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O imigrantismo e o não reconhecimento da mão de obra escrava

CAPÍTULO 5 CONSEQUÊNCIAS DA ESCRAVIDÃO: O RACISMO

5.1. O imigrantismo e o não reconhecimento da mão de obra escrava

Segundo Soligo (2001), no final do século XIX, a intensificação e modernização da lavoura cafeeira e a Lei Euzébio de Queiroz, que proibiu o tráfico negreiro, trouxe para os negros escravos e seus descendentes uma consequência que repercute até hoje: a exclusão do mercado de trabalho em um momento essencial de suas vidas, pontuado pelo fim do período de escravidão. De acordo com Hasenbalg (2005, p. 80),

"a falta de preparo para o papel de trabalhadores livres e ao limitado volume de habilidades sociais adquiridas durante a escravidão acrescentou-se a exclusão das oportunidades sociais e econômicas, resultantes da ordem social competitiva emergente".

A liberdade não significou a aceitação da condição de cidadãos; ao contrário, os negros foram considerados incapazes de desenvolver atividades remuneradas nas lavouras por eles formadas. Enquanto mercadoria, tinha o dever de retirar da terra o sustento, o lucro para o senhor; como cidadãos livres, foram considerados incapazes, pois a cor da pele estava associada a adjetivos negativos, embasados por teorias cientificas deste período. "A mudança no status legal de negros e mulatos não se refletiu numa modificação substancial de sua posição social" (HASENBALG, 2005, p.79).

Sem remuneração, sem trabalho, sem casa, sem políticas que acenassem para uma possível reparação pelos anos de escravidão, sendo preterido ao imigrante branco, assim o negro inicia sua vida como liberto em um país que pretende ser capitalista e branco.

A falta de habilidades sociais e as incapacidades associadas ao anterior status do escravo, junto ao afluxo de imigrantes europeus qualificados, excluíram a massa de negros e mulatos do mercado de trabalho capitalista (HASENBALG, 2005, p. 81).

Restou à mulher o trabalho doméstico, onde as atividades executadas se assemelhavam as que faziam na casa dos senhores: trabalho como lavadeira, cozinheira, babá, enfim nada que necessitasse de uma qualificação, além da já obtida durante o regime escravista.

Para o homem, que não se perdeu na amargura e desolação, o trabalho braçal foi o que restou.

[...] o negro vê-se descrito como sendo “bom mesmo” para os trabalhos braçais, para os serviços subalternos, para o trabalho de copa e cozinha, para o samba, para a dança, para o futebol, o boxe, e é, apanhado, de uma maneira ou de outra, por avaliações que o representam como o preguiçoso, indolente, desordeiro, trapaceiro, esbanjador, farrista, desleixado, traiçoeiro (FERNANDES,1965, p. 505).

Ainda sobre a vida do negro pós-abolição numa sociedade de classes, Cunha Jr. (1992) afirma:

Vivemos numa sociedade capitalista, classes sobre classes; somos o último degrau dessas classes, estando com grande parcela dos nossos na faixa dos desempregados ou semiempregados. Portanto não compomos no todo a faixa do operariado ativo economicamente (p. 22).

Ter um emprego fixo que lhes possibilitasse um salário ao final do mês, era uma das maiores aspirações do negro no início do século XX (BERNARDO, 1998). Os negros começavam a participar do mercado de trabalho por volta dos 25-30 anos. Enquanto que os italianos, desde meninos, já conseguiam aprender ofícios que lhes garantia o acesso ao mercado de trabalho.

Enquanto as meninas negras com idade entre 8, 9 anos já eram empregadas domésticas, as meninas descendentes de italiano aprendiam ofícios ou trabalhavam em chapelarias ou oficinas de costura. Os meninos italianos iam direto para as fábricas. Para os meninos negros sobravam poucas alternativas: ser engraxates, jornaleiros, meninos de recado, sempre nas ruas à procura de serviço que lhes rendesse algum dinheiro (BERNARDO, 1998, p. 182).

Desde que aportou no solo brasileiro, subtraído de sua terra natal, expropriado de sua cultura, dignidade, identidade, escravizado, sendo subjugado por teorias científicas que tentavam comprovar a incapacidade, o negro tem enfrentado situações de exclusão, que ao longo dos anos, tem se repetido, de uma forma ou de outra.

Em pesquisa realizada em 2001, “O preconceito racial no Brasil: análise a partir de adjetivos e contextos”, Soligo apresentou que, ainda no século XXI, o negro é adjetivado da mesma forma que no século XVIII e XIX; concluiu que a superação é a característica fundamental do segmento negro.

Com base na suposta “inferioridade” do negro, atrelada aos seus dotes físicos acima dos intelectuais, e ao reconhecimento da discriminação como prática social corrente, o negro tem que, a cada dia, ir além de suas possibilidades, tentar ultrapassar o branco, numa corrida de recursos tão desiguais (SOLIGO, 2001, p.175).

Ainda segundo Soligo (2001), no novo século, preconceitos não foram superados; ainda há hostilidades, pautadas na crença da superioridade racial. E finaliza, afirmando que, no Brasil,

[...] apesar dos esforços dos movimentos de consciência negra, na denúncia e luta pela superação do preconceito racial, o negro continua invisível exatamente naquelas atividades que a sociedade capitalista valoriza: o trabalho qualificado, o saber, o poder. A ele se reserva um espaço na constituição da chamada cultura brasileira, representado pelo samba, pelo esporte e pela culinária, e somente neste espaço ele é reconhecido (2001, p. 175).

A pesquisadora Caroline Felipe Jango Feitosa, em 2012, realizou uma pesquisa com crianças dos anos iniciais do Ensino Fundamental com o objetivo de identificar e analisar as representações sociais que a criança negra constrói acerca do ambiente escolar, a fim de compreender como se dá a integração da mesma nesta instituição.

Concluiu que o direito de acesso e permanência da criança negra não se dá da mesma forma que para as crianças brancas:

Este direito está sendo ferido quando constatadamente a criança negra vivencia um espaço que a discrimina por sua condição étnico-racial e esta discriminação têm consequências negativas diretas sobre a construção de sua identidade, de sua autoestima, de sua inserção na escola e de sua representação acerca do espaço escolar. (FEITOSA,2012, p.220)

A criança negra na escola vivencia os mesmos adjetivos negativos e pejorativos que são atribuídos aos negros desde o início da colonização,

“Apelidos e xingamentos de cunho racista são partes integrantes do cotidiano da criança negra na escola, ou seja, sua integração neste ambiente se dá mediante os conflitos raciais que as inferiorizam e humilham constantemente, de maneira explícita e, muitas vezes, com anuência ou silenciamento dos profissionais da educação”. (FEITOSA, 2012, p.220)

Percebe-se que, embora tenha decorrido séculos, a imagem estereotipada do negro continua a ser perpetuada tanto no imaginário das pessoas (SOLIGO, 2001) quanto na instituição escola (FEITOSA, 2012).