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2. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.3. O problema de agency e os conflitos de interesse

Em sociedades anônimas, o controle da empresa, em última instância, pertence aos acionistas, mas há que se considerar o papel do agente, ao qual é delegado o poder de administrá-la e de tomar decisões.

Ross (2000) define como relações de agency àquelas existentes entre acionistas e administradores, a partir da contratação por alguém (principal) de outra pessoa (agente) para cuidar de seus interesses. Nessa relação sempre existe a possibilidade de haver conflitos de interesses entre o principal e o agente.

Embora os administradores financeiros concordem teoricamente com o objetivo da maximização da riqueza do proprietário, na prática, estes agentes “também estão preocupados com sua riqueza pessoal, sua segurança no emprego, estilo de vida e outras vantagens” (GITMAN, 1997, p.19). Ao desenvolver o tópico sobre “Agency: um problema a ser resolvido”, este autor elenca como fatores que contribuem para a solução do conflito de interesses as forças de mercado e os custos de agency.

Como forças de mercado, Gitman (1997) exemplifica a participação mais ativa dos participantes do mercado, em especial os grandes investidores institucionais (fundos mútuos, companhias de seguros de vida e fundos de pensão). Afirma que nos últimos anos esses acionistas têm usado seus votos para demitir ou pressionar administradores com fraco desempenho, buscando assegurar agentes que efetivamente cuidem dos interesses dos acionistas.

A outra força de mercado mencionada e que, segundo este autor, tem compelido a administração a melhorar seu desempenho para atender os acionistas, é a possibilidade de aquisição hostil, que seria a aquisição da empresa por outra, sem a anuência da administração.

Quanto aos custos de agency, Gitman(1997) os classifica em quatro tipos:

• Despesas de monitoramento (auditorias e medidas de controle);

• Despesas em cobertura de seguro (assegurando o ressarcimento de perdas decorrentes de atitudes desonestas do administrador);

• Custos de oportunidade (devidos à inabilidade da administração para aproveitar oportunidades lucrativas);

• Despesas de estruturação (necessidade de dar incentivos aos

administradores, para que atuem em prol dos interesses dos proprietários).

Com relação a estes incentivos dados aos administradores para reduzir os conflitos de interesse e para assegurar que os interesses dos acionistas sejam priorizados, tinham larga disseminação as opções para a compra das ações, a preço fixo, vinculadas ao desempenho financeiro da empresa. Gitman (1997) ressalta, no

entanto, que este tipo de incentivo tem sido criticado, devido à incapacidade dos administradores controlarem as forças de mercado e que, nos últimos anos, as opções por ações têm sido substituídas por planos de ações. Neste caso, os incentivos aos agentes tomam por base medidas de desempenho por LPA (lucro por ação), crescimento do LPA e outros indicadores de retorno.

O conflito de interesses, no entanto, não se limita aos existentes entre acionistas e administradores. Outros grupos de interesse (stakeholders), dentre os quais os empregados, clientes, fornecedores e o próprio governo, são partes que possuem interesse financeiro na empresa e que “também tentarão exercer controle sobre a empresa, muitas vezes em detrimento dos acionistas” (ROSS, 2000, p.46).

Estes outros grupos de interesse podem ser tratados de forma diferente: “muitas empresas, nos últimos anos, têm ampliado seu foco para incluir os interesses dos stakeholders, ainda que com o objetivo de apenas preservar sua posição e não de melhorá-la” (GITMAN, 1997, p.19). Ele considera que este enfoque se deve à percepção da responsabilidade social da empresa e à expectativa de que melhores relações com os stakeholders significam redução de conflitos e maximização da riqueza dos acionistas, a longo prazo.

Stoner (1985) também caminha nesta direção, entendendo que têm ocorrido grandes mudanças nas visões do papel do administrador. A postura voltada exclusivamente para a obtenção de maior lucro, à qual chama administração para a

maximização do lucro, segundo ele, ocorreu numa primeira fase e foi seguida pela

que ele chama de administração pela confiança.

Nessa segunda, o papel dos administradores contratados é destinado “não só a maximizar os lucros como também servir de representantes, intermediando as reivindicações conflitantes dos empregados, concorrentes, fornecedores, fregueses e público em geral” (STONER 1985 p.55). E, como uma terceira fase, coloca a

administração da qualidade de vida, surgida na década de 60 e que vem responder

Stoner (1985) comenta o contraste dos valores dos administradores da

qualidade de vida em relação aos dois outros. Para os comprometidos com a qualidade de vida, embora aceitando o lucro como essencial, são priorizados os

interesses mais amplos da sociedade: ao contrário dos voltados para a maximização

do lucro e da administração pela confiança, reconhecem a intervenção do governo

como necessária e o aceitam “como sócio de um esforço conjunto para resolver os problemas da sociedade” (STONER, 1985 p.55).

A discussão em torno da influência social de uma organização e as tentativas de se chegar à sua mensuração remonta à década de 40, mas ainda está distante a possibilidade de consenso entre os que se debruçam sobre a questão. A razão das dificuldades está na diversidade de interesses entre os envolvidos com qualquer organização - no ambiente interno e também no externo.

Exemplificando as diferenças entre os vários grupos interessados nas organizações e seus critérios de avaliação do desempenho organizacional, Stoner (1985) apresenta a figura 2.18., adaptada de Frank Friedlander e Hal Picle.

FONTES DE CRITÉRIOS DE EFICÁCIA ORGANIZACIONAL

EXEMPLOS DE CRITÉRIOS IMPOSTOS POR DIFERENTES GRUPOS DE INTERESSES

Natureza multidimensional da eficácia das pequenas organizações empresariais Satisfação com retorno financeiro das operações da

organização

Satisfação com o trabalho, com a remuneração e com a supervisão na organização

Observância, pela organização, das responsabilidades diante dos órgãos públicos, prevenção contra penalidades, repreensões ou censura

Satisfação com a qualidade e com a quantidade dos bens e serviços da organização

Satisfação com a os pagamentos: correção nas transações; etc.

Credibilidade da organização

Envolvimento da organização e de seus membros nas atividades locais Proprietários Empregados Governo Fregueses Fornecedores Credores Comunidade Grupos internos de interesse Grupos externos de interesse

Figura 2.18. Partes interessadas e seus critérios de avaliação do desempenho (STONER, 1985, p.53)

Se, para as organizações em geral, os conflitos de interesse são um aspecto relevante a ser considerado, particular atenção deve ser dada àquelas destinadas à prestação de serviços públicos. Em uma democracia a autoridade deriva das eleições e “muitas de suas funções e todos os serviços são delegados a terceiros - especificamente à burocracia pública - pelos representantes eleitos” (PRZEWORSKI, 1998, p.52).

Nessa situação, esta delegação acarreta problemas básicos no relacionamento agent x principal: “os objetivos dos burocratas não têm necessariamente de ser idênticos aos objetivos dos cidadãos ou dos políticos eleitos que os representam” (PRZEWORSKI, 1998, p.53).

Por essa razão, Przeworski (1998) afirma que “alguns dos problemas do agenciamento inerentes à administração pública não são diferentes dos que as organizações privadas enfrentam”, mas ressalta, também, que as burocracias públicas diferem das empresas privadas por serem “os serviços estatais produzidos e prestados por uma burocracia cujos membros são nomeados por políticos”. (PRZEWORSKI, 1998 p.53). Cita Dunn e Uhr que observam o pouco conhecimento existente acerca das relações agent x principal e que: “não está absolutamente claro que papel se espera que os funcionários públicos executivos desempenhem como representantes do povo. Eles são agents do governo ou agents do povo?” (PRZEWORSKI, 1998, p.57).

Assim, ao se tratar da relação agent x principal em empresas públicas, há que se considerar “a dificuldade de oferecer incentivos e de extrair informações, nos casos em que o resultado depende da ação conjunta de vários agents” (PRZEWORSKI, 1998 p.53). Por essa razão, segundo ele, deve-se levar em conta as dificuldades para a avaliação de desempenho, lembrando-se que esses administradores acabam sendo julgados por seu respeito às regras e pelo que fazem constar dos relatórios.