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C APÍTULO I C URRÍCULO , D ESENVOLVIMENTO E G ESTÃO

NÍVEIS E CAMPOS DE DECISÃO CURRICULAR Central Institucional (escola)

4. A Interdisciplinaridade no currículo

4.2. Porquê uma escola interdisciplinar

A emergência deste paradigma curricular advém de factores históricos, filosóficos, sócio-políticos e ideológicos, para além de razões pedagógicas.

Historicamente falando, a época em que vivemos hoje é predominantemente informatizada e, como outrora afirmava o filósofo grego, Heráclito, citado por Andrade,

“no mundo tudo flui, tudo se transforma, pois a essência da vida é a mutabilidade, e não a permanência”. Portanto, a escola do passado, que servia um determinado público, não

atende mais às necessidades sentidas nos nossos dias.

Se partimos da concepção de que a interdisciplinaridade se refere a uma nova concepção de ensino e de currículo, baseada na interdependência entre os diversos ramos do conhecimento, a instituição escolar terá de reformular o modelo multidisciplinar e o currículo, assim como os professores terão de repensar as suas práticas, isto é, organizar o processo de ensino/aprendizagem com base na partilha, no diálogo e na troca de experiências.

Trabalhar a interdisciplinaridade não significa negar as especificidades de cada ciência. Bem pelo contrário, ela pretende romper com a oposição da concepção de que o conhecimento se processa em campos fechados, como se se tratassem de pequenos sub-mundos diferentes dentro de um grande mundo. A interdisciplinaridade tem que respeitar cada espaço/campo do conhecimento, assim como salientar os pontos que os unem e que os distinguem.

As aprendizagens que constam do currículo podem assumir campos diferentes, sendo eles “ (…) sociais, conceptuais, técnicos, etc.” (Roldão, 1999 a: 45), podendo organizar-se de múltiplas formas: por campos de saber científico, ou por afinidades, entre outras.

Roldão (1999a) refere que, no modelo de escola das sociedades ocidentais, a matriz curricular foi transposta das disciplinas científicas e, lentamente, foram introduzidos novos campos do saber. Daí resultou a organização dos saberes científicos por disciplinas, espaços e tempos separados.

Na perspectiva da mesma autora, falar de disciplinas e interdisciplinaridade no

currículo não é sinónimo de falar de disciplinas e interdisciplinaridade no ramo científico.

Epistemologicamente, a interdisciplinaridade pressupõe:

“trabalho científico conjunto e integrado de cientistas de vários domínios ou especialistas no estudo de um campo ou objecto comum, no estabelecimento das relações e interdependências das suas diversas análises” (Roldão, 1999 a: 46-47).

Por sua vez, ao nível curricular, as disciplinas são elementos que constituem uma organização, que dizem respeito a saberes, ao tempo, espaço e ao modo de trabalho. São áreas que funcionam separadamente.

A interdisciplinaridade curricular tem como objectivo criar espaços de trabalho colaborativo e articulado para, desta forma, atingir os fins educativos.

Segundo a mesma autora, a escola tem oferecido alguma resistência porque está organizada e pensada de um modo diferente.

Como já referimos anteriormente, a interdisciplinaridade não é um assunto recente. Surge como oposição ao saber alienado, como um símbolo do retorno do humano no mundo. O que existe, de facto, é uma grande dificuldade em concretizar isso na prática.

Implementar uma cultura interdisciplinar é organizar as disciplinas e todos os campos curriculares de uma outra forma, baseada na concretização de trabalho colaborativo ao nível das diferentes disciplinas e entre si (interdisciplinar). Só assim se poderá pôr fim à política fragmentária e compartimentada instituída, impedindo a formação de cidadãos para a sociedade do conhecimento em que se vive actualmente.

Vive-se a era da tecnologia e da informática e cada vez mais a sociedade exige das escolas. Logo, as escolas devem reorganizar o processo de ensino-aprendizagem de um outro modo, no sentido de dar resposta, da melhor forma possível, a essas expectativas, a essas exigências sociais.

Pombo abordou também este tema, afirmando que é possível reconhecer “a

emergência nos dias de hoje de um apelo interdisciplinar o qual pode, porventura ser interpretado como a manifestação contemporânea do velho ideal de unidade do conhecimento (…)” (1993: 2).

De acordo com a autora, a questão da interdisciplinaridade parece ser utilizada como sendo a solução ideal para algo que não está a resultar da melhor forma possível. Apesar disso, é necessário estar consciente das dificuldades da implementação desse paradigma. Para Pombo, a interdisciplinaridade continua

“a parecer como uma das aspirações mais fundamentais do trabalho científico, proveniente do desejo de alargar o conhecimento do Mundo e de aprofundar a compreensão do papel da Ciência na vida dos homens” (1993: 3).

Pombo (1993) apresenta cinco argumentos para justificar a necessidade do modelo interdisciplinar para o futuro do conhecimento. Um deles refere-se ao nível metafísico, porque o aprofundamento da investigação científica conduz à descoberta das “relações

invisíveis que ligam grupos de fenómenos aparentemente desligados” e à necessidade

de ultrapassar as fronteiras que existem entre as disciplinas.

O apelo à interdisciplinaridade, ao nível transcendental, deve-se ao facto de a razão humana estar baseada no princípio de coerência e unidade. Apesar das linguagens distintas que cada disciplina utiliza, dos métodos de investigação e de pesquisa, assim como estilos divergentes, existe um ponto de contacto que é a unidade do conhecimento.

O terceiro nível apresenta um carácter antropológico que tem por base a natureza comunicativa da razão humana. É através deste nível que se ultrapassam as barreiras linguísticas que predominam entre as várias ciências e as várias línguas.

O como fazer pode representar um problema para a implementação do modelo interdisciplinar. O essencial é haver comunicação, um acordo entre os indivíduos com vista à coordenação das suas razões, pensamentos e acções.

Existem ainda as razões relacionadas com a cultura e a história, que assumem alguma importância e que, por um lado, se relacionam com a paralisação da cultura, sendo com base nestas razões que Pombo caracteriza a nossa época de post-

modernidade.

Na perspectiva da mesma autora, surgem, por outro lado, os problemas complexos da actualidade que se prendem com questões ambientais, sociais, psicológicas, tecnológicas, entre outros.

No que ao factor histórico diz respeito, este associa-se à era da electrónica (já referido ao longo deste capítulo). Com efeito, a crescente velocidade da informação e a

forma como é processada exigem do homem um nível de aprendizagem para que a possa utilizar nos mais variados contextos.

Face ao exposto, a prática interdisciplinar constitui um factor decisivo de suma importância para que a escola, enquanto instituição escolar transmissora de saberes, resista e sobreviva. E ela deve ser o meio de promover o desenvolvimento de atitudes, hábitos e formas de trabalho entre as diferentes áreas disciplinares.

Para que seja possível aplicar este novo modelo, na perspectiva de Pombo, com a qual nos identificamos, é primordial e indispensável reflectir sobre o papel específico da escola.

Por outras palavras, trata-se de repensar as suas funções, sem com isso sofrer prejuízo algum em termos de identidade, e por outro lado, encontrar formas para atender os desafios que são característicos da época em que vivemos, nomeadamente a reorganização curricular e as metodologias de trabalho na escola.

Deve haver, ainda, um grande comprometimento do professor com o seu trabalho baseado nas experiências e vivências que são próprias desta profissão. Os professores precisam de reunir, discutir conteúdos, trabalhos e formas de avaliar em função de vários items. Para isso, os departamentos de cada área disciplinar devem apoiar e fomentar a comunicação entre todos os professores.

A título de conclusão, segundo Fazenda (2001), quando se trabalha com um projecto interdisciplinar, “não se ensina e muito menos se vive, deve-se exercê-la”. A ser assim, a interdisciplinaridade tem na sua origem a motivação e características de atitude e ousadia de promover a mudança ao nível do comportamento ou de ideologia, sem que, por um lado, a Escola sofra alguma perda em termos de identidade e, por outro, seja capaz de dar resposta aos desafios constantes do mundo actual e do futuro.