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1 DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL

1.2 O HISTÓRICO DA TEMÁTICA AMBIENTAL !

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A partir do instrumental da análise do discurso e dos fundamentos críticos de Friedrich Nietzsche, Michel Foucault e Pierre Bourdieu, aplicou-se a abordagem reflexivista sobre o objeto de pesquisa à luz do debate epistemológico disciplina de relações internacionais segundo Waever (1996). Nesta etapa do artigo, compreendeu-se onde se situava a construção da proposta do desenvolvimento sustentável frente às outras percepções sobreviventes da arena internacional, o ambiente social e contexto internacional em que o discurso foi produzido (FOUCAULT, 1987). Portanto, nesta fase, são analisados os elementos discursivos, que foram cristalizados pelo conceito e encontradas na formulação da estratégia de legitimação do discurso da CMMAD.

Ao final deste trabalho realiza-se uma interpretação dos resultados centrais encontrados, tecendo considerações a respeito da relevância da proposição do conceito. Assim, teríamos através da identificação das principais estratégias discursivas do Relatório a possibilidade de ³sacar´ conclusões sobre a percepção do pressuposto político-filosófico em que se assenta o Desenvolvimento Sustentável, bem como avaliar a herança deixada por este conceito para as formulações de políticas de meio ambiente e desenvolvimento.

1.2 O HISTÓRICO DA TEMÁTICA AMBIENTAL

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2 FRQFHLWR GH GHVHQYROYLPHQWR VXVWHQWiYHO IRL GHILQLGR HP  FRPR ³DTXHOH TXH atende às necessidades do presente sem comprometer a possibilidade de as gerações IXWXUDV DWHQGHUHP VXDV SUySULDV QHFHVVLGDGHV´ &00$'  S  6XD UHSXWDomR política está calcada na conjunção entre o desenvolvimento econômico progressivo, justiça social e o respeito à matriz ecossistêmica ambiental. Esta postura que uniu o Meio Ambiente e o Desenvolvimento coroou o conceito de desenvolvimento sustentável como modelo a ser seguido pelos Estados membros da Organização das Nações Unidas. Atualmente, nenhum estadista que deseja almejar a manutenção ou até o aumento de sua popularidade junto à opinião pública internacional, se colocaria explicitamente contrário aos valores e interesses associados à noção de desenvolvimento sustentável.

Todavia, o debate sobre o Desenvolvimento Sustentável somente torna-se plausível uma vez que os indícios de um possível colapso ambiental se tornam socialmente reconhecidos e internacionalmente compartilhados. Este processo aufere caráter político mundial à medida que os riscos trazidos por estas percepções afetariam a noção de sobrevivência da espécie humana, questionando a organização de produção e consumo.

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Entretanto, para se entender a dinâmica do surgimento da questão ambiental, julga-se necessário a realização de um breve exercício filosófico frente às principais tendências de pensamento surgidas no ocidente que congregam e constituíram aquilo convencionado socialmente como pensamento ambientalista. Daí a necessidade em retornar as bases de seus fundamentos filosóficos, ou melhor, das concepções surgidas desde Grécia Antiga, para compreendermos a temática do ambientalismo.

1.3 A QUESTÃO AMBIENTAL: Percepções Filosóficas, Religiosas e do Senso Comum de origem Ocidental

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A noção de physis3 que fundamentava a interação dos seres vivos fora concebida

pelos sofistas (também considerados como filósofos pré-socráticos). Estes explicavam e compreendiam o mundo através de uma perspectiva macro em que o homem não possuía nenhuma característica excludente para se relacionar com os animais, as plantas e até com os deuses que viviam a sua volta. A partir de Sócrates, essa ideia que reinou durante um vasto período é refutada, e seus seguidores (principalmente Platão e Aristóteles) instituíram uma divisão que permanece hegemônica até hoje: a separação entre o ideal e o real (Gonçalves, 1990). Inicialmente esta divisão foi utilizada pela tradição cristã para afirmar o poder criador de Deus, legitimando assim a separação entre o homem e a natureza4.

Séculos após, Descartes consolida no imaginário social a postura de então tratar a natureza como um objeto passível de ser dominado5. Junto ao estabelecimento da lógica progressista

da ciência moderna, ocorre um distanciamento da noção contemplativa em função da adoção de uma hierarquia que permite ao homem, também amparada em normatizações divinas, utilizar o natural para dominar os recursos, crescer e se multiplicar. Na Bíblia, mais especificamente no livro do Gênesis (que significa criação e começo), podemos identificar que Deus dá ao homem o direito de dominar:

³RV SHL[HV GR PDU H VREUH DV DYHV GR FpX VREUH RV DQLPDis domésticos, sobre os animais selvagens e sobre todos os répteis que se DUUDVWDP VREUH R VROR´ ³(X WH GRX GD WHUUD WRGDV DV SODQWDV TXH SURGX]HP VHPHQWHV H WRGDV DV iUYRUHV TXH GmR IUXWR FRP VHPHQWH´ ³GRXWRGDDHUYDYHUGHFRPRDOLPHQWR´ %tEOLD6DJUDGD/LYURGR*rQHVLV referente ao Primeiro Capítulo os versículos referentes ao sexto dia).

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3 - Dentro desta perspectiva os homens não possuíam nenhuma separação significativamente relevante com a Natureza, ou melhor, os cidadãos se relacionavam com os deuses (Mitologia) que viviam a sua volta e até mesmo com os animais e as plantas. (Gonçalves, 1990).

4 - Deus, como criador da natureza, deixa ao homem a possibilidade de contemplá-la, daí a idéia de arte (artificial) em contraposição ao natural (Junges, 2001).

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Por outro lado, um argumento ocidental parecido passa a ser utilizado para justificar a separação entre os próprios indivíduos e consequentemente a dominação de uns em detrimento de outros, corroborados na aplicação do uso da força, mas fundamentalmente no poder do discurso6. Desta forma, tudo aquilo que é natural (proveniente da natureza)

apresenta-se irracional e aprogressista. Esse pensamento teve seu florescer no século XVII e predomina até hoje. Como pode-se identificar que para o senso-comum as áreas rurais são consideradas as mais atrasadas, um indivíduo sem inteligência é chamado de burro, asno, cavalo, quadrúpede, dentre outros. No entanto, é sobre esta mesma base que este se legitima como dono natural (desde o começo e criação) da natureza. Com os avanços tecnológicos alcançados a partir daí, estabelece-se um ambiente propício ao surgimento do capitalismo industrial. Este sistema de produção, caracterizado pela utilização maciça de recursos, facilitou a banalização dos elementos naturais e deu subsídios para uma maior intervenção humana em seu meio nos dois séculos seguintes do que em toda história da humanidade.

Juntamente com a descoberta das Américas muitos viajantes e intelectuais (que sem dúvida se apresentavam em minoria ao pensamento ocidental) possuíam uma perspectiva GLIHUHQWHSXUDPHQWHERDjVYH]HVLQRFHQWHGDKDUPRQLDGD³6HOYD´HGHVHXVKDELWDQWHV (selvagens). É a partir do século XIX, favorecido pelos estudos da história natural, que o movimento ambientalista começa a indicar seus fundamentos teóricos contemporâneos. Uma vez que o homem também passa a ser tratado como objeto de estudo biológico, sendo assim parte de um todo natural.

Apesar do registro e ocorrência dos primeiros fóruns internacionais tendo como principal tema a proteção do Meio Ambiente serem da década de 19207 é importante frisar

que foi com a Guerra Fria e com a possibilidade de destruição nuclear do mundo que a consciência ambiental de alguns cientistas toma mais força8. Durante as décadas seguintes,

observa-se uma conscientização social crescente sobre os problemas ambientais. Uma ³VLPSOLFLGDGH YROXQWiULD´ DVVXPLGD SRU SDUFHODV GDV VRFLHGDGHV SULQFLSDOPHQWH QRUWH- americana e Europeia abre margem para uma maior consolidação do pensamento ambiental, questionando o consumismo exacerbado. O despertar da consciência ambiental no mundo está ligado ao surgimento dos movimentos de contracultura pós-modernos. O pensamento ambientalista é contemporâneo aos movimentos de independência das ex- colônias Europeias (principalmente África e Ásia), assim como aos movimentos hippie, black

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6 - 1DDQWLJXLGDGHHVWHDUJXPHQWRVXVWHQWDYDDVHSDUDomRGRVHVFUDYRV³VHPDOPD´HGRVSDJmRVpara aqueles fiéis e filhos de Deus. Modernamente este argumento ainda pode ser encontrado na percepção do indivíduo visto FRPR³UHFXUVRKXPDQR´GHPHOKRURXSLRUTXDOLGDGHRXPHVPRFRPRPHPEURGHXP(VWDGR-nação (sujeito de direito totalmente capaz) e um estrangeiro (com direitos parciais). (Gonçalves, 1990).

7 - O primeiro Congresso Internacional de Proteção do Meio Ambiente foi realizado em Paris em 1923. (Coimbra, 2002).

8 - Durante a década de 1950 aumenta-se a frequência de convenções científicas internacionais que abordam o tema ambiental como um problema.

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power, feminista, jovem e de homossexuais. Enquanto nas ciências físicas a teoria da relatividade ganhava força e na política vivia-se a tensão da bipolaridade e de uma possível guerra nuclear, as artes questionavam as formas tradicionais através de exemplos como o surrealismo e a nova canção de contestação latina. De uma forma geral todas estas manifestações possuíam a característica de demonstrar outra visão do status quo.

A rápida popularização do movimento ambiental reflete sua diversidade. Como aponta Castells (2000), D GLYHUVLGDGH GR DPELHQWDOLVPR p WmR JUDQGH ³TXH VH WRUQD SUDWLFDPHQWH impossível considerá-ORXP~QLFRPRYLPHQWR´>HpD@³GLVVRQkQFLDHQWUHWHRULDHSUiWLFDTXH caracteriza o ambientalismo como uma nova forma de movimento social descentralizado, multiforme, orientado à IRUPDomR GH UHGHV H GH DOWR JUDX GH SHQHWUDomR´ &DVWHOOV  p.143)9. A partir desta característica, é possível reconhecer o alto grau de difusão

informacional e expansão da lógica do movimento ambientalista no tecido social. Porém, quanto mais se expande a lógica ambientalista, mais esta se confunde e mescla com outras concepções já existentes. Por não possuir uma delimitação social explícita, o movimento ambiental mostra-se completamente heterogêneo sobre uma causa comum. Talvez seja daí a ocorrência de sua popularização em tão pouco tempo de atividade, ganhando apoio político e atenção de parte da opinião pública global.

Porém, esta heterogeneidade pode ser simplificada, segundo Gonçalves (1990) em duas grandes vertentes (o concervacionismo e o preservacionismo) que realizam um confronto histórico desde o surgimento do movimento ambiental contemporâneo. O preservacionismo durante o despertar ambiental conseguiu maior publicidade defendendo a WHVHGDSUHVHUYDomRSURIXQGDGDQDWXUH]DHGD³GHPRQL]DomR´GRKRPHP(VWDWHQGrQFLD acredita que a natureza é harmônica e o homem é o destruidor dessa harmonia, tendo assim, um caráter biocêntrico. A maioria das áreas protegidas é justificada a luz desta tendência.

Entretanto, com a difusão histórica do tema, a corrente conservacionista ganhou maior força política. Isto deve-se em grande medida à sua postura de não radicalização do pensamento ecológico, ou seja, ela não é totalmente contrária ao que prega a sociedade atual. Assim, ela tenta adaptar±se àquilo anteriormente construído pela sociedade, sendo compatível ao desenvolvimento econômico, ao contrário da corrente preservacionista. A abordagem conservacionista acredita que o ser humano faz parte da natureza.

Apesar da discussão da relação homem-natureza ser milenar, como vimos anteriormente, a emergência do termo "desenvolvimento sustentável" ocorre com o desenrolar do debate ambiental em âmbito multilateral. Desde a formação da ONU, a

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temática ambiental fora adotada como parte da pauta da organização. Iniciada em 194910,

esta logrou poucos avanços palpáveis uma vez comparada ao Tratado Antártico realizado fora do sistema das Nações Unidas. Em 1959, é assinado o tratado Antártico que entra em vigor em 1961. A pressão das superpotências flexibilizou a concepção de soberania e fronteira tradicionais para o alcance de uma resolução. Assim, Chile e Argentina perdem aí direitos soberanos sobre o continente branco em função da nomeação da Antártica como espaço internacional. 3DUD5LEHLURpDSDUWLUGHVWHTXH³XPDPELHQWHQDWXUDOIRLSUHVHUYDGR como resultado de uma reunião internacional. (...) esse documento inaugurou (...) a discussão referente às relações internacionais e ao ambientH QR SHUtRGR GD *XHUUD )ULD´ (RIBEIRO, 2001, p. 55)11.

O debate sobre o conceito de desenvolvimento nos anos 1960, em pleno contexto de luta ideológica (Guerra Fria), e de questionamento da perspectiva linear e etnocêntrica de hierarquizar marcadamente as VRFLHGDGHV HQWUH DWUDVDGDV H³DYDQoDGDV´12 nos ajuda na

compreensão do desenvolvimento sustentável. Por conseguinte, a comunidade internacional reúne-se em Estocolmo (1972) na primeira Conferência das Nações Unidas para debater o Meio Ambiente Humano. ParWLFLSDUDP³SDtVHVyUJmRVJRYHUQDPHQWDLVHRXWUDV organizações intragovernamentais e não-JRYHUQDPHQWDLV´ McCormick, 1992, p.105). É importante ressaltar que neste cenário conviviam posições radicalmente divergentes, sendo uma das principais vertentes do encontro a defendida pelos países desenvolvidos estruturada e publicada pelo Clube de Roma (neomalthusianista)13 pregando a tese do

crescimento zero14. Em contrapartida, liderados por vários países em desenvolvimento,

outra abordagem indicava a inter-relação entre os problemas ambientais e a pobreza (subdesenvolvimento). Dentro da lógica desenvolvimentista, os representantes desta tese se negavam a lidar com a crise ecológica apenas através de parâmetros técnicos, desejando que o viés socioeconômico fosse também incluído, reivindicando o direito de crescer. As EDVHVSDUDXPD³WHUFHLUDYLD´IRUDPDSRQWDGDVGHQWURGD&RQIHUrQFLDXPDYH]TXHQHQKXP consenso mais amplo fora atingido. Pois, para as duas primeiras, a lógica sobre um conceito que englobasse o respeito ao meio ambiente e a necessidade de crescimento pareciam ser

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10 - Conferência das Nações Unidas para Conservação dos Recursos foi realizada nos EUA em 1949. Apesar do não comparecimento da URSS, esta conferência sinalizava como a temática iria ser abordada nas reuniões seguintes, ou melhor sob um viés científico e carregado politicamente pela lógica da Guerra Fria.

11- Compreende-se, que de fato, os processos de negociação sobre questões de cunho essencialmente ambiental interno ao tratado antártico não ocorreram imediatamente na data de sua assinatura, mas ao longo das décadas seguintes, e mais objetivamente a partir da década de 1990.

12 - Daí a utilização de nomenclaturas como: primeiro, segundo e terceiro mundo, o que respectivamente significava os países capitalistas desenvolvidos, os países socialistas e o mundo subdesenvolvido.

13 - A grande publicação da Escola de Roma (em conjunto com MIT e a Associação Potomac) foi do Relatório Meadows (1973) que aborda os limites de crescimento. A principal tese dos Neomalthusianos está ligada ao controle da natalidade para se resolver os problemas de desenvolvimento.

14 - 7DPEpP FRQKHFLGRV FRPR ]HULVWDV HVWHV VH FRQIXQGLDP VHJXQGR 6DFKV H ³ILFDUDP SUHVRV D XPD IDOKD DOWHUQDWLYDFUHVFLPHQWRRXTXDOLGDGHGRDPELHQWH´ 6DFKVS 

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impossíveis. É neste círculo que se estrutura a ideia da construção do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA).

Assim, é com o diretor executivo do PNUMA, Maurice Strong (Secretário Geral da Conferência de Estocolmo), em 1973, que a proposta do ecodesenvolvimento é inicialmente GHIHQGLGD 2 ³HFRGHVHQYROYLPHQWR´ LQVSLUDGR QHVWD DSUHVHQWDomR IRUD VLVWHPDWL]DGR SRU Ignacy Sachs 15. Abordando questões como satisfação das necessidades básicas,

solidariedade entre gerações, preservação dos recursos naturais, segurança social e respeito entre culturas, abre-se espaço para uma discussão que levaria a consolidação de um novo conceito: desenvolvimento sustentável.

Da mesma forma, o PNUMA compromete-se em criar uma Comissão Mundial para analisar as questões referentes ao desenvolvimento e ao meio ambiente. Assim, a CMMAD, criada em 1983, reuniu especialistas de diversos países e publicou em 1987 o relatório com o título ³1RVVR)XWXUR&RPXP´, resultado do apelo da Assembléia Geral das Nações Unidas SDUD TXH VH SUHSDUDVVH ³8PD DJHQGD JOREDO SDUD PXGDQoD´ Pela primeira vez a nomenclatura desenvolvimento sustentável é amplamente utilizada em um texto construído e acordado multilateralmente. Entretanto, antes de direcionar atenção mais detida ao conceito de Desenvolvimento Sustentável dentro deste relatório, julga-se pertinente a delimitação dos pressupostos teórico-metodológicos que guiaram tal análise.

1.4 O REFLEXIVISMO, RELAÇÕES INTERNACIONAIS E O INSTRUMENTAL DA ANÁLISE