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C APÍTULO II O D IRECTOR DE T URMA E A A RTICULAÇÃO

2. Articulação ou Desarticulação na Escola?

2.1. O individualismo e isolamento entre os docentes

Como referimos, a maioria dos autores reconhece a predominância do

individualismo e do isolamento entre os docentes. Se atendermos às mudanças que se

vêm a operar no ensino, elas também passam pela forma como os professores organizam e elaboram o seu trabalho. No entanto, alguns autores afirmam que esta cultura, largamente marcada pelo trabalho individual dos professores, prevalece ainda, apesar dos múltiplos esforços no sentido de a transformar.

Para a eficácia e desenvolvimento da escola, bem como para o desenvolvimento profissional dos docentes, as escolas devem assumir um sentido de missão, segundo defende Hargreaves (1998). Este autor refere que “as missões desfazem as incertezas

do ensino” (1998:183), que podem conduzir a sentimentos de culpa, pondo em causa os

objectivos comuns dos professores. Se houver uma construção de finalidades comuns e sendo todos os docentes da opinião que essas finalidades podem ser atingidas, estão a contribuir para a eficácia dos mesmos no sentido de melhorarem o sucesso dos alunos. É essencial que haja empenho, motivação, confiança e trabalho para, deste modo, se conseguir o aperfeiçoamento. No entanto, existem sempre aqueles que questionam, que não concordam e que duvidam. Na perspectiva do autor já citado, trata-se de heresia, isto é, não aceitar uma determinada ideia.

A heresia pode menosprezar a seriedade, a credibilidade pessoal que põem nas ideias. Citando Hargreaves, “os heréticos não são simplesmente discordantes ou

desagradáveis: são também pessoalmente defeituosos” (1998: 183). Estas pessoas

distinguem-se dos outros pelas características/qualidades ou defeitos que apresentam, nomeadamente a maldade.

Sendo a cultura do individualismo apontada como uma das mais proeminentes

"heresias da mudança educativa" (Hargreaves, 1998), deve-se evitar, segundo o mesmo

autor, “a insensatez de presumir que todo o individualismo dos professores é perverso" e que a colaboração e colegialidade são a “panaceia” para todos os males do ensino.

A cultura do individualismo docente é um fenómeno social e cultural bastante complexo por possuir múltiplos significados, não obrigatoriamente negativos.

Neto-Mendes (1999) faz referência a dois contributos: o político e o psico- sociológico. Numa perspectiva política, o individualismo pode até ser confundido com neo-liberalismo por apelar ao desenvolvimento da iniciativa privada e que implica uma redução do poder do Estado. Do ponto de vista psico-sociológico, a cultura do individualismo pode ser considerada como forma de não aceitar qualquer compromisso com o meio social em que está inserido. E a tendência é “refugiar-se” nos comportamentos individuais, dando espaço ao egoísmo, impedindo que o altruísmo vigore.

O individualismo docente surge, assim, associado ao facto que os professores planificam e leccionam isoladamente. Dito de outra forma, cada professor, por si só, selecciona, define e organizar a sua actividade.

Numa perspectiva organizacional, esta atitude pode constituir um factor inibidor do desenvolvimento profissional dos docentes e, consequentemente, impedir a implementação da inovação, da mudança educativa. O individualismo constitui uma ameaça e até mesmo uma barreira ao desenvolvimento profissional, à mudança e ao desenvolvimento de objectivos educativos partilhados.

O individualismo dos professores (Hargreaves, 1998: 185) surge associado a três rótulos que se aproximam em termos de significado:

ƒ individualismo docente “teacher individualism”

ƒ isolamento docente – “teacher isolation”

Apesar das semelhanças, as diferenças também prevalecem, já que o isolamento dos professores nem sempre é sinónimo de individualismo, como teremos oportunidade de constatar posteriormente.

São múltiplos os sentidos associados ao conceito de individualismo, mas Hargreaves (1998), nos seus estudos, apresenta com frequência dois tipos de explicação para os factores que fomentam o individualismo. Tradicionalmente, este conceito está associado a ansiedade e à necessidade de autodefesa, em virtude dos insucessos inerentes à profissão dos docentes que advêm da incerteza do seu trabalho. Numa outra perspectiva, o individualismo não se encontra relacionado com fraqueza pessoal, mas antes como uma consequência das condições reais de trabalho que diariamente enfrentam e vivem.

Um outro autor, David Hargreaves (cf. 1982), numa investigação, vem reforçar a ideia de que o individualismo está associado a uma patologia, ou seja, a uma deficiência que tem infectado a cultura docente.

Hargreaves (1998) suportando-se de um estudo realizado por Rosenholzt, nos EUA, refere que os professores estão pouco receptivos à ideia de partilha, de ajuda e quando esses momentos ocorrem, não vão além da partilha de materiais. O mesmo se verifica ao nível da planificação e da resolução de problemas. Os professores continuam a não privilegiar o espírito de abertura com os colegas, por exemplo, no que ao tratamento de questões disciplinares diz respeito.

Não obstante o ponto de vista apresentado, sendo ou não característica das suas personalidades, ao que parece, os professores continuam a manifestar interesse e preferência pela concretização das suas funções isoladamente, por uma questão de comodidade, de receio de se exporem aos colegas, ou porque é mais confortável estar perante um público mais jovem, que são os alunos, dentro da sala de aula. A reiterar esta posição, recorremos a uma citação de Pereira:

“também não se pode negar que a insegurança e os comportamentos defensivos, bem como o medo de serem observados e avaliados possa levar a muitos professores a permanecerem em segurança nas suas salas de aula” (2002: 24).

Por outro lado, o individualismo pode operar-se como uma condição do local de trabalho. Neste contexto, o individualismo é encarado como uma economia racional de esforço e uma organização de prioridades com o intuito de satisfazer as necessidades de um determinado ambiente de trabalho marcado pela pressão e constrangimento.

Alguns autores referem que a questão do isolamento físico dos professores emana de outros aspectos que não a do local e das condições de trabalho. Temos como referência Flinders (1988, cit. Por Hargreaves, 1998), que apresenta outros pontos de vista do individualismo docente, e que se tocam com as posições apresentadas por Hargreaves:

ƒ o individualismo enquanto estado psicológico e que tem a ver com as características psicológicas do professor;

ƒ o individualismo como condição ecológica – as escolas podem propiciar o isolamento físico dos professores;

ƒ o individualismo como estratégia adaptativa.

O mesmo autor advoga a última perspectiva, já que, em muitas situações, os professores “recorrem” ao isolamento para rentabilizarem recursos ocupacionais escassos:

“O isolamento é uma estratégia adaptativa porque protege o tempo e a energia que são requeridos para satisfazer exigências imediatas ligadas à instrução” (Flinders, (1988) cit. por Hargreaves, 1998: 191).

A ser assim, o isolamento pode ser considerado como uma auto-imposição por parte dos docentes para, desta forma, dar cumprimento mais eficazmente às actividades e funções inerentes à acção educativa. Neste sentido, o individualismo surge como uma estratégia sensata de adaptação ao local de trabalho e à rentabilização de tempo.

No entanto, um outro tipo de condições é apresentado por MacTaggart (1989), podendo exercer alguma influência no facto de o individualismo persistir na carreira docente. A partir de um projecto realizado na área da educação estética que foi pensado para promover a colaboração entre professores, o autor constatou que a ausência de incentivos à colaboração radicavam num sistema cujos princípios tinham uma base de racionalidade burocrática (cf. Pereira, 2003). Deste estudo conclui-se que a estandardização dos currículos e dos manuais escolares contribuiu para o desincentivo ao trabalho em conjunto entre os docentes, já que controlava e limitava o papel do professor ao nível da gestão do currículo das diferentes disciplinas.

No entender de Hargreaves (1998), o individualismo e o isolamento têm consequências negativas e que devem ser eliminadas, contudo não são questionados: “o

problema e não uma possibilidade; algo que deve ser removido e não respeitado” (1998:

192).

Se partirmos do pressuposto que o individualismo resulta de condicionalismos e constrangimentos organizacionais complexos, é a esse nível que se deve actuar para combater esta forma de estar no mundo educativo.

Embora o mesmo autor defenda que o individualismo na classe dos professores esteja relacionado com práticas pouco enriquecedoras ou fracas, com deficiências dos professores e atitudes que necessitam ser mudadas, este redefine as suas causas baseado num estudo sobre o tempo de preparação, e apresenta três factores gerais do individualismo:

ƒ o individualismo constrangido, que ocorre quando os professores realizam o seu

trabalho sozinhos (ensinam e planificam) por uma questão de constrangimentos administrativos, impedindo o desenvolvimento de culturas colaborativas. Destacam-se os estilos de administração não envolventes; estruturas escolares cujas características arquitectónicas são do tipo celular; escassez e baixa qualidades dos espaços físicos para desenvolver o trabalho colaborativo; as escolas encontram-se com excesso de pessoas e por conseguinte existe a dificuldade de organizar horários que promovam o trabalho em conjunto;

ƒ o individualismo estratégico, em que o professor é da opinião que este tipo de

trabalho representa num investimento mais eficaz quer de tempo quer de energias. Existe um conjunto de factores que levam os docentes a defenderem esta ideia, nomeadamente a sua dedicação profissional, as crescentes pressões e expectativas da comunidade face à escola que levam a que a acção do professor se centre mais ao nível micro do que no trabalho colaborativo.

ƒ o individualismo electivo verifica-se quando o professor opta conscientemente

pelo trabalho individual, pois ele prefere estar e actuar desta forma. Hargreaves (1998) destaca três aspectos: a atenção pessoal, a individualidade e a solidão. Refere-se, ainda, ao individualismo como atenção pessoal, apresentando noções

que “se aproximam da atenção, do sentimento de propriedade possessivo e protector”

(Pereira, 2003: 26). Neste sentido, existem aspectos que estão relacionados com o individualismo, como a preocupação pessoal com os seus alunos, o sentimento de propriedade e de controlo.

Ao abordar os termos individualismo e individualidade, Hargreaves distingue-os, indicando que o primeiro faz referência à anarquia e atomização social, enquanto o segundo traduz independência e realização pessoal.

O mesmo autor, ao aludir ao individualismo e à solidão, distingue solidão de isolamento. O último termo é encarado como um estado conotado de forma negativa e é permanente. A solidão, por sua vez, é um estado temporário que favorece a reflexão pessoal. A ser assim, pode ser vista como uma qualidade.

A título de conclusão, embora o individualismo apresente uma conotação negativa, não devendo, por isso, persistir no modo como os docentes exercem as suas funções, ele resulta também de uma opção livre por parte do professor. Por outro lado, existem características positivas e que são reconhecidas pelos docentes, nomeadamente a atenção pessoal, a individualidade e a solidão, devendo ser respeitadas quando se pretende introduzir mudanças nas formas como os professores trabalham.