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O jornal como fonte de pesquisa histórica

2.3 O JORNAL EM SALA DE AULA

2.3.6 O jornal como fonte de pesquisa histórica

A depender do prisma que se queira eleger para conduzir o olhar, privilegiando uma dada abordagem em particular, distintos momentos da trajetória da humanidade podem ser apontados como marcos do processo civilizatório. Entre tais momentos históricos, considerados decisivos por terem moldado novos contornos ao pensamento ocidental, Eliane Lopes e Ana Maria Galvão (2001, p.60- 61) apontam o surgimento da imprensa, a expansão da escola e o impacto dos meios eletrônicos nas relações das pessoas e destas com a escrita. A propósito dos processos de aquisição das práticas sociais de ler e escrever, defendem estas educadoras que a generalização da leitura parece ter sido anterior à da escrita, o que levaria a modificar a própria noção de alfabetização, passando a incorporar conceitos como o de letramento, para ter condições de compreender o papel social, os usos e as funções da escrita (LOPES; GALVÃO, 2001, p-54-55).

Contudo, em relação ao ensino de história, abordagem específica desta análise das funções formativas da imprensa, é necessário questionar inicialmente em que medida seria o veículo impresso instrumento adequado a ser utilizado tanto como fonte de pesquisa histórica quanto como instrumento didático na consulta em sala de aula. Para Lopes e Galvão (2001, p.52), “a história do ensino não tem se limitado à história das instituições escolares, do pensamento pedagógico ou de alguns movimentos educacionais, como era comum se fazer”. Na medida em que cresce o interesse pelas práticas pedagógicas alternativas, auxiliares e transversais,

os atuais pesquisadores tratam de reconstruir - para entendê-los plenamente - os métodos e técnicas de ensino, os materiais didáticos e as relações entre alunos e professores, os conteúdos específicos, as relações curriculares e os sistemas de avaliação utilizados nas escolas ao longo do tempo. Os historiadores tentam desvendar o cotidiano da escola do passado. Neste sentido, destacam Lopes e Galvão (2001, p.52) que “a prática escolar é aquilo que menos sofre mudanças na História da Educação”.

Desde suas origens, a pesquisa histórica tem privilegiado como fonte quase que exclusivamente os documentos escritos, que aqui podemos chamar de “oficiais”, quais sejam os atos administrativos, os decretos governamentais, os relatórios e legislação produzidos por determinado grupo social historicamente localizado. As autoras citam, a propósito, Lucien Febvre (apud LOPES; GALVÃO, 2001, p.80) para argumentar que se pode fazer história “com tudo o que, sendo do homem, depende do homem, serve para o homem, exprime o homem, significa a presença, a atividade, os gostos e as maneiras de ser do homem”.

Este mesmo autor afirma que “no limite, todo documento é mentira, na medida em que só tomamos conhecimento daquilo que o passado quis que fosse memorável (FEBVRE apud LOPES; GALVÃO, 2001, p.80). Para exemplificar a questão, propõem as autoras que imaginemos as abordagens possíveis que um pesquisador poderia construir sobre determinado fato político contemporâneo daqui a cem anos, se forem utilizados como fontes apenas o Diário Oficial da União ou um jornal da grande mídia ou um de grande apelo popular. Lopes e Galvão (2001, p.80) questionam se “encontraria a mesma versão para a mesma história? Poderia confiar integralmente nos dados encontrados em tão díspares veículos?”

Entre as fontes não documentais, os jornais e revistas são os utilizados há mais tempo e os que gozam de maior prestígio. Em alguns locais menos desenvolvidos econômica e socialmente, eles muitas vezes são, na verdade, a única fonte de registro dos atos cotidianos que escapam à historiografia oficial ou burocrática. Para a história da educação, particularmente, interessam aqueles periódicos que circulavam especificamente junto a um público escolar ou mesmo os jornais feitos por estudantes e para o meio acadêmico, o que durante um certo período era rigorosamente a mesma coisa, sobretudo em países tardiamente desenvolvidos como o Brasil.

Cabe ressaltar, por fim, que o conteúdo de um jornal, expresso tanto nas reportagens, artigos e editoriais, mas igualmente através das ilustrações, gráficos e fotografias, dentre outros documentos que incorpora, nem sempre contempla de maneira ampla e eqüitativa os interesses e conflitos de toda a comunidade à qual o veículo afirma servir. Sujeito a regras de mercado e às inevitáveis - porque intrínsecas ao processo - orientações políticas, o veículo muitas vezes espelha apenas os pontos de vista de um grupo específico. Mas tal constatação não invalidaria necessariamente todo o seu conteúdo enquanto fonte de pesquisa.

As definições de fonte propostas por Lopes e Galvão (2001, p.77), destacam que “em sua inteireza e completude, o passado nunca será plenamente conhecido e compreendido; no limite, podemos entendê-lo em seus fragmentos, em suas incertezas”. Na verdade, vai ser o tipo de problema, do tema problematizado, que vai determinar quais fontes deve-se utilizar na pesquisa. Partindo desta premissa, questionam como viabilizar e tornar o menos contaminado possível este necessário acesso ao passado, propondo que “certamente através dos traços que foram deixados, dos vestígios não apagados que representam ou que dizem sobre a vida

de homens e mulheres das sociedades passadas” (LOPES; GALVÃO 2001, p.77). E o jornal, sem dúvida, é um dos mais eloqüentes destes vestígios.

A questão, portanto, é estabelecer que grau de confiabilidade, de objetividade – uma vez que concordamos que a imparcialidade é simplesmente inexeqüível, tanto em jornalismo quanto em história – é possível conceder a determinado veículo da mídia impressa. Para tanto, é necessário identificar no conjunto da obra e dos vestígios materiais produzidos por uma determinada época, por certo grupo social ou por um indivíduo identificado, aquela fonte que dará sentido à pergunta que desencadeou e justificou a pesquisa. Se for possível identificar claramente qual a posição política do veículo responsável pelo material impresso pesquisado, não resultará impraticável contextualizar historicamente o seu conteúdo.

Além disso, cabe ressaltar que foi – e continua sendo, veículo de elite como de fato é – principalmente através das páginas dos diários impressos que a

inteligência de uma nação tem preferido conduzir seus debates, expressar seus

pontos de vistas e anunciar suas tomadas de posição. O jornal pode, portanto, ser relacionado junto a outras fontes escritas, como os documentos, a legislação e os atos dos poderes constituídos, os trabalhos acadêmicos e científicos, as correspondências e as obras literárias, entre outras. Mas não apenas, pois também em suas folhas lograremos encontrar fotografias, ilustrações, gráficos e informações estatísticas e pictóricas as mais diversas.

Fica claro, afinal, que tão importante quanto o registro histórico grafado nas páginas de um jornal do passado é o tipo de abordagem que o pesquisador elege para manipular (melhor dito, trabalhar, considerar, avaliar e compreender) as informações ali contidas. O confronto destas informações com as obtidas em outros tipos e formatos de fontes ajuda na tarefa difícil, mas inarredável, de contrabalançar

a subjetividade do pesquisador. A tradução mais aproximada da história real, do fato real, será aquela que exponha suas contradições, desvelando-lhe os mecanismos e processos intrínsecos.