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Tal como acontece na família pós-moderna, o que caracteriza o trabalho na pós-modernidade é a sua diversidade. A diversidade e a descontinuidade das formas de emprego, substituem o paradigma do emprego homogéneo e estável dos tempos modernos. Há elementos novos e específicos que caracterizam o trabalho nas sociedades actuais. É o caso do aparecimento cada vez mais insistente, de indivíduos que pairam na estrutura social, que preenchem buracos na sociedade mas não encontram um lugar definido e que estão à margem do reconhecimento social. São eles os desempregados de longa duração, as pessoas que moram nas periferias das cidades, os beneficiários do rendimento social de inserção, as vítimas de restruturações empresariais e os jovens à procura de um primeiro emprego que vão passando de estágios para biscates temporários, a fim de se manterem ocupados.

Estes novos elementos, dão origem ao aparecimento do conceito de exclusão social. Ele reúne um conjunto de problemas sociais que pode abranger grupos de pessoas que nada têm em comum, à excepção das suas situações socialmente marginais, provocadas pelas restruturações sociais e

económicas das sociedades pós-modernas113. Pierre Bourdieu114, na década de 90, faz uma recolha exaustiva de informação, sobre o quotidiano de famílias residentes em França que se pronunciam ao nível pessoal, profissional e social e encontra relatos que testemunham as situações de exclusão social vividas nas sociedades ocidentais dos dias de hoje.

Os tempos pós-modernos caracterizam-se pela destabilização dos estáveis, pela precariedade do emprego e pelo défice de lugares ocupáveis na estrutura social. A primeira, atinge sobretudo o assalariado, pertencente à classe média baixa. A precariedade, manifesta-se nos empregos incertos. Há um movimento de actividade seguido de um outro, de inactividade, de situações provisórias marcadas pela incerteza do futuro. A forma descontínua do trabalho e o seu conteúdo insignificante, levam as pessoas a encarar a vida em função do presente, pois o amanhã ninguém sabe como gerir e

configuram uma situação de neo-pauperismo115. O défice de lugares na

estrutura social que proporcionam uma utilidade social e um reconhecimento público, observa-se pelo número de trabalhadores envelhecidos que rondam os 50 anos, ou menos, e não se enquadram no processo produtivo mas também não encontram um lugar fora dele; pelos jovens à procura de um primeiro emprego que percorrem vários estágios e vivem de biscates; e pelos desempregados de longa duração a quem se tenta, sem sucesso, atribuir novas qualificações, a fim de se reconverterem profissionalmente.

Pelo facto destes indivíduos não encontrarem um lugar na colectividade, Robert Castel116 introduz o conceito de individualismo negativo que assume a sua expressão máxima, na figura do vagabundo. Um indivíduo puro, desprovido de qualquer relação de dependência, ou interdependência

113

Robert Castel, Les métamorphoses de la question sociale - Une chronique du salariat, Paris, Éditions Fayard, 1996.

114

Pierre Bourdieu, (coord.) et al, La Misère du Monde, Paris, Édition du Seuil, 1993. 115

Robert Castel, Les métamorphoses de la question sociale - Une chronique du salariat, Paris, Éditions Fayard, 1996, p.411.

116

social, pertence a ele próprio. Representa um individualismo negativo porque se classifica por carências sucessivas: falta de consideração, falta de segurança, falta de bens e falta de laços estáveis. O individualismo negativo coexiste com o individualismo colectivo. É uma consequência do conjunto de transformações laborais, tais como a individualização das condições do trabalho, a fragmentação da força de trabalho e a efemeridade da vida profissional.

Não se está perante o fim do trabalho mas perante a sua diversificação. A sociedade moderna luta pela socialização progressiva dos camponeses e artesãos, no âmbito de um projecto de trabalho assalariado. A sociedade pós-moderna, apoia-se na individualização e na desagregação do trabalho. A especialização produtiva do trabalho, recorre à subcontratação temporária e localizada de serviços, bem como a uma redefinição constante das relações de cooperação e de concorrência. Assim, a flexibilidade

produtiva que caracteriza a nova economia e a individualização das relações sociais na base da sociedade em rede, destróiem os fundamentos do sistema de conivência colectiva que tinha até então encarnado a ideia de sociedade117.

A Europa tem vindo a reforçar a sua actividade, no sector terciário, o que implica alterações ao nível das relações de trabalho, da produtividade (a produtividade no sector terciário, é inferior à registada na indústria tradicional)

e o fim da classe trabalhadora moderna118. As relações de trabalho na pós-

modernidade, resultantes da globalização económica, processam-se directamente entre o produtor de serviços e o cliente e o valor das

117

Manuel Castells, "Prefácio" in Carnoy, Martin, Dans quel monde vivons-nous? - Le travail, la famille et le lien social à l'ère de l'information, França, Éditions Fayard, 2001, p.10.

No texto original : « Ainsi, la flexibilité productive qui caractérize la nouvelle economie et l'individualization des rapports sociaux à la base de la societé en réseaux, brisent les fondements du système de connivence collective qu'avait jusqu'alors incarné l'idée de societé ».

118

actividades, é atribuído em função do conteúdo de informação e da capacidade relacional que implicam. Estas transformações, são abordadas

por Richard Sennet119, num trabalho sobre a influência da situação

económica actual, no carácter dos trabalhadores. Um bom trabalhador é flexível e adapta-se a tudo, dificilmente tem tempo para pensar, pois é-lhe exigido que corra e que produza. Numa recolha de várias histórias profissionais o autor regista, por exemplo, que o padeiro, conhecido pelo seu gosto em fabricar o pão artesanal e o amassar, flexibiliza-se e limita-se actualmente, a carregar em botões de fornos industriais. Já não se liga à profissão, pois está no trabalho de passagem, enquanto não arranja outro. Os trabalhadores sentem a falta de relações humanas e de objectivos duradouros. A sociedade parece assombrada, pelas incertezas da

flexibilidade, a ausência da confiança e empenhamento (...), o espectro de não se conseguir fazer nada duma pessoa neste mundo120. O mercado de trabalho nas sociedades actuais, incentiva o espírito de competição laboral e destrói a confiança entre colegas. O trabalhador conta consigo próprio, tendo como princípio a frase "cada um por si".

Castel121, distingue dois segmentos de emprego, no mercado de

trabalho actual: o primário, formado por elementos qualificados, bem pagos, protegidos e com uma situação estável; e o secundário, formado por elementos com baixas qualificações, dependentes das oscilações da procura de mão de obra. Segundo o autor, numa situação de crescimento económico estes dois segmentos são complementares, mas numa situação de falta de emprego ou excesso de efectivos, entram em concorrência directa. A escolha das empresas, inclina-se para o segmento secundário, pois não há tantas exigências do ponto de vista contratual e de protecção social.

119

Richard Sennet, A Corrosão do Carácter - as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo, Lisboa, Terramar, 2001.

120

Idem, p.211. 121

O alargamento da subcontratação à escala global, leva as empresas a sub-contratarem serviços, em países onde a mão de obra é mais barata, o que afecta primeiramente o segmento secundário, em sectores de indústria tradicional como, por exemplo, a indústria têxtil e posteriormente, o primeiro segmento do mercado de emprego, com a subcontratação de empresas asiáticas, para a montagem de aparelhagens sofisticadas e de programas informáticos especializados. A globalização dos mercados, fomenta as trocas internacionais e a especialização dos países em determinados tipos de produção. Os países desenvolvidos estão mais dotados de trabalho qualificado e exportam bens de valor acrescentado. Os países em vias de desenvolvimento, estão mais virados para a produção que utiliza trabalho não qualificado, como certos produtos têxteis. A mundialização das trocas comerciais, favorece os trabalhadores qualificados nos países desenvolvidos e vem criar situações de desemprego em trabalhadores sem qualificação ou com baixo nível de qualificação. A este, associa-se o desemprego de

adaptação que Fitoussi e Rosanvallon122 atribuem às transferências de

populações entre sectores de actividade.

A Europa tem manifestado a viver nas duas últimas décadas, uma preocupação com a construção de uma União Europeia (UE) forte e independente, e com a intensificação das relações entre os Estados- membros. Face aos novos sistemas capitalistas que emergem da globalização, o crescimento económico europeu, não tem sido o esperado. O Mundo, divide-se em três blocos económicos: de um lado os EUA, o Canadá, o México e a Argentina, a liderarem a economia mundial, e do outro, os outros dois blocos constituídos pelo Japão e pela Europa que se associa a novos Estados e ao Norte de África. A globalização teve como consequências, a crescente queda de barreiras proteccionistas, dentro e fora

122

Jean-Paul Fitoussi, e Pierre Rosanvallon, A Nova Era das Desigualdades, Oeiras, Celta Editora, 1997.

da Europa, bem como uma subordinação do Estado a regras estabelecida externamente (pelo BCE, ou pela Organização Mundial do Comércio e FMI).