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2 APORTES TEÓRICOS

2.4 O INSTRUMENTO DE ANÁLISE DAS ATIVIDADES

Adotamos o losango didático (The didactical rhombus) proposto por Méheut e Psillos como referencial de análise das atividades de ensino. (17) Para as autoras, o processo de elaboração de sequências de ensino-aprendizagem, que no presente trabalho figura-se nos moldes de atividades de ensino pautadas na abordagem HI, deve contemplar dois eixos didáticos: o eixo epistêmico que liga o conhecimento científico ao mundo material e o eixo pedagógico que relaciona as ações do professor com as dos alunos.

A parceria entre pesquisadora e professores compreende uma dinâmica própria de construção e implementação dos roteiros reelaborados e, consequentemente, da atividade HI. Nesse sentido, o losango didático se mostrou um bom instrumento de análise para explicitar as relações entre alunos, professor, o mundo material e o conhecimento científico. Ou seja, para discutir os processos que ocorrem entre professor e aluno, na dimensão pedagógica, e elaboração e validação do conhecimento científico perante o mundo material, na dimensão

epistêmica, analisamos a dinâmica da sala de aula e as ações realizadas por professores e alunos durante a implementação da atividade HI. Assim, pelos eixos didáticos do losango, conseguimos responder às questões de pesquisa propostas.

O losango didático de Méheut e Psillos (17) é formado pelas dimensões epistêmicas e pedagógicas (figura 2):

Figura 2 – “Losango Didático”. Fonte: MÉHEUT & PSILLOS (17)

Segundo Méheut e Psillos

Ao longo do eixo epistêmico, por exemplo, encontramos os pressupostos sobre os métodos científicos, os processos de elaboração e validação dos conhecimentos científicos que fundamentam a concepção da sequência. Ao longo do eixo pedagógico, encontramos opções sobre o papel do professor, tipos de interação entre professor e alunos e, próximo ao vértice dos alunos, as interações entre os alunos. Ao longo do lado ‘Aluno-Mundo Material’ colocamos as concepções de fenômenos físicos, com formas espontâneas mais gerais de raciocínio mais próximas do vértice ‘Alunos’. As atitudes dos alunos em relação ao conhecimento científico serão colocadas ao longo do lado ‘Aluno-Conhecimento Científico’. (17, p.518)

A dimensão epistêmica se refere aos processos de elaboração, os métodos utilizados e a validação do conhecimento científico com relação ao mundo real, destacando-se a discussão do conteúdo científico a ser desenvolvido. (17,104) Já a dimensão pedagógica leva em conta

os aspectos relacionados a interações entre professor-aluno e aluno-aluno, em que o “[...] modelo se concentra sobre os alunos e sobre o papel do professor como um facilitador de atividades estudantis”. (17, p. 519) Ainda de acordo com as autoras a abordagem “construtivista integrada” é a evolução da integração dessas duas dimensões: a epistêmica classificada como “construtivismo epistêmico” e a pedagógica, classificada como “construtivismo psicológico”. Portanto a junção das duas dimensões enfatiza os aspectos do conteúdo a ser ensinado e sua gênese histórica, a motivação e significância do conhecimento a serem ensinadas, as características de cognição dos alunos e a dimensão didática relativa à instituição de ensino. (17)

Nos inspiramos em Colombo Junior (120) ao utilizar o losango didático na análise de dados, buscando evidências que demonstrem a eficácia dos roteiros reelaborados e das atividades a partir da abordagem histórico investigativa e o favorecimento das dimensões epistêmica e pedagógica pelas atividades desenvolvidas em sala de aula. Discutimos os processos que ocorrem entre professor-aluno (dimensão pedagógica) e os processos de elaboração, compreensão e validação dos conhecimentos científicos no processo de implementação da atividade HI (dimensão epistêmica).

Assim, na dimensão pedagógica, exploramos a exposição e discussão das ideias dos alunos em relação à atividade, em busca de indicadores que demonstram a ocorrência de compartilhamento de ideias e promoção da comunicação entre os alunos e entre professor- alunos. Buscamos identificar aspectos e abordagens que suportam a construção do conhecimento científico pelo uso dos kits experimentais de Física do CDCC e do roteiro reelaborado para auxiliar no processo de aprendizagem. Já na dimensão epistêmica, analisamos nas atividades desenvolvidas, a aproximação entre o conhecimento científico e o mundo material, a identificação das dificuldades na aprendizagem, a discussão sobre o conhecimento historicamente construído e como este influencia na compreensão do tema abordado pelos alunos. Dessa forma exploramos a relação entre o trabalho do professor perante a atividade e os conteúdos e a resolução dos problemas propostos que envolvem a participação investigativa dos alunos. Esses aspectos levantados, tanto na dimensão pedagógica quanto epistêmicas, se concretizam nas nossas questões de pesquisa analisadas (pontuadas na seção 3.2).

Essas análises buscaram responder a algumas questões de pesquisa, como por exemplo, se a problematização criada engaja os alunos no processo de investigação, se o texto

histórico favorece o momento de investigação científica dos alunos, os papéis desempenhados pelo texto histórico, como os novos roteiros podem ser utilizados, como os professores avaliam a atividade HI e quais os obstáculos que o professor enfrentou ao implementar a abordagem HI em sala de aula.

Além dos pontos citados da dimensão epistêmica e pedagógica que buscam interpretar os vértices do losango didático, para responder às nossas questões de pesquisa utilizamos também a noção de práticas epistêmicas.

As relações entre professor, aluno, conhecimento científico e mundo material também podem ser analisadas através das ações realizadas durante a atividade HI. (115) Essas ações podem se manifestar através das práticas epistêmicas. (105-110) Para compreendermos, por outro aspecto, sobre os desafios e possibilidades de implementar a abordagem HI em atividades experimentais de física, buscamos compreender como as práticas epistêmicas relacionadas à produção e comunicação do conhecimento são contempladas em atividades HI.

Sandoval e Reiser (112), Jiménez-Aleixandre e Reigosa (113) e Sasseron e Duschl (114) consideram que aprender ciências envolve uma aprendizagem epistêmica, pois envolve a produção e avaliação dos conceitos científicos desenvolvidos pelos alunos dentro de uma sala de aula.

Várias pesquisas relacionadas às práticas epistêmicas têm sido desenvolvidas recentemente e um dos focos em que o interesse cresceu é verificar como elas estão incorporadas no discurso científico dos alunos quando estes desenvolvem atividades investigativas. (105-110) A análise desses trabalhos atenta para o processo de construção e validação do conhecimento científico, evidenciando como os alunos propõem respostas às questões, constroem e justificam argumentos, interpretam dados e validam o conhecimento produzido, ou seja, como é o processo em que os alunos através do discurso, produzem e validam o conhecimento das investigações realizadas. (111)

Os autores Kelly & Duschl (105-106) realizam estudos para compreender as formas como o conhecimento é construído e avaliado dentro de uma comunidade em particular. Kelly (106) afirma que “uma comunidade justifica seu conhecimento através de práticas sociais. As práticas sociais são constituídas por um conjunto padronizado de ações, tipicamente elaboradas por membros de um grupo com base em propósitos e expectativas comuns, com valores, ferramentas e significados culturais compartilhados. Quando tais padrões dizem

respeito ao conhecimento, eles podem ser chamados de epistêmicos”. (106, p. 99) Dessa forma Kelly (106) define práticas epistêmicas como as “formas específicas pelas quais os membros de uma comunidade propõem, justificam, avaliam e legitimam as reivindicações de conhecimento dentro de uma estrutura disciplinar”. (106, p. 99)

A partir dessa definição, os autores alegam ser importante o estudo das práticas epistêmicas na ciência, uma vez que estão associadas às formas como proposições, argumentos, diálogos, avaliação e legitimação de ideias são realizados pelos alunos. (105- 106)

Entendemos que atividades pautadas no ensino investigativo favorecem o aparecimento das práticas epistêmicas, uma vez que os estudantes interagem com o professor e com seus pares em um processo que envolve a negociação de valores e conhecimento tanto prévios quanto adquiridos em sala de aula na busca de uma solução para um determinado problema. As ações envolvidas nesse processo, como discutir e comunicar o conhecimento, são epistêmicas. Portanto, a aprendizagem de ciência envolve também uma aprendizagem epistêmica. (105,108,110,114)

Além das ações falar e ouvir, a aprendizagem do aluno depende também de ações como escrever. O estudo da escrita na ciência é igualmente importante como afirmam os autores Kelly e Duschl. (105) Em suas pesquisas, os alunos, ao utilizar a escrita par redigir relatórios mostraram observações, inferências e os conceitos de ciências que detêm sobre determinado assunto. Por meio da escrita os alunos apresentaram o que desenvolveram em atividades realizadas, reflexões sobre a atividade, a compreensão sobre o tema abordado, o uso da evidência e como seus conhecimentos prévios influenciavam nas respostas das questões investigadas. (105)

Portanto, a escrita e o discurso dos alunos podem fornecer dados valiosos sobre como as práticas epistêmicas formam o conhecimento e entendimento da ciência. No caso específico desta pesquisa, a escrita pode mostrar como os alunos selecionam dados, empregam os dados obtidos, relacionam evidências com explicações, atribuem informações para uma evidência, relacionam dados com o texto histórico, desenvolvem modelos e explicações, concluem sobre o problema proposto, entre outros.

Para identificar as práticas epistêmicas ocorridas durante a atividade HI, investigamos o discurso dos alunos no processo investigativo durante as aulas, buscando as falas em que os

alunos produzem, comunicam, avaliam e validam o conhecimento científico. No processo do ensino investigativo, os alunos hipotetizam e discutem respostas ao problema, elaboram e realizam experimentos, geram e interpretam dados e chegam a conclusões. Tais eventos que envolvem aspectos epistêmicos conduzindo os alunos ao próprio desenvolvimento e compreensão do conhecimento científico.

Para mapear as práticas epistêmicas desenvolvidas e realizadas pelos alunos e professor durante a atividade HI, adaptamos um sistema de práticas já propostas na literatura (108-109,116) para qualificar as práticas epistêmicas no contexto escolar de acordo com esta pesquisa. A tabela 2 exibe as práticas sociais relacionadas ao conhecimento e as práticas epistêmicas específicas que utilizamos na análise a partir das aplicações dos roteiros e da atividade HI em sala de aula:

Tabela 2 – As práticas epistêmicas realizadas durante a atividade

Prática Epistêmica

Prática social relacionada ao saber

Práticasepistêmicas específicas

PE1 Produção do conhecimento Discutir, construir argumentos, formular explicações e perguntas, realizar previsões, elaborar textos, imagens,

tabelas, desenhos e /ou gráficos. PE2 Apropriação e comunicação

do conhecimento

Avaliar argumentos, relacionar informações, exemplificar, generalizar, interpretar textos, imagens, tabelas, desenhos e /ou gráficos, descrever e apresentar ideias e explicações. PE3 Análise do conhecimento Avaliar/interpretar uma afirmação, evidência, explicação ou

modelo científico, complementando/contrapondo ideias, criticando declarações.

PE4 Planejar investigações científicas e realizar testes experimentais para responder

questões

Discutir variáveis relevantes, elaborar e executar desenhos experimentais, coletar dados, observar e escrever (narrativas

e cálculos).

PE5 Instrução do conhecimento Contextualizar a atividade, guiar a observação e a execução de desenhos experimentais, relacionar a atividade com

outros fenômenos. PE6 Organização do

conhecimento

Mediar discussões, organizar as ideias dos alunos, resgatar o conhecimento prévio, esclarecer dúvidas, estimular a

reflexão, relacionar a atividade com outros tópicos. PE7 Síntese e avaliação do

conhecimento

Reconhecer e nomear conceitos científicos, verificar ações, o aprendizado e interpretações dos estudantes frente ao

conhecimento científico, compartilhar informações. Fonte: Elaborada pela autora.

A primeira coluna desta tabela exibe a abreviação das práticas epistêmicas (PE) e uma numeração relacionada à categoria que representa, por exemplo, a abreviação PE1 está relacionada a prática social produção do conhecimento que corresponde a prática epistêmica

específica referente a discussão, construção de argumentos e explicações, e etc. Elaboramos essas abreviações para ficar mais simples ao discuti-las na análise dos resultados. As práticas PE1, PE2, PE3 e PE4 são as práticas realizadas pelos alunos durante a atividade HI. Já as práticas PE5, PE6 e PE7 são as realizadas pelo professor ao longo da atividade.

A distinção dessas práticas, como mostrada na tabela acima, está presente em alguns trabalhos sobre ensino investigativo. No caso desta pesquisa, a adaptamos para a situação no qual envolve a abordagem histórico-investigativa. Nesse sentido, a distinção entre as práticas não existe, pois ao mesmo tempo em que os alunos estão lançando hipóteses, eles argumentam, retomam o texto histórico para discutir com os colegas, refletem, comunicam suas descobertas e chegam a uma conclusão. Os alunos estão produzindo o conhecimento, comunicando, avaliando e planejando investigações científicas, ou seja, algumas das práticas relacionadas aos alunos (PE1, PE2, PE3 e PE4) ocorrem simultaneamente e se sobrepõem. Da mesma forma, a distinção entre as práticas relacionadas ao professor (PE4, PE5 e PE6) também não ocorre. No momento em que o professor guia e orienta os alunos, ele media discussões, avalia e verifica o aprendizado. Apresentamos dessa maneira apenas para dialogar com a literatura.

As práticas epistêmicas envolvidas na produção, apropriação, comunicação e análise do conhecimento (PE1, PE2, PE3) correspondem a momentos da atividade os quais os alunos dialogam de forma a articular seus saberes com o conhecimento científico. Isso se materializa por ações tais como discutir, construir argumentos, formular explicações e perguntas, realizar previsões, elaborar textos, imagens, tabelas, desenhos e/ou gráficos, avaliar argumentos, relacionar informações, interpretar textos, imagens, tabelas, desenhos e/ou gráficos, avaliar/interpretar uma afirmação, evidência, explicação ou modelo científico, descrever e apresentar as ideias e explicações, complementar/contrapor ideias, criticar declarações. Os conhecimentos prévios dos alunos podem manifestar-se nesse momento.

A prática epistêmica relacionada a planejar uma investigação científica e realizar experimentos (PE4) corresponde a momentos em que os alunos articulam seus saberes com o mundo material. Nessa ocasião o aluno também comunica seu conhecimento, pois está discutindo com seus colegas e professor sobre o planejamento e teste de um procedimento experimental. Com isso, há a aproximação do mundo material com o conhecimento científico, visto que o aluno utiliza os conceitos e concepções discutidas na produção e comunicação do conhecimento, por exemplo, (PE1, PE2) para planejar o experimento. Nesse sentido, os

alunos discutem as variáveis relevantes, como elaborar e executar desenhos experimentais, coletar dados, observar e escrever.

A instrução do conhecimento (PE5) está relacionada com o professor articular seu conhecimento com o mundo material, de forma a contextualizar a atividade, guiar a observação, orientar a execução de desenhos experimentais, relacionar a atividade com outros fenômenos para os alunos.

A organização, síntese e avaliação do conhecimento (PE6 e PE7) estão relacionadas com o professor articular seu conhecimento com o conhecimento científico, de modo a mediar as discussões realizadas, organizar as ideias dos alunos, resgatar o conhecimento prévio dos alunos, esclarecer dúvidas, estimular a reflexão, relacionar a atividade com outros tópicos, reconhecer e nomear conceitos, verificar ações, o aprendizado e interpretações dos estudantes, e compartilhar informações.

Visto que o ensino investigativo promove a participação ativa do aluno para resolver um problema, as práticas epistêmicas (tabela 2), ações realizadas na interação entre professor e aluno e que estão relacionadas ao conhecimento científico e mundo material, podem ser alocadas no losango didático da seguinte forma:

Figura 3 – Losango Didático com as práticas epistêmicas alocadas. Fonte: Elaborada pela autora.

Esta análise foi possível visto que o losango didático aponta as relações entre professor, aluno, mundo material e conhecimento científico de forma que, durante a atividade, professores e alunos produzem, comunicam e avaliam o conhecimento. Assim, conseguimos analisar as ações, que no caso são as práticas epistêmicas, realizadas por eles nesse processo.

Além disso, como Méheut & Psillos (17) não apresentam em seus trabalhos aspectos operacionais de como o losango didático pode ser interpretado, as práticas epistêmicas adaptadas são uma forma e contribuição de operacionalizar o uso do losango didático a partir das práticas epistêmicas.

Além da comunicação oral entre professor e alunos durante a atividade, analisamos também os relatórios escolares desenvolvidos pelos alunos. Essa análise buscou encontrar também as práticas epistêmicas, porém em forma de textos, evidenciando descrição, explicação, generalização, definição, exemplificação, construção de narrativas e cálculos por parte dos alunos, entre outras. (109) Nesse sentido, as práticas referentes ao professor não foram analisadas nos relatórios dos alunos.

Dessa forma, por meio das análises das práticas epistêmicas buscamos entender como a implementação da atividade histórico-investigativa em sala de aula auxiliou no engajamento dos alunos no processo de investigação, favoreceu discussões ao utilizar o texto histórico, ajudou no planejamento e testes dos experimentos, no aprendizado e no entendimento de conhecimentos científicos pelos alunos através da interação entre professor-alunos.