• Nenhum resultado encontrado

ORDENAMENTO JURÍDICO NOS GRUPOS ESCOLARES (1924-1930)

A

o analisarmos a Reforma de 1924 como ordenamento jurídico,

procuramos conhecer a organização legal do ensino primário público sergipano a partir do novo regulamento instituído e os problemas enfrentados na sua aplicação, bem como chegar ao conheci- mento da estrutura do ensino nos grupos escolares, considerados insti- tuições modelares para o ensino primário da época e expandidas pelo governo Graccho no interior do estado. Para tanto, mostrou-se também necessário verificarmos alterações provenientes da Reforma de 1924 em relação à última reorganização do ensino em Sergipe, realizada em 1921. O ensino público, a partir de então, deveria ser ministrado em jardins de crianças e escolas maternais para os menores de sete anos. As escolas iso- ladas, as escolas reunidas e os grupos escolares destinavam-se às crianças de ambos os sexos dos sete aos quatorze anos. A partir dessa idade, a juízo do governo, os adolescentes poderiam ser atendidos em escolas de adultos. O ensino primário, a partir da Reforma de 1924, passava a ser dividido em dois níveis: ensino primário elementar e ensino primário superior. Cada um dividia-se em três anos, chamados de graus. Essa organização dife- ria da proposta do ensino paulista, que, a partir da Reforma de 1920, passou a ser organizado em: ensino primário de dois anos, ensino médio de dois anos e ensino complementar de três anos. Além da diferença do período de duração de cada um dos níveis do ensino primário, maior em Sergipe, a diferença alusiva à nova organização do ensino paulista ocorreu

também em relação ao chamado curso complementar. Até então existente em Sergipe, o curso foi extinto pela Reforma de 192431.

Em Sergipe, cada grau do ensino correspondia a um ano, sendo de seis, portanto, o número destes para a instrução primária completa. Apenas o ensino elementar era considerado obrigatório e gratuito. O ensino superior era facultativo e estava submetido a taxas. Em Sergipe, o ensino primário completo contaria com as matérias expressas no Quadro 2.

Os programas do ensino primário em Sergipe, de acordo com a Reforma de 1924, deveriam ser uniformes para todas as escolas, podendo ser intro- duzidas, nas escolas rurais, as modificações exigidas pelas necessidades, condições ou outras circunstâncias locais. Contudo, em nenhum caso dei- xariam de ser incluídas no programa as matérias correspondentes a cada curso (Art. 105 e 106).

Apesar de tal determinação, existiram grupos escolares que sofreram a ausência do programa de ensino. O programa decretado em dezembro de 1924, baseado na reforma de março do mesmo ano, não havia che- gado a todos os grupos escolares do estado, dificultando a sua adequada execução. Caso exemplificador dessa situação ocorreu em 1925 e 1296 no Grupo Escolar Olympio Campos (TV de 25/03/1925 do D.E. Of. de 06/03/1926, do GEOC) e, em 1925, no Grupo Escolar Coelho e Campos (Of. de 5/3/1925, do GECC).

31 Ao julgar necessário dar um maior desenvolvimento ao ensino primário, completando-o por meio de uma classe superior, intermediária entre o ensino ministrado nas escolas primárias e o curso normal, o presidente Oliveira Valladão (1914-1918) criou, em 1916, o curso complementar. O objetivo era receber os alunos que terminassem seus estudos nas escolas isoladas e grupos escolares. Tinha duração de dois anos e era destinado ao preparo de alunos, principalmente, para a Escola Normal. O curso manteve-se em funcionamento na administração do seu sucessor, Pereira Lobo (1918-1922), sendo extinto apenas na regulamentação do ensino instituída no governo Graccho Cardoso. Ver: Decreto n. 630 de 24/04/1916. SERGIPE. Colleção

ENSINO PRIMÁRIO ELEMENTAR

1º Grau 2º Grau 3º Grau

- Português - Aritmética - Geografia - História - Instrução moral e cívica - Urbanidade - Higiene - Lições de coisas - Desenho -Trabalhos manuais - Prendas - Português - Aritmética - Geografia - História - Instrução moral e cívica - Urbanidade - Higiene - Lições de coisas - Desenho -Trabalhos manuais - Prendas - Português - Aritmética - Geografia - História - Instrução moral e cívica - Urbanidade - Higiene - Lições de coisas - Desenho -Trabalhos manuais - Prendas

ENSINO PRIMÁRIO SUPERIOR

4º Grau 5º Grau 6º Grau - Português - Aritmética - Geografia - História - Instrução moral e cívica - Urbanidade - Higiene - Ciências físicas e naturais - Desenho -Trabalhos manuais - Prendas - Português - Aritmética - Geografia - História - Instrução moral e cívica - Urbanidade - Higiene -Economia doméstica - Ciências físicas e naturais - Desenho -Trabalhos manuais - Prendas - Português - Aritmética - Geografia - História do Brasil - História Geral

- Instrução moral e cívica - Urbanidade

- Higiene

-Economia doméstica - Ciências físicas e naturais - Desenho

-Trabalhos manuais - Prendas - Ginástica - Declamação - Música

Quadro 2 – Disciplinas do curso primário a partir de 1924 Fonte: SERGIPE. Colleção de Leis e Decretos [...], de 1924: [...] 1929.

Quadro elaborado pela autora.

O método de ensino deveria ser intuitivo e prático, partindo das realidades concretas até a dedução, comprovação e generalização das ideias abstra- tas. A tarefa que competia ao mestre deveria ser objetivada por um apelo

incessante e direto à espontaneidade intelectual, à atenção, ao raciocínio de compreensão dos alunos, no propósito do adiantamento geral e uni- forme das classes (Art. 107).

Nas localidades onde se verificasse a existência de, no mínimo, 200 matri- culados, poderia a administração pública criar um grupo escolar ou ainda reunir duas ou mais escolas num mesmo edifício, sob a denominação de “escolas reunidas”. Duas foram implantadas em 1924: as Escolas Reunidas Esperidião Monteiro, em Santo Amaro, e as Escolas Reunidas Severiano Cardoso, em Boquim. Esta, no entanto, transformada em grupo escolar em 1926 (Decreto n. 968 de 20 de outubro de 1926).

A criação dos grupos escolares deveria ocorrer, preferencialmente, “nas sédes de municipios cujas Intendencias offerecerem predio adaptado para o seu regular funccionamento, ou contribuirem, quer pecuniariamente, quer em dadiva de terreno ou materiaes, para a construcção do edificio escola” (SERGIPE. Regulamento [...], 1924, p.  49). Não localizamos na documentação analisada, entretanto, nenhuma informação a respeito des- sas contribuições dos governos municipais, cedendo edifícios ou terrenos para construção de grupos.

A depender do número de alunos ou outros motivos, o grupo escolar pode- ria funcionar em dois períodos. Cada classe corresponderia aos graus do curso primário completo e seria regida por professor específico para cada ano do respectivo programa da classe. O cargo de diretor deveria ser de livre nomeação do governo e recair em professor normalista, com vitalicie- dade no ensino primário, ou em outra pessoa mesmo que não diplomada, desde que tivesse aptidão pedagógica comprovada, na prática do ensino ou em trabalhos publicados, de acordo com o Regulamento de 1924.

Dessa forma, profissionais de diversas áreas ocuparam a direção dos gru- pos escolares, inclusive padres. As mulheres, totalidade do corpo docente, também ocuparam a gestão dos trabalhos escolares em alguns grupos, ação incentivada pelo próprio governante do estado na época, devido à experiência das docentes na manutenção da disciplina e da ordem dos trabalhos nas escolas que regiam, pela experiência e estudo apurado das matérias que compunham o ensino primário (SERGIPE. Mensagem [...], 1925, p. 19).

Dessa maneira foi que, por exemplo, o Grupo Fausto Cardoso contou com a professora Octaviana Odília da Silveira como diretora em 1925. Leonor

Telles de Meneses foi a primeira diretora do Grupo Manoel Luís e ocupou o cargo durante toda a administração Graccho Cardoso. O Grupo José Augusto Ferraz teve como primeira diretora a professora Maria Amélia Fontes. No Grupo Gumercindo Bessa, tal cargo foi ocupado por Jardelina Góes Fontes. No Grupo Vigário Barroso, durante o governo Graccho, ocuparam a direção da instituição a professora Balthazarina Góis, e, em seguida, a professora da cadeira do 3º grau, Gúdula de Lourdes Cardoso de Campos Lemos. Após a professora Gúdula, assumiu a direção do Grupo a professora Anna Joelina Cardoso de Campos e Silveira, que, no entanto, deixou a instituição em 14/05/1926, em decorrência de nomeação para o cargo de professora adjunta de Francês da Escola Normal Ruy Barbosa. A direção do Grupo Vigário Barroso passou, a partir de então, para as mãos da professora Mirena Pereira de Moraes. O Grupo José Fernandes de Brito teve, como primeira diretora, a professora Guiomar Tavares. O Grupo Olympio Campos teve, por sua vez, a professora Olga Bispo como diretora nos anos de 1925 e 1926. As Escolas Reunidas Severiano Cardoso (depois transformadas em Grupo) tiveram também mulheres na direção dos seus trabalhos. A primeira delas foi Idalice Carvalho, que deixou o cargo em abril de 1925, por ter sido promovida para o Grupo Escolar General Valladão. Em seu lugar, foi nomeada a professora Alzira Regis32.

A expansão dos grupos escolares no governo Graccho Cardoso foi um fato. Tal ampliação pode ser considerada parte integrante da Reforma de 1924, visto que o funcionamento do ensino organizado em prédios pró- prios e condizentes com as necessidades da instrução encontrava na estru- tura dos grupos um caminho mais efetivo. Ao se referir à reforma, um ano e meio após a sua regulamentação, Graccho Cardoso afirmava que o ensino público entrara em uma fase de evidente renovação dos processos didáticos e melhoria nos trabalhos de inspeção e fiscalização das escolas. Além disso, destacava, entre outros aspectos, a adoção de um programa completo do ensino primário, o provimento competente das cadeiras e o aumento do número de escolas. A relação do êxito da reforma com a

32 Ver: Of. 4/3/25, do GEFC para a DGI; Of. n. 4, 16/3/25, do GEML para a DGI ; Of. 2/3/25, do GEJAF para a DGI; Of. 29/5/25, do GEGB para a DGI; Of. de 7/6/25, do GEVB para a DGI; Of. de 19/5/1926 do GEVB para a DGI; Of. de 24/5/926, do GEVB para a DGI; Of. 02/03/25, do GEJFB para a DGI; Of. de 02/03/1925, do GEOC para a DGI; Of. 02/03/25, do GESR para a DGI; Of. 13/04/25, do GESR para a DGI [Manuscritos – APES – Fundo E1 e Fundo E6].

expansão dos grupos escolares era um fato na análise do presidente do estado, que declarava aos deputados estaduais de Sergipe em 1925:

A fim de corresponder á racionalidade de taes intentos e faci- litar-lhes a realização, o governo mandou construir edificios que servissem a novos grupos escolares, na capital e no interior do Estado, provendo-os do material technico apropriado ao seu regulamentar funccionamento; [...] / [...] prova de cuidado do governo no tocante á aposentação das escolas em prédios apropriados, accordes com as leis da hygiene, no que princi- palmente importa á cubagem do ar indispensável á respiração infantil e á distribuição da luz solar por salões espaçosos, em tudo harmônicos, na proporção rigorosa das dimensões e nos dispositivos guardados acerca do numero de creanças frequen- tes (SERGIPE, Mensagem [...], 1925, p. 13).

Além da relação da expansão dos grupos pelo estado, mostrava-se na fala do administrador uma correspondência atualizada com o que se discutia no período acerca de educação escolar. Discussões acerca da necessidade de prédios próprios para as instituições escolares e da higiene com a qual deveriam ser organizadas remontam ao final do século XIX. A presença dessa orientação no pensamento do governante sergipano mostrava uma circulação de ideias e práticas sobre educação em Sergipe e a assimilação destas pelos administradores públicos.