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Um olhar sobre a própria administração

Ao mesmo tempo que prestava contas da sua administração à Assembleia Legislativa anualmente, no início dos trabalhos legislativos, Graccho Cardoso analisava o seu próprio governo. Assim, em 1925, declarava:

[...] Não passei semeando esterilidades, adormecendo e immo- lando aspirações, vendo inactivo e inconsciente, coagular-se a seiva circulante nas arterias da vida sergipana. O partidarismo politico retardára de longos annos o surto progressivo da terra que estremecemos coercitando-lhe os impulsos generosos. Querendo arrancal-a ao mussulmanismo que a vinha atro- phiando, bati e trilhei caminhos novos (SERGIPE. Mensagem [...], 1925, p. 132).

Em um breve comentário geral sobre seu governo, ao aproximar-se do fim do mandato, Graccho Cardoso declarava “ter perfeita noção dos serviços modestamente prestados á causa publica e á estabilidade das instituições” (SERGIPE. Mensagem [...], 1926, p.  4). Considerava sua administração operosa e progressista, financeiramente próspera, condizente com o pen- samento do governo de crença no porvir, como se nota em suas palavras:

Como em outras opportunidades temos repetido, não nos ads- tringimos a uma gestão simplesmente burocratica e ramerra- neira. Remodelamos os serviços existentes e creamos outros, que nos pareceram indeclinaveis e palpitantes. Agimos sem- pre sob o impulso de uma irretratavel esperança no futuro! A critica que houver de se exercer sobre este período laborioso da administração publica, não terá de ater-se unicamente os melhoramentos materiaes que realizamos, mas avaliar tam- bem os benefícios resultantes dessa situação, em referencia ao desenvolvimento das forças productoras do Estado e á efficacia dos processos fiscaes postos em pratica com o designio de fazer accrescer as rendas (SERGIPE. Mensagem [...], 1926, p. 86). Ainda sobre a própria administração, afirmava: “[...] O que realizamos não passará, porque tanto pode ser considerado pela sua importância pre- sente, como pelos frutos prosperados de que se venha a carregar ámanhã” (SERGIPE. Mensagem [...], 1925, p. 112). Dizia-se contente com a sua con- dição de operário comum, que, uma vez convencido de seus erros, punha- -se logo em pressa pela sua retificação, segundo Graccho, “certo de que o uso do poder não confere a posse absoluta da verdade, e de que inerrante só houve um, e esse mesmo morreu perdoando áquelles que desdenharam

do que personificava”. Aos que o criticavam de tolerante, rebatia justifi- cando “[...] como se não fosse essa uma qualidade adnata á liberdade e essencial às formulas inviolaveis da democracia”. Afirmava que a sua tole- rância “objectivava a grandeza de um Sergipe maior e melhor, e, por isso, fez da paciencia um escudo inamolgável” (SERGIPE. Mensagem [...], 1925, p.  114). Falando de si para a Assembleia Legislativa na terceira pessoa, declarava o governante:

Deante dos olhos não lhe perpassa sombra de remorso, por- quanto não perseguiu, não espoliou, não fez derramar uma lagrima, de modo que a sua consciencia não acharia por onde pedir-lhe contas do menor excesso. A violencia não sendo do seu feitio moral, como vingaria constituir a indole do seu governo? (SERGIPE. Mensagem [...], 1925, p. 114).

Em ocasião anterior, já se pronunciara em favor de uma política sem pai- xões e em prol do progresso. Assim foi que se posicionou em discursos proferidos na cidade de Estância por conta da sua visita em 1923. Ao se referir à política e às diferenças entre seus membros, afirmava:

Ha, porem, uma politica, repito, no seio da qual todos nos podemos congregar, máo grado os nossos resentimentos pes- soaes e as nossas divergencias de opinião: a do bem commum e a dos melhoramentos geraes. Desse credo todos devemos ser, abertamente religionarios. E’ esta a política que propugno, a politica que vos offereço no aperto de mão que vos trago, no abraço que vos transmitto. [...]. Quando possuirmos ensino profissional efficiente e a alphabetização das creanças for uma realidade, quando os hospitaes não se sentirem baldos de recursos e de médicos, quando a abundancia reinar nos asylos e a alegria e a esperança irradiarem por toda a parte, – reco- nheceremos, então, que só essa política, de que formos autores, deverá prevalecer sobre qualquer outra: a do amor á terra que nos é berço (CARDOSO, 1923, p. 36-37).

Atento e ciente do fato de que a sua administração seria vista e anali- sada pelas gerações futuras, Graccho declarou aos deputados estaduais na Assembleia Legislativa, em 1925:

E, quando o tribunal do futuro for chamado a homolo- gar a justiça com que começamos a ser julgados, dirá, pela voz da posteridade, qual tenha sido a efficacia do impulso que dirigiu a nossa vontade e inspirou o nosso patriotismo,

no intentar, com tão frageis elementos, rasgar para o nosso Estado os immensos horisontes que a Federação lhe descortina (SERGIPE. Mensagem [...], 1925, p. 115).

Sem dúvida, merecem consideração e análise os vários feitos da adminis- tração Graccho Cardoso. Obviamente, devemos ter em mente o caráter de obrigatoriedade do Estado para a promoção do bem da res publica (coisa pública) como base de qualquer governo. Mas, temos de levar em conta o contexto das ações da administração Graccho Cardoso, especialmente para uma melhor compreensão acerca do alcance dessas ações e do lugar específico da educação nesse projeto de governo. Afora o aproveitamento dos resultados do alto índice das exportações em prol da inauguração e melhoria de serviços públicos ocorridas em grande parte do seu governo, o seu quadriênio carregava a marca do contexto oligárquico, evidenciado, por exemplo, pelas suas, ainda que apenas iniciais, relações com o grupo político do general Oliveira Valladão e de seu genro Pereira Lobo. A ope- rosidade do governo foi um fato, apesar também de a administração ter vivido e carregado os efeitos de problemas naturais como as enchentes de rios, que provocaram perdas nas lavouras, e de problemas militares no estado (revoltas tenentistas), desviando a atenção do governo do seu pro- jeto de trabalho em 1924 e 1925.

Os problemas experimentados devem ser levados em consideração na aná- lise dos feitos de qualquer governo, a exemplo do de Graccho Cardoso, e no seu caso específico em grande parte também devido ao fato de que suas ações demonstraram profundidade e amplitude, por levar adiante obras importantes para o desenvolvimento do estado e atingir setores os mais diversos da sociedade. Em uma breve síntese acerca de tais feitos, pode- mos dizer que, no geral, merecem ser citados: a remodelação dos serviços de abastecimento de água; a renovação dos serviços de luz e instituição dos serviços de tração elétrica; a construção da Penitenciária Modelo, do Banco Estadual de Sergipe, do Hospital de Cirurgia, do Instituto Parreiras Horta, do Departamento Estadual do Algodão, do Palácio da Intendência Municipal de Aracaju, do Mercado Público, do Matadouro Modelo; as melhorias efetuadas no Centro Agrícola Epitácio Pessoa; a criação da Inspetoria de Terras, Matas e Estradas; o ensaio da colo- nização estrangeira (alemã); as obras de adaptação no Quartel da Força Militar e as reformas nos prédios da Assembleia Legislativa, do Tribunal da Relação, da Recebedoria Estadual e do Palácio do Governo; a insta- lação de luz elétrica no Centro Agrícola Epitácio Pessoa e nas cidades de

São Cristóvão, Estância, Lagarto, Capela, Nossa Senhora das Dores, São Paulo e Villanova; as obras de calçamento e ajardinamento na capital; a conclusão de estradas de rodagem e a construção de novas; a constru- ção do monumento a Cristo, da estátua do General Valladão e da capela de São Maurício no Batalhão da Polícia Militar; a edição de obras de Tobias Barreto e do Dicionário Biobibliográfico de Armindo Guaraná; o aumento geral de cerca de 40% nos vencimentos dos funcionários públi- cos do estado e as garantias jurídicas asseguradas a eles com a decretação do Estatuto dos Funcionários.

No campo educacional, destacamos a criação do Instituto de Química Arthur Bernardes, do Instituto Profissional Coelho e Campos, do Patronato de Menores, do orfanato para meninas desvalidas; a constru- ção também do novo prédio do Atheneu Pedro II, dos grupos escola- res Manoel Luís, José Augusto Ferraz, Fausto Cardoso, Sílvio Romero, Olympio Campos, Gumercindo Bessa, Vigário Barroso, João Fernandes, Severiano Cardoso e as Escolas Reunidas Esperidião Monteiro; a constru- ção dos novos prédios para os grupos General Siqueira, General Valladão e Coelho e Campos; a compra de casas para melhor alojar as escolas isoladas; a criação da Escola de Comércio Conselheiro Orlando, da Faculdade de Farmácia e Odontologia Annibal Freire, da Faculdade de Direito Tobias Barreto e do curso de artes femininas na Escola Normal.

Graccho Cardoso, avaliando positivamente a sua passagem por quatro anos à frente do Executivo estadual, afirmava que para todos os trabalhos desenvolvidos na sua administração “[...] o Governo que finaliza a sua tarefa não contractou empréstimo nem augmentou impostos” (SERGIPE.

Mensagem [...], 1925, p. 116).

O fato é que visualizamos um governo realizador tanto de grandes quanto de muitas pequenas obras, apesar de quatro interrupções sofridas – duas delas em virtude da ida de Graccho Cardoso ao Rio de Janeiro21 e outras

duas vezes devido aos movimentos tenentistas ocorridos em Aracaju. Além das interrupções, vale ressaltarmos a forte oposição liderada por parte da imprensa ligada ao seu antecessor Pereira Lobo. O certo, conforme afir- mava Wynne (1970, p. 445), “é que muito fez, abrindo uma nova fase,

21 A primeira em novembro de 1925, a fim de tratar de política e obras públicas, e a segunda em julho de 1926, para tratar de negociações para a construção do porto de Aracaju.

realizando obras de vulto e bem oportunas, agindo como pioneiro e sem- pre cercado de bons auxiliares, muitos técnicos de nomeada, médicos, engenheiros, e agrônomos”. Alguns desses técnicos contratados eram de outros estados do Brasil ou mesmo de outros países, como era o caso do norte-americano, professor Thomás R. Day. No campo da educação esco- lar primária, contratações externas não ocorreram, mas o intercâmbio e a apropriação de ideias e práticas se deram mediante o envio, em 1923, do Diretor da Instrução, Abdias Bezerra, para São Paulo, a fim de que este observasse, na prática, o desenvolvimento da instrução naquele estado e, posteriormente, coordenasse o processo de reforma da instrução sergipana. Uma das marcas do governo Graccho foi o seu caráter reformista. Reformas nos vários serviços prestados à população, tanto em Aracaju quanto no interior do estado, são exemplos de testemunhos de uma administração que muito fez pelo desenvolvimento de Sergipe e com atenção evidente aos assuntos educacionais. Podemos dizer, assim, que as mudanças implanta- das pelo governo Graccho Cardoso caminharam em direção a um pro- gresso possível para o estado de Sergipe do início do século XX.

Diante das várias iniciativas governamentais nos assuntos educacionais, destacaram-se a expansão dos grupos escolares pelo estado e a Reforma da Instrução Pública de 1924.

II

PROJETO EDUCACIONAL