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CAPÍTULO 3 – O ESCRAVISMO NO BRASIL

3.6. O Movimento Negro ou Resistência Negra

A historiografia oficial silencia sobre os movimentos de revolta dos negros contra todo um sistema de opressão vivido desde a época da colonização.

A imagem que se pretende oficializar é de um povo que se deixou escravizar, que aceitou com naturalidade a imposição do cativeiro e todo o sofrimento que isto acarretou.

Acreditar na passividade do negro diante da escravidão interfere diretamente na construção da autoestima e da identidade tanto de negros quanto de brancos.

As rebeliões e fugas quando relatadas vêm acompanhadas por um extenso relato da ação vitoriosa dos que conseguiam frustrar estas tentativas. Os castigos aplicados, aliados a uma humilhação, tinham a intenção de disciplinar o indivíduo e os demais também. Quando a figura do caçador vem adjetivada pela cor, sendo um mulato ou negro, existe então uma conotação em divulgar a ideia de que o próprio negro rejeita a atitude de rebelião e revolta de outro negro.

Munanga e Gomes (2004) consideram um equívoco histórico a crença na passividade do negro, na indolência, preguiça e conformismo diante da escravidão. E destacam alguns fatores que contribuíram para a persistência deste equívoco:

– O racismo que existe em nossa sociedade que produz e dissemina uma visão negativa sobre o negro. Através de piadas racistas, na associação entre negro e criminalidade, negro e pobreza, negro e sujeira;

– Existe um desconhecimento por parte da sociedade, inclusive dos intelectuais, sobre os processos de luta e organização dos escravizados e dos seus descendentes durante o

regime escravista. Muitos acreditam que o longo período que durou a escravidão deve ser também creditado à passividade do negro;

– A falta da divulgação e pesquisas que recontam a história do negro como sujeito ativo;

– A crença de que no Brasil não existe racismo, que a convivência harmoniosa entre os diferentes segmentos étnicos existentes deve-se a forma mais branda de exploração, comparadas as situações vividas em outros países onde havia segregação.

É necessário considerar o contexto social que viviam os escravizados e libertos, as possibilidades existentes na sociedade dos homens livres que não previa nenhum tipo de integração ou inserção social deste grupo naquela sociedade. Portanto, todos os esforços no sentido de uma luta por liberdade representam um sentimento de coragem e indignação diante da escravidão e não apatia ou passividade.

A este processo de luta e organização negra existente na época da escravidão, Munanga e Gomes (2004) chamam de resistência negra. A insubmissão às regras do trabalho, as revoltas, fugas, assassinatos dos senhores e de suas famílias, abortos, quilombos, organizações religiosas podem ser consideradas formas de resistência utilizadas pelos negros na sua luta contra o regime servil.

Estas formas de resistência mostram que, apesar de toda a humilhação que significou o regime escravo, havia ainda uma dignidade naqueles homens e mulheres que viveram uma situação que lhes foi imposta, e isto faz toda a diferença na forma de ver o resultado de todo este processo na vida dos ex-escravizados e seus descendentes. A história da resistência e fuga para os quilombos é a que ganha maior destaque.

A palavra kilombo é originária da língua banto umbundo, falada pelo povo ovimbundo, que se refere a um tipo de instituição sociopolítica militar conhecida na África central, mais especificamente na área formada pela atual República Democrática do Congo e Angola. (MUNANGA e GOMES, 2004, p. 71)

Na África, a palavra quilombo refere-se a uma associação de homens, aberta a todos. No quilombo os homens eram submetidos a ritual de iniciação para se tornarem guerreiros, homens invulneráveis às armas inimigas.

Os quilombos africanos e brasileiros possuíam semelhanças, podendo ser considerados inspiração para uma oposição à estrutura escravocrata, para implementar outra

Os quilombos existiram onde havia a escravidão dos africanos e de seus descendentes. Nas Américas, houve grupos semelhantes, porém com nomes diferentes, de acordo com a região em se encontravam: cimarrónes, em países de colonização espanhola; palenques em Cuba e Colômbia; cumbes na Venezuela; e marrons na Jamaica, nas Guianas e nos Estados Unidos.

Inúmeros quilombos foram construídos no século XIX, principalmente nas décadas finais do período escravista. Os habitantes eram chamados de quilombolas, mocambeiros ou calhambolas. Foram perseguidos pelos senhores e pelo aparato militar colonial e onde quer que estivessem. Os quilombos que mais resistiram foram os que se localizaram nas áreas mais isoladas e os que mantiveram aliança com os índios, brancos pobres e demais grupos da população.

Quilombo não era somente um local para refúgio de escravos fugidos, tratava-se de uma reunião fraterna e livre, com laços de solidariedade e convivência resultante do esforço de negros escravizados em resgatar sua liberdade e dignidade por meio da fuga do cativeiro e da organização de uma sociedade livre (MUNANGA e GOMES, 2004, p.72),

Quilombo dos Palmares, localizado em Alagoas, no alto de uma serra, chamada de Serra da Barriga, local rico em vegetação e alimento, chamado pelos moradores de Angola Janga, que significa na língua quibundo, “Angola Pequena”, foi considerado o maior em extensão e em importância. Palmares não era apenas um, mas uma série de doze ou mais quilombos, organizados em reino, no fim do século XVII. Calcula-se que havia entre 20 a 30 mil pessoas.

Cercado por armadilhas, fossos, muralhas de estacas e protegidos por contracercas, só era possível chegar ao seu interior através dos portões voltados para os pontos cardeais.

O grande chefe tinha que respeitar a opinião do Conselho, que era formado pelos líderes de cada aldeia e respectivos cabos de guerra. Os líderes das aldeias eram eleitos pelos moradores. Os ministros e cabos de guerra eram nomeados pelo chefe, após ouvir o Conselho.

Cultivavam o milho, mandioca, feijão, batata-doce, cana-de-açúcar, banana e legumes diversos. Do fruto da pindoba extraíam óleo para a iluminação. Também possuíam oficinas, forjas e olarias que produziam utensílios de metal, cerâmica e madeira. A terra era de propriedade coletiva e os trabalhadores tinham direito a uma parte do que produziam.

A sociedade era dividida de acordo com o trabalho. Havia os agricultores, os artesãos, os guerreiros e os funcionários. Estes se dividiam em administrativos, que cuidavam dos

impostos, os judiciários que aplicavam as leis e puniam os delitos e os militares que treinavam as tropas.

Para agregar os negros de diversas culturas, o português era o idioma mais comum em Palmares.

A sociedade e a economia do quilombo dos Palmares representavam uma ameaça ao governo colonial, devido à posse coletiva da terra e a liberdade que o local inspirava nos seus moradores e nos que ainda não haviam conseguido a liberdade.

O quilombo dos Palmares durou um século onde enfrentou a paz e a guerra. Foram 27 guerras contra os portugueses e holandeses, que por longo tempo invadiram o território do Pernambuco.

Este relato da história não aparece nos livros didáticos. Aos alunos só é ensinada, de forma resumida, a história da resistência dos negros em Palmares, omitindo-se fatos que demonstram o espírito lutador e a capacidade de organização e convivência com liberdade dos negros e seus descendentes. Ensinar que os alunos negros são descendente de um povo guerreiro, que não deixou de lutar contra um regime de escravidão, apesar de toda a dureza da escravidão, faz toda a diferença na formação da identidade dos alunos.