominantes. O que resta a nós é acreditar. (SANCTUM, 2011, p.87- 88).

Para Boimare (2011, p.19) “Essa parasitação, que embaraça e freia o funcionamento intelectual, constitui a base do bloqueio da capacidade de raciocinar”.

[...] Às vezes as desordens provocadas são até mesmo de ordem instrumental (problemas de memória, atenção, instabilidade, lentidão...) e levam erroneamente a suspeitar da existência de uma causa orgânica para as dificuldades. Ou seja, essa parasitagem encontra-se também na origem de muitos distúrbios de comportamento que emergem de modo específico na sala de aula. (BOIMARE, 2011, p. 19).

Esses conflitos interiorizados atingem as crianças que, em seus primeiros anos de vida, não foram motivadas a expressar em palavras o que sentem, ou a lembrar de sentimentos passados e futuros. A falta de estímulo do ambiente, a falta de iniciação a palavra e a interação com o outro prova o quanto o pensamento precisa da linguagem para se estruturar.

Durante dois anos, trabalhando nessa pesquisa, atuando na escola, visitando as clínicas, acompanhando pais, alunos, vivenciando na sala de aula inúmeros problemas, tentando achar soluções para tantos conflitos, em contato por muito tempo com crianças com TDAH, posso afirmar que a produção de imagens pobre e de risco é de fato responsável pela maior parte das confusões instrumentais.

Se acreditarmos na prioridade de suscitar o interesse e o desejo de saber, talvez tenhamos a lucidez e a sensatez de admitir que a pedagogia já traz em si as duas ferramentas mais eficazes para responder ao desafio do bloqueio do pensamento: a cultura e a linguagem. (BOIMARE, 2011, p.13).

Se a escola souber conduzir a cultura e a linguagem para o centro das aprendizagens, oferecendo meios de se utilizar regularmente delas para interessar e sustentar seus alunos, na busca de novos pontos de apoio que deem significado aos saberes transmitido, então talvez encontre uma escola nova. Nesse caso, entendo que o bloqueio do raciocínio é mais responsável pelo fracasso escolar do que a falta de competências, que podem ao longo do processo, serem adquiridas e transformadas.

Na maioria dos casos, a dificuldade de aprendizagem responde a uma lógica, que nos recusamos a ver e, mais do que isso, nos recusamos a tratar: a lógica do medo de aprender e de sua principal consequência, o bloqueio da capacidade de pensar. Por causa desses dois fatores, as crianças em questão já não dispõem dos meios de se servir normalmente de sua inteligência. (BOIMARE, 2011, p.11).

Em diferentes momentos levamos nossas crianças a criarem imagens de opressões vivenciadas em casa, na sala de aula, na tentativa de purgar esse medo interiorizado, buscando o seu equilíbrio dentro do grupo, de fundamental importância para sua autonomia. Essa dificuldade do mundo interior, de produzir imagens que representam claramente uma opressão, um conflito vivenciado, impede a passagem do perceptivo ao representativo, provocando uma ruptura entre o domínio do código e a conquista do sentido, atrapalhando de modo considerável o processo de leitura. Elas acabam se fechando em seus problemas, bloqueando a capacidade de representar com imagens o que leem.

Os meios usados para encontrar esse equilíbrio precário perturbam e enfraquecem os quatro pilares da aprendizagem. A curiosidade, as estratégias cognitivas, o comportamento e a linguagem tornam-se de utilização limitada. (BOIMARE, 2011, p. 25).

A curiosidade, aos poucos devorada pelos conflitos pessoais, impede o acesso à descoberta de sua identidade (De onde venho? Como fui criado? O que sou?). Esses questionamentos dominam o interesse, constituem um freio considerável para aquisição do simbólico.

Para Boal (2011, p. 233) “[...] Gosto de lembrar a diferença abismal que existe entre as linguagens simbólicas e as sinaléticas. [...] Símbolo é aquilo que está no lugar de outra coisa, como a bandeira no lugar da pátria, [...] Na linguagem sinal ética, significante e significado são indissociáveis”.

No meu livro O arco-íris do desejo, desenvolvo mais extensamente essas técnicas, que se tornaram cada vez mais introspectivas e terapêuticas. [...] Para que se entendam e se possam praticar as técnicas do Teatro Imagem, é necessário ter em mente um dos princípios básicos do Teatro do Oprimido: “A imagem do real é real enquanto imagem”. Quando, usando meus atores e objetos disponíveis, faço uma imagem da minha realidade, essa imagem, em si mesma, é real. Devemos trabalhar com a realidade da imagem, e não com a imagem da realidade – é bom repetir. Uma imagem não requer ser entendida, e sim sentida. (BOAL, 2011, p.233).

Durante toda essa etapa do trabalho, foram escolhidos diferentes temas relacionados aos problemas da escola, da sala de aula e da família. No primeiro momento, os alunos teriam que usar o próprio corpo para apresentar imagens estáticas, sem falar, sobre o tema escolhido. Um após o outro. Depois o participante teria que usar o corpo do colega para criar a imagem. Para dinamizar a ação, sugerimos que todos retornassem a apresentação da mesma imagem, mas agora juntos, e não individualmente.

Os temas foram bem variados desde as brigas que acontecem durante o intervalo, a problemas com escolha do time para jogar pela escola, as confusões na fila do lanche, dos apelidos colocados nos colegas, até mesmo o preconceito dentro da sala de aula, na convivência diária com alunos negros, pobres, ou com TDAH. Muitas vezes percebíamos que a violência não era física, mas moral, levando algumas crianças à depressão.

O teatro imagem é uma ferramenta essencial para envolver o espectador, estimulando sua criatividade, desenvolvendo a sua autonomia, trabalhando o pensamento, possibilitando a criança entender melhor a sua realidade.