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5.1. PERSPECTIVAS DE DOMINAÇÃO

5.1.1. A DOMINAÇÃO FATAL

5.1.1.3. O JORGE “ CONSEGUE TER UM

A Helena e o Jorge namoraram muitos anos antes de começarem a viver juntos. Durante alguns tempos viveram com os pais da Helena e

posteriormente, arranjaram casa. O motor de arranque da união, foi o nascimento da primeira filha, que os levou a casar pelo registo. Posteriormente, decidiram casar pela igreja, procuraram casa e mudaram-se a fim de adquirirem a autonomia que precisavam.

Helena:

“Pronto.. não sei, namoramos oito anos e achávamos que era demais e o que me levou (…) mais a casar, é que eu engravidei da Beatriz. (…) Uns dias antes da Beatriz nascer decidimos casar pelo registo e eu disse “então só casamos pela Igreja, quando a Beatriz andar”, ‘que assim, ela vai ser a nossa menina das alianças A Beatriz não, a Manuela. (…)”

“(…) Só depois de termos casado pelo registo (…) é que já tínhamos arranjado uma casa, já tínhamos posto.. (…) o essencial lá dentro. Decidimos então ir à Igreja, casar e morar juntos.”

Jorge:

”Ora bem.. Eh.. namorei na altura por volta de sete, ou oito anos e ‘apois (…).. a minha mulher engravidou e.. resolvemos casar. Também já era muito tempo, já.. tempo de namoro. E.. sempre um dum lado, o outro do outro, e.. ‘tava eu nos meus pais e ela nos pais dela e prontos, resolvemos casar e juntar, juntamo-nos. Ainda ficamos um bocado na casa dos pais dela e depois resolvemos arranjar casa. Quem casa, quer casa, não é? Resolvemos procurar..”

A Helena considera a sua relação com o Jorge boa e este, tem uma posição mais conformada, dando a entender que é normal. A primeira pensa a relação conjugal a dois e gostava de ter mais tempo para estar só com o marido. O Jorge, estende esta relação ao resto da família, pretendendo mais tempo para passar não só com a mulher, como com as filhas. Os interesses divergem dentro de uma relação que tem momentos melhores e momentos piores. A satisfação conjugal é obtida a partir da resposta dada às expectativas em relação ao outro, de acordo com os papéis estabelecidos desde o início da relação.

As desigualdades são assumidas e encaradas com naturalidade, pois fazem parte de uma rotina que se institucionalizou. A Helena compara o seu marido aos maridos que têm atitudes com as quais não concorda e classifica o seu marido de bom marido. Não vai para os cafés sem ela, gosta de estar com a família, é compreensivo e tem um trabalho. Para o Jorge um bom marido, ou uma boa mulher são aqueles que se respeitam e se ajudam mutuamente. Por um lado, considera que a mulher precisa que ele participe

mais em termos familiares e domésticos, por outro lado, não abdica nem dos seus interesses pessoais, nem do seu conforto.

Helena:

“Dias melhores, dias piores mas acho que até é uma relação boa. Não somos um casal que anda sempre a discutir (…)”

“Ah sim, às vezes.. (…) Estamos os dois, (....) Não há ninguém sempre “ó mãe, ehehe!”, claro que era bom, de vez em quando! (…) uma vez fomos sair sozinhos e uma tia disse logo “onde estão as meninas, onde estão?” (…) é tão raro conseguirmos fazer isso! (…) para nós, sabe-nos que é uma maravilha. Para nós os dois, claro, nós temos pouco tempo.”

“[O Jorge] É uma pessoa que não consegue ir tomar um café sozinho, gosta sempre companhia. Então acho óptimo. Há mulheres que passam um horror de tempo em casa, e os maridos nos cafés. (…) É bom marido, é assim uma pessoa até compreensivo. Ajuda quando eu lhe peço para fazer alguma coisa. (…)”

“(…) Quando ele precisa de alguma coisa eu ajudo também, ehh porque [o Jorge] trabalha, arranjou trabalho para ajudar, sou uma boa mãe, eu acho. (…) acho que sou uma boa mulher.”

“Não sei.. Tenho mais coisas para fazer do que ele, não é? Tenho mais obrigações do que ele, não é? Ele tem dias que (…) vai fazer assistência às lojas e chega aqui às nove. (…) já está tudo feito, eu é que fiz tudo. Sem ajuda. Eu acho que sou a mais penalizada nisso.”

Jorge:

“É sempre muito, muito.. Tem os seus altos, os seus baixos mas vamos andando.”

”Sim. Talvez ter mais tempo. Passamos, como eu disse, [gostava de] passar mais tempo com a família.”

“(…) Sempre foi assim desde o início, que comecei a namorar, sempre tem sido assim. Lá está, de vez em quando, temos as nossas chatices, como, como.. mas isso passa. (....)”

“Ora bem, ser bom marido.. sei lá, respeita-la, olhar pelas filhas e ajuda-la no que puder. Ser boa mulher, também, a mesma coisa. Há que respeita- lo.”

“Ehh.. (…) gostava de ajuda-la mais. Deixa-la com mais tempo p’ ra ela se divertir, ou p’ra ela descansar. Gostava de poder ajudar em mais.” “(…) às vezes teimo por causa assim.. de coisas mínimas e.. (…) eu sei que as miúdas têm que brincar, não é? He.. normalmente elas são.. desarrumam muito. Uma coisa que me chateia, às vezes, é ver as coisas fora de sítio.”

A aceitação da ordem familiar estabelecida é o resultado da dominação masculina, pois se se aceitar que os homens, relativamente às

mulheres, têm mais poder, e ocupam uma posição mais vantajosa na sociedade, compreende-se como os discursos prevalecentes de feminilidade servem para manter a desiguladade de poder321. A Helena afirma que o marido tem mais poder do que ela, pois pode mais facilmente dispor do seu tempo para fazer o que quer. Não lhe é possível, como é possível ao marido, sair de casa sem que as filhas interfiram, dado o elevado grau de

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dependência destas. E se sai, o Jorge não fica sozinho, tem de recorrer a uma cunhada mais nova que se desloca até sua casa, para o ajudar a tomar conta das filhas. O entendimento do Jorge sobre a igualdade, gera algumas contradições, visto não ser coerente com as práticas quotidianas instituídas.

Helena:

“(…) há coisas que não podemos fazer como eles, não é? Enfim, por exemplo, é muito mais fácil ele sair à noite, tem mais esse poder, do que eu. Eu tenho sempre as miúdas dependentes de mim. Porque elas estão sempre “ó mãe!”. Hoje.. tenho dias que por exemplo, vou ali ao pão, começam logo “também vou”, acordam de noite, chamam logo a mãe e se eu não estiver… ele já me disse “olha, quando tu vais aos jantares, elas põem-se para aí a berrar: “Quero mãe! Quero mãe!””. Percebe?”

“Acho que nisso, ele ainda consegue ter um bocadinho mais de poder. Pode sair sem pensar que alguém está a chamar por ele. E eu já não tenho essa..”

“(…) Ele sai à noite, se quiser, é muito, muito raro. (…) Quando eu estava a tirar o curso, fazíamos muitos jantares e eu ia sempre e ele ficava com as miúdas. Ele e a irmã, vinha para aqui. Lá está, ele não tem muita paciência e elas são um bocadinho.. estão sempre a pedir coisas. Agora é o leite, agora é o boneco, agora chega-me isto e então eu peço sempre ajuda a uma cunhada minha. E ehh.. portanto, ele também me diz sempre, “olha, vai, a Patrícia vem para aqui, ajuda-me e assim” (…). Prontos, acho que é um direito que nós temos também às vezes nos libertarmos um bocado da família.”

Jorge:

“(…) temos os mesmos direitos tanto um como o outro, he.. ter os mesmos direitos. O que ela fizer, eu também posso fazer e ela também pode.”