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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.4. O interesse público e a reforma do Estado

O termo “público” tem sido objeto de amplas discussões, especialmente quando se trata da definição sobre o papel do Estado e suas relações com a sociedade civil. Deve-se considerar que “os diferentes conceitos de público” envolvem questões de poder, de legitimidade, de valores” (KEINERT, 2000, p.62).

Keinert (2000) trata dos vários sentidos em que o termo “público” vem sendo utilizado para ampliar sua análise e conclui dizendo que se no plano teórico o estatal é sempre público, nem sempre a prática o confirma. Afirma que “no mundo contemporâneo, o público foi conceitualmente separado do privado, embora ocorram freqüentemente tentativas de apropriação privada do Estado por parte de grupos de interesses” (KEINERT, 2000, p.67).

Por essa razão, defende em sua abordagem o deslocamento do “público” de um espaço institucional restrito e delimitado - que seria o Estado - para o conceito em que “o espaço público é mais amplo que o Estatal” ... permitindo “entender que sua construção depende de ações cotidianas dos indivíduos, grupos, partidos, sindicatos, associações e, até mesmo, empresas” (KEINERT, 2000, p.67).

Em conseqüência, “a ampliação do conceito de público exige novos formatos organizacionais que garantam efetivamente a publicização do modus operandi do Estado” ... e para assegurar que “o público precisa tornar-se um valor

compartilhado, mais do que uma localização institucional” (KEINERT, 2000, p.92).

A reforma do Estado, experimentada em várias partes do mundo sob diversas formas, do mesmo modo, vem se tornando foco de inúmeros estudos e, também no Brasil, vem ganhando força nas últimas décadas. Esta reforma envolve problemas de várias ordens.

Como é assinalado por Pereira (1998), a crise do endividamento internacional ocorrida na década de 80, colocou em pauta a necessidade do ajuste fiscal, enquanto nos anos 90 o foco se deslocou para a reforma administrativa.

Questionando a idéia do Estado mínimo, é importante lembrar que “se o fator básico subjacente à crise econômica é a crise do Estado ... a solução não é provocar o definhamento do Estado, mas reconstruí-lo, reformulá-lo” (PEREIRA, 1998, p.23).

Abordando as transformações ocorridas na relação entre o Estado e a sociedade, Pereira (1998) menciona a preocupação em se proteger o indivíduo contra um Estado oligárquico ocorrida no século XVIII – quando se definiram os direitos civis – e a de se proteger os pobres e fracos contra os ricos e poderosos que marcou o século XIX, trazendo para primeiro plano a questão dos direitos sociais. Mas ressalta que, somente na segunda metade do século XX a importância de também se proteger o patrimônio público passou a ser dominante.

Pereira (1998) destaca o avanço que significou a administração burocrática introduzida no século XIX, em substituição ao caráter patrimonialista dos governos das sociedades pré-capitalistas, onde não havia distinção clara entre res publica e bens privados. Mas chama a atenção para o fato de que a ampliação do papel social e econômico do Estado tornou o controle hierárquico e formalista dos procedimentos, típico da administração burocrática, inadequado.

Mesmo em países desenvolvidos a res publica não estava protegida e surgiram novas modalidades de apropriação privada do patrimônio público. Nos países ainda em desenvolvimento, a situação torna-se mais grave, pois “o excedente da economia foi dividido entre os capitalistas e os burocratas, que, além dos mecanismos de mercado, usaram o controle político do Estado para enriquecimento próprio” (PEREIRA, 1998, p.27). Em contraponto à administração pública burocrática e em resposta à crise do Estado é que surgiu a administração pública gerencial.

Analisando as principais diferenças entre administração pública burocrática e a gerencial, Pereira (1998) afirma que a primeira é auto-referente, concentra-se no processo e na definição de controles, além de não definir objetivos claros e não possuir indicadores de desempenho. No caso da administração pública gerencial, diz que ela é orientada para o cidadão e para os resultados, baseia-se na descentralização e no incentivo à criatividade e à inovação, pressupõe confiança

limitada nos políticos e funcionários públicos e utiliza o contrato de gestão como instrumento de controle dos gestores públicos.

Com relação à reforma da administração pública, não se pode desconsiderar que: ”Os reformadores pressionam para que se façam reformas ambiciosas e muitas vezes precipitadas” (KETTL, 1998, p.78). Este autor entende que as diversas abordagens que têm sido adotadas em vários países alcançaram parte dos propósitos pretendidos de fazer o setor público funcionar melhor e custar menos, mas entende também que as medidas que vêm sendo adotadas têm seus limites.

Em sua análise, Kettl(1998) coloca em discussão dois grandes dilemas para a execução das reformas. O primeiro está relacionado à questão de como garantir a criação de um Estado mais barato e mais eficiente quando é difícil conciliar os interesses políticos, de curto prazo, e metas de longo prazo; o segundo se refere à própria definição em torno do papel do Estado. Cita a experiência de vários países, apontando como principais mecanismos utilizados nas reformas realizadas:

- Limitação das dimensões do setor público; - Privatização;

- Comercialização ou corporatização de órgãos públicos; - Descentralização para governos sub nacionais;

- Desconcentração no governo central; - Uso de mecanismos típicos de mercado;

- Novas atribuições nos órgãos da administração central; - Outras iniciativas de reestruturação ou racionalização,

para afirmar que, apesar de seus êxitos, os limites destas abordagens estão se tornando mais visíveis e que todo reformador, em algum momento do processo, deve responder à questão fundamental de quais são as funções essenciais e irredutíveis do Estado.

Após enfocar as experiências executadas e em andamento por todo o mundo, Kettl (1998) lista uma série do que chama de conflitos estratégicos, apontando as

diferenças entre as administrações tradicionais e os modelos recentes, conforme apresentado na figura 2.19.

Administração tradicional Administração recente

Ênfase reformas baseadas na reestruturação organizacional reformas buscando modificar procedimentos responsabilização

(accountability)

sistema baseado na autoridade mecanismos baseados no mercado

resultado final julgamento de administradores com base no processo (segundo a lei)

julgamento da eficiência no desempenho

funcionários

públicos base para a execução das tarefas do Estado tarefas podem ser executadas fora da administração pública papel dos cidadãos vistos como clientes, passivos vistos como consumidores, conscientes de

seus direitos

núcleo do Estado serviços públicos como atribuição exclusiva do Estado sem limites muito claros

Figura 2.19. Diferenças entre administração tradicional e a recente (KETTL, 1998, p.85-86)

Nestas transformações, “o interesse pelo usuário dos serviços leva os administradores a se preocuparem em oferecer serviços e não gerir programas; em atender ao cidadão e não às necessidades da burocracia” (KETTL, 1998, p.81). Infelizmente, considerando-se que nas propostas de mudanças administrativas não têm sido incluídas medidas para sua aferição, “é ainda difícil avaliar os resultados ou prescrever as reformas que levarão aos melhores resultados” (KETTL, 1998, p.86),

Kettl (1998) chama também a atenção para a necessidade de ser oferecida aos cidadãos-consumidores informação suficiente para que estes possam fazer suas escolhas e também da adoção de mecanismos para avaliar os resultados – que sirvam de orientação às decisões político-administrativas. Esta avaliação do desempenho dos serviços públicos, segundo ele, depende dos gestores setoriais e envolvem questões relacionadas a:

Missão: que nasce da própria democracia: dos setores que definem as políticas de governo e das leis que as estabelecem;

Metas: originam-se do que determina a lei e de como os formuladores de política as interpretam;

Objetivos: transpostos das grandes metas das agências de serviço público para os gestores de programas;

Aferição de

produção: dependente da definição de indicadores específicos para se aferir a atividade e o volume de serviços produzidos; Aferição de

resultados:

demonstrará a eficácia do programa a partir da comparação dos resultados com as metas previstas.

Indispensável se faz distinguir entre a medição dos resultados e da produção e também considerar o dilema que isto representa: a avaliação de resultados indica se determinado programa está resolvendo o problema para o qual foi estabelecido, mas não reflete “a interconexão entre as várias peças dos complexos sistemas políticos” (KETTL,1998, p.90).

Os programas dependem de uma cadeia de implementação e, usualmente, o administrador público não tem o controle direto sobre os resultados e, assim, “nada mais fácil para todos os envolvidos do que acusar o outro, sempre que surgirem problemas” (KETTL,1998, p.91). Por outro lado, “um sistema estreito de avaliação de produção, que se limite a contar atividades, é apenas um pouco melhor que um sistema baseado no controle de investimentos, que se dedique a gastar dinheiro e consumir papel” (KETTL, 1998, p.90). Desse modo, as avaliações de desempenho devem, portanto, abranger os dois planos:

avaliação da produção: para estabelecer o comportamento de administradores e gestores

avaliação dos resultados: para permitir a elaboração de políticas consistentes

Considerando como objetivo básico da administração por desempenho “avaliar a eficiência do administrador quando converte objetivos políticos em resultados práticos” (KETTL, 1998, p.93), são levantados os problemas decorrentes da definição de objetivos vagos, metas variadas e até conflitantes entre si como forma de intervir seletivamente no processo administrativo, preservar interesses e apresentar resultados.

Para Kettl (1998), a questão mais importante e que está subjacente a qualquer tipo de reforma de Estado pretendida se relaciona à busca de meios que assegurem a res publica, o uso do Estado para promover o interesse público. Este é um problema que perpassa as diversas formas de atendimento à população, desde a tradicional, feita pelos órgãos da administração direta às mais inovadoras que se

apresentam como panacéia e apenas têm contribuído para a decadência do serviço público.