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5.1. PERSPECTIVAS DE DOMINAÇÃO

5.1.2. A DOMINAÇÃO JUSTIFICADA

5.1.2.6. PARA ALÉM DO MÍNIMO EM TERMOS

Para o Rui e para a Rita o dinheiro deve servir para viver o dia-a-dia com dignidade. Não têm ambição de ter muito, apenas o necessário para adquirir as coisas que fazem falta, pois se não há um mínimo a vida pode complicar-se. Apesar do rendimento do Rui ser superior ao da Rita, representando sessenta a setenta por cento do orçamento do agregado, o dinheiro nunca é repartido de forma rígida. É considerado dos dois e gasto em função do espírito de equipa. As condições económicas devem permitir ter, no caso do Rui, tempo para os outros e acesso a actividades culturais. Para a Rita, trata-se de obter ajuda para as tarefas domésticas, pois só assim consegue tempo para estar com as filhas. A sua falta de tempo decorre da dificuldade de conciliar a vida profissional e familiar e reduz na perspectiva de

Catarina Delaunay336, a disponibilidade para satisfazer as necessidades de

lazer, cultura e participação cívica.

O poder económico constitui um meio para aceder de forma descontraída a actividades diversas que definem para o Rui e para a Rita, a qualidade de vida. O acesso a estas actividades está igualmente condicionado pelo tempo que cada um dispõe para o efeito. Para a Rita viver bem passa em primeiro lugar, pela possibilidade de ter uma profissão e pelo respeito dos filhos em relação às suas opções de vida. Ao contrário do Rui, o seu discurso revela uma ausência de tempo para pensar actividades que não estejam associadas às suas responsabilidades familiares e profissionais.

Rita:

“(…) o meu rendimento é (…) um terço do, do

Rui:

*(…) eu mudei de, de emprego, já foi bastante

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houve alturas em que significava muito, muito pouco (...).”

“Mas não, não vivo preocupada em juntar dinheiro, em ter muito dinheiro, em viver... não. Eu quero ter o dinheiro necessário para o dia-a-dia, para as coisas que me fazem falta, gosto da vida que eu criei. Mas não tenho aspirações a, de repente ganhar muito dinheiro, ser muito rica, ter muitas coisas. Não preciso disso.”

“(…) na nossa família nunca houve “o meu dinheiro”, “o teu dinheiro” mas há “o nosso dinheiro”. Já houve uma altura em que o Rui realmente tinha um, um emprego em que, em que tinha um salário muito, muito superior ao meu mas (…) nunca sentimos que o dinheiro fosse sinónimo de poder, ou sinónimo de maior importância ou.. Nada disso.”

“(…) qualidade de vida, (…) é eu ter tempo. É ter tempo para poder brincar com as minhas filhas, fazer jogos, fazer com elas os trabalhos de casa de uma forma tranquila. Sem, sem pressões, sem grandes stresses... É poder ter alguém que me ajuda nas tarefas de casa para eu ter mais disponibilidade para isso. É ter um trabalho que me realiza e que... pronto. É ter um, é ter uns filhos que vão... pronto que respeitam, percebem qual é, qual é a nossa... qual é a nossa filosofia de vida e basicamente é isso.”

como era antigamente. Mas digamos, direi que (…) sei lá, 60%, 70% no máximo talvez (…).” “(…) o dinheiro (…) hoje em dia, no tipo de sociedade em que temos, pois se não houver o mínimo, a vida torna-se um bocado complicada. Portanto, mas.. mas eu não sou daquelas pessoas que.., nunca fui e penso que nunca serei, que vive obcecada com isso. Acho que há um mínimo que é para se poder viver, viver com dignidade (…) não sacrifico uma série de valores com isso(…).” “(…) eu sempre vi a relação de casal como relação de equipa (…) o dinheiro (…) é dos dois! (…) Para nós, foi sempre (…) a nossa conta. (…) É o mesmo que esteja tudo, que esteja tudo no mesmo saco, no mesmo bolo. Vai-se utilizando em função das necessidades (…).”

“A qualidade de vida, olha, passa pela vertente daquilo que eu te falei há pouco. Passa pela vertente económica, ou seja, há uma vertente económica, há um mínimo ao nível de.., das condições económicas que fazem, hoje em dia, com que a pessoa tenha qualidade de vida. Passa pelo tempo que se tem para os outros, pela.., pelo acesso a uma série de aspectos relacionados, na minha perspectiva, relacionados com o, com essas questões de carácter cultural, que fazem com que as pessoas cresçam e.., e se enriqueçam. (…).”

A Rita e o Rui não atribuem uma importância fundamental ao dinheiro e satisfazem-se com o que têm. As condições económicas determinam juntamente com outros factores, o número de filhos que o casal pretende. Ambos idealizam à partida uma família com dois filhos e têm três, a terceira filha não está planeada. Para o Rui mais de dois filhos implica uma gestão difícil em termos económicos, de viagens e de malas. Só tendo mais recursos é possível gerir as dificuldades que surgem com mais filhos, o que não é o caso. Por causa de constrangimentos logísticos e económicos o Rui preferia só ter tido dois filhos.

Rita:

“Não. É... é um bocado, é assim, eu gostava, eu gosto de ter uma família grande. Simplesmente, face às condições de vida que temos e ao trabalhar fora de casa e ao pouco tempo que depois lhes poderíamos dedicar, acho que este é o número que, é o número que eu quero e não quero mais (risos). “

“Eu idealizei uma família com menos membros

Rui:

“O meu.. o meu número ideal era dois (silêncio) e durante muito tempo foi dois mas durante muito tempo só tivemos um, portanto acabámos por ter três e penso que não, agora.. acho que é o suficiente.”

“Ah.. é como ter um número mágico (…). Um, eu acho extremamente limitado. Respeito e compreendo muitas limitações que fazem com que

(risos) mas corresponde integralmente à, à família que eu idealizei. (risos)”

(…) A partir de dois, começa a ter alguma, alguns aspectos que começam a ser difíceis de gerir, ou então tem que se ter enormes condições para se poder gerir. Exemplo: sei lá, quando nós vamos de férias, agora, o carro fica completamente lotado, não é? Completamente lotado. Obriga a fazer uma.. uma gestão, daquilo que se leva, onde se vai. Agora com limitações de cadeiras, há uma miúda, tem quatro anos. Quer dizer, há desde a parte logística, a outras questões, não é? À parte económica e a.. e a.. Portanto, para mim o número ideal era dois, foi sempre dois.”

Os interesses profissionais da Rita e do Rui são diferentes na medida em que o Rui está pronto a investir sempre mais na sua carreira, enquanto que a Rita opta por parar de pensar no assunto, para não prejudicar os filhos com as suas ausências. As preocupações familiares são por isso diferentes e implicam maior disponibilidade por parte daquela. Os interesses conjugais são semelhantes na medida em que há uma procura de tempo para o desenvolvimento da vida em casal. Há uma forte socialização dos dois cônjuges nos géneros masculinos e femininos que os leva a reproduzir as práticas familiares paternas e maternas. Alguns comportamentos mudam, sobretudo ao nível da participação masculina em tarefas com os filhos. Mantém-se no entanto, a predominância feminina em todas as actividades do lar. A relação conugal do Rui e da Rita é o retrato tipo das relações que caracterizam a segunda fase da modernidade, em que a mulher é dona-de- casa, profissional, rainha do lar e consumidora prudente. A participação masculina no rendimento da família é superior à feminina e a organização da vida familiar mantém-se desde os primeiros tempos de vida do casal, altura em que ficaram alicerçadas as regras conjugais. Observa-se uma situação de dominação conjugal masculina que confirma uma relação conjugal do tipo dominante versus dominado.