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O ideário modernizador do governo Graccho

A preocupação com a educação caracterizou a trajetória política de Graccho Cardoso até o seu governo à frente do Executivo estadual de Sergipe entre 1922 e 1926. Como deputado federal, na primeira década do século XX, a atenção à educação em todos os níveis fazia parte de seus discursos. Em relação ao ensino primário, a defesa da obrigatoriedade era a máxima. Ao lado disso, figurava a defesa da educação popular como base

para a República e a democracia. Essa educação fazia parte das suas propo- sições igualmente como elemento mantenedor da ordem e da prosperidade da pátria. Tais premissas mostraram-se visíveis, também, na sua adminis- tração como presidente do estado, momento em que deixava evidente não apenas por meio de discursos, mas, o que é mais importante, pelas suas ações, uma administração modernizadora.

Por meio de uma política de mudanças, o governante demonstrava a sua crença na implantação do moderno através da sua administração. Essa modernização materializar-se-ia através de reformas nas instituições e ser- viços públicos. A base orientadora das mudanças era a ciência, a raciona- lização e o controle dos processos por especialistas, numa demonstração da influência de ideias positivistas, tão presentes entre os intelectuais e administradores públicos do período.

Spencer de Barros (1967) mostrava que o pensamento positivista, ao pro- porcionar uma visão universal e objetiva do homem e da história, ser- viria admiravelmente aos propósitos dos intelectuais ilustrados do final do século XIX, ajustando-se às condições da época, conseguindo fazer-se consciente e atuante. Nesse sentido, estava-se diante não de “um positi- vismo integral, na sua rígida ortodoxia comtista, mas de um positivismo instrumental” (BARROS, 1967, p.  15-16), ordenado de acordo com as aspirações dos que pretendiam implementar o projeto político e reforma- dor da sociedade por meio da educação, colocando o país em sintonia com a época.

Cruz Costa (1967, p. 276), no mesmo sentido, salientava que o alcance das ideias positivistas foi de grande dimensão na cultura brasileira, demons- trando um sentido maior “do que as aparências revelam”. Segundo o autor, mais do que “um jogo intelectual próprio das elites eruditas”, o pensamento positivista permaneceu como um “pensamento difuso” na vida nacional.

A sociedade brasileira, na transição do século XIX para o XX, foi marcada por características que levaram o país a novas vivências: aumento popu- lacional, economia baseada no trabalho livre, desenvolvimento da vida urbana, melhorias dos serviços nas cidades, mudanças no pensamento cultural, que, de livresco e ornamental, abriu-se ao positivismo, ao cien- tificismo. Assim, foi na República, com a ascensão política de uma classe média, que reformas passaram a ser preocupação política.

No governo Graccho, as reformas abarcavam mudanças em órgãos públi- cos e serviços existentes, bem como a criação de novas instituições conside- radas modelo, a exemplo da penitenciária do Estado. Graccho Cardoso, na gerência do Poder Executivo sergipano, defendia um estado fiscalizador da sociedade e promotor do desenvolvimento. Para tanto, entre outros aspec- tos, advogava em favor de estudos científicos e da fundação de institutos de pesquisa e do financiamento destes, premissa materializada na cons- trução e no funcionamento de instituições como: o Hospital de Cirurgia, o Instituto Parreiras Horta, o Instituto de Química e as Faculdades de Direito, Farmácia e Odontologia.

Característica da modernidade, a preocupação com o método era uma fre- quente no governo de Sergipe entre 1922 e 1926. Essa atenção aos méto- dos científicos de planejamento e saneamento atingia, além de instituições e serviços, os cuidados com o espaço público. As cidades do interior do estado, e principalmente a capital, passaram por processos de higienização através de obras como implantação de sistemas de esgoto, abastecimento de água, calçamento de ruas e fornecimento de energia elétrica. Tais ações foram responsáveis por cerca de 37% dos gastos governamentais no quadriênio, fato que atestava a atenção a um projeto modernizador. Como preocupação moderna, as cidades deveriam ser higienizadas, belas e civilizadas.

Graccho Cardoso atestava como marca de seu governo a defesa de uma cultura democrática, contrária a práticas políticas agressivas, postura que marcava o estado de civilização de um povo, segundo o governante. Membro do Partido Republicano Conservador, com a experiência da par- ticipação no governo Accioly no Ceará e defensor dos princípios favo- ráveis à legalidade das instituições, Maurício Graccho Cardoso era, ao mesmo tempo, conservador e progressista, características que podem ser exemplificadas através dos movimentos tenentistas enfrentados pelo seu governo. Tais movimentos possuíam como objetivo central, nas palavras de seus próprios líderes, o apoio aos tenentes paulistas, e não a oposição ao governo de Sergipe.

As representações sobre modernidade presentes entre os envolvidos na administração Graccho podiam ser percebidas através da crítica do admi- nistrador acerca do que chamava de peso da tradição constante nas prá- ticas dos agricultores sergipanos, marcando os processos econômicos e administrativos pela rotina. Contra essa situação, investia em pesquisas

e na propaganda de seus resultados e punha em prática a promoção da instrução dos lavradores das estações experimentais de algodão.

A busca pela modernização em Sergipe, no entanto, não se configurava marca de pioneirismo da gestão Graccho Cardoso. Havia um processo modernizador em curso quando do início do seu governo, marcado prin- cipalmente pela preocupação com urbanização, escolarização e higieniza- ção, embora em ritmo lento, como demonstravam os resultados da gripe de 1918. Os feitos de administrações anteriores eram reconhecidos direta ou indiretamente pelo próprio governo Graccho Cardoso, a exemplo das intenções reformistas de Manoel Luís à frente da Diretoria da Instrução Pública na década de 1870; das iniciativas higienistas regulamentadas por José Calazans (1893) e Josino Menezes (1905); das melhorias no ensino primário no governo Rodrigues Dória por meio da implantação dos gru- pos escolares (1911) e de propostas administrativas, ainda que não efeti- vadas dos seus antecessores imediatos Siqueira de Menezes (1911-1914), Oliveira Valladão (1914-1918) e Pereira Lobo (1918-1922). O mérito da administração Graccho Cardoso consiste na expansão de tais iniciativas, reconsiderando algumas e propondo e executando novas ações nos mais diversos aspectos da sociedade.

Os feitos da administração Graccho demonstravam profundidade e ampli- tude. Obras de base para a modernização e o desenvolvimento do estado atingiam vários setores da sociedade com o mérito, segundo o administra- dor, de não ter, para tanto, contraído empréstimo ou aumentado impos- tos. Obviamente, contribuíra para tanto o fortalecimento da base material do estado em decorrência do aumento das suas rendas, principalmente devido às exportações em níveis crescentes até o início do ano de 1926. Características como industrialização e mecanização, relação entre pro- gresso e democratização do acesso a bens sociais e políticos por meio de ações orientadas inicialmente por administradores públicos e intelectuais, adoção de traços característicos da sociedade européia, triunfo da razão com a supremacia da racionalização de práticas e processos financeiros e administrativos, respeito às leis, consciência do homem como um cidadão, avanço científico e esperança no progresso marcam um projeto moder- nizador, estando presentes na administração Graccho Cardoso. Ao fun- cionarem como promotoras de mudanças econômicas, políticas e sociais, tais características denunciavam um governo marcado por um ideário modernizador.

Cercado de jovens intelectuais oriundos de classe média, ocupando car- gos de direção nas diversas instituições públicas, Graccho compôs um governo progressista que visou modernizar Sergipe. A crença no progresso e a esperança no futuro baseadas na ciência e na razão materializavam-se em várias regulamentações. As leis apareciam como um meio de organiza- ção da sociedade e dos serviços públicos. Tais normas atingiram também os serviços voltados para a educação escolar em todos os níveis, sendo considerado um importante exemplo a Reforma da Instrução Pública de 1924.

Dentro de um projeto de regulamentação das relações sociais, a escola torna-se igualmente alvo de reformas, o que marca o entrelaçamento dos temas “modernidade”, “educação” e “reforma”. A educação no ide- ário da modernidade tem como marca a mudança em seus métodos de ensino. A preocupação com o “como ensinar” foi o principal sinal das alterações experimentadas pelas escolas na passagem do século XIX para o XX. A partir disso, delineou-se um processo a que denominamos de modernidade pedagógica, baseada, dessa forma, na preocupação com a metodologia de ensino, com atenção ao que convencionalmente tornou-se conhecido, naquele momento, como ensino intuitivo.

A escola no ideário da modernidade do período caracterizava-se pela pre- ocupação com a vigilância dos comportamentos e valores dos alunos em prol da racionalização das atividades cotidianas e da concretização de hábi- tos de civilidade. A modernidade experimentada nas primeiras décadas do século XX era compreendida como um processo civilizador efetivado atra- vés da reprodução do que se vivia em países europeus. Por isso, adminis- tradores públicos buscavam promover mudanças nos comportamentos dos indivíduos veiculadas na escola, por meio de saberes e valores organizados através das disciplinas escolares, estudadas com base no método de ensino intuitivo, considerado higiênico, civilizatório e modernizador. Em outras palavras, buscava-se um reordenamento do social via educação escolar. A educação era ingrediente do projeto moderno e civilizador das elites intelectuais republicanas. Apesar de existente no Brasil desde o fim do século XIX, ganhava força na década de 1920 a ideia de educação como necessidade e caminho para o ingresso do país na modernidade.

A defesa da escola como preparadora para a vida e para o trabalho fazia com que as instituições de ensino fossem consideradas espaços mesmo de reforma social. Era com base nesses princípios que Graccho Cardoso, em

sua plataforma de governo, ao se referir ao ensino primário, acenava para a escola nova, apresentando como objetivos da sua administração: estudo objetivo e experimental para as crianças; atividades escolares ao lado de jogos e exercícios ao ar livre; autogoverno nas escolas; desenvolvimento da vocação dos alunos em ambiente confortável e alegre; ensino para a vida e orientador para a escolha de uma futura profissão.

Na opinião do administrador sergipano, educação não tinha preço, não consistia em simples obrigação administrativa. Dessa forma, ao paranin- far, em 1922, uma turma de engenheiros agrônomos no Rio de Janeiro, afirmava que em matéria de educação deveríamos primar pela qualidade, e não pelo preço a pagar. Articulado à sua fala, o governante, meses depois empossado no cargo de presidente de Sergipe, tratava de contratar pro- fissionais especialistas externos ao estado para a direção de instituições públicas de ensino e de pesquisa, algumas delas criadas a partir de então como: o Instituto de Química e o Instituto Parreiras Horta. Da mesma forma, enviava a São Paulo o professor Abdias Bezerra, diretor da instrução pública, a fim de que estudasse na prática ações educacionais, tendo em vista a execução de uma reforma da instrução sergipana. Provavelmente, o governo Graccho Cardoso considerava ainda a organização do ensino paulista um exemplo de modernidade pedagógica.