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2.3 O JORNAL EM SALA DE AULA

2.3.1 Os programas de jornal na educação

Registros de utilização de periódicos impressos na educação têm sido colhidos praticamente desde que os processos industriais de produção de notícias começaram a se consolidar nas nações modernas, mas todos ainda de maneira desarticulada, sem uma estrutura mais formal. Foi o norte-americano The New York Times quem formalizou, no ano de 1932, o seu programa pioneiro de jornal na educação, hoje apontado como um marco deste tipo de iniciativa, que envolve principalmente a distribuição sistemática de sua edição nas escolas. De acordo com levantamento feito pelo suplemento educacional do jornal Folha de S. Paulo8, existem nos Estados Unidos cerca de 800 programas do gênero em atividade. Em países como a Suécia, Dinamarca e Noruega, todos os jornais da grande imprensa mantêm programas deste tipo.

Em várias partes do mundo surgiram entidades e organizações dedicadas a estimular e coordenar este tipo de programa, a exemplo do Centro de Ligação do Ensino e dos Meios de Informação (CLEMI), na França, e do Newspaper in Education (NIE), nos Estados Unidos. No Brasil, a principal organização empenhada nesta tarefa é a Associação Nacional de Jornais (ANJ), segundo a qual eram publicados em território nacional, até o ano passado, 3.004 periódicos, dos quais

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532 de circulação diária 9. A média registrada em 2004 foi de 6.522 exemplares ao dia. Os programas de jornal na educação registrados na entidade somavam 48, a maior parte concentrada na região sudeste, sobretudo no Estado de São Paulo. Todavia, o primeiro a implantar formalmente a iniciativa no Brasil foi o gaúcho Zero Hora, no ano de 1980.

Um típico programa de jornal na escola geralmente envolve, além da mera distribuição de exemplares e de encalhes (os jornais não vendidos, que são recolhidos junto às bancas de revistas), a produção de material de apoio, a criação de hemerotecas, a publicação de edições especiais dedicadas à educação e o treinamento de professores e demais profissionais afins para o desenvolvimento das práticas pedagógicas de uso do impresso nas salas de aula. As ações propostas para a sua implementação começam pela entrega regular de jornais às escolas (o que é feito mediante a cessão de assinaturas e a remessa semanal ou mensal de encalhes, além de acesso liberado às edições on line, se for o caso, aos estabelecimentos da rede pública), mas incluem também várias outras atividades.

Dentre as mais comuns, podemos citar a realização de encontros, seminários e palestras com profissionais das áreas de educação e comunicação social sobre temas ligados à cidadania, ética, pluralidade cultural, saúde, meio ambiente, sexualidade etc. Também podem ser realizadas oficinas com alunos e professores para mostrar a estrutura e funcionamento de um jornal diário, com visitas à redação e oficinas gráficas. É importante destacar que os exemplares devem ser encaminhados às escolas de forma integral, ou seja, da maneira como se encontram nas bancas de revistas, para que não sejam encarados como encalhe, ainda que se trate de edições de dias anteriores. Além disso, é imprescindível a participação de

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um coordenador pedagógico junto aos demais profissionais da empresa jornalística no planejamento e desenvolvimento destas atividades.

Um impulso significativo para este tipo de iniciativa pode ser conseguido através da criação de um espaço - uma página, coluna ou mesmo suplemento - dedicado à educação e que promova, entre outros conteúdos específicos, a cobertura e divulgação do próprio programa, mas inclusive incorporando a produção acadêmica, artigos, opiniões assinadas e os textos resultantes de atividades de laboratório de alunos, professores e gestores envolvidos nas atividades. O número de escolas participantes pode variar de acordo com a disponibilidade financeira, os recursos humanos e a capacidade logística da empresa jornalística, bem como o interesse da rede de escolas e o eventual apoio por parte dos órgãos oficiais do setor.

Os níveis de ensino a serem contemplados podem ir do pré-escolar à pós- graduação, entre classes regulares e especiais, de educação para jovens e adultos ou no ensino profissionalizante. Costa (1997, p. 26-27) apresenta uma fundamentação dos programas de jornal na educação para cada um dos níveis de ensino formal, defendendo que se observadas suas características próprias, tais programas podem ser aplicados em todos eles. Desde o fundamental, onde trabalharia na formação do hábito de leitura, passando pelo ensino médio, com a formação de cultura geral, desenvolvimento e informação vocacional, expansão da estrutura lingüística e aprimoramento da redação, até a universidade, quando envolveria a contextualização de conteúdos, aprimoramento e atualização profissional e estímulo à divulgação científica.

Embora pouco utilizado por intermédio de programas específicos, o jornal tem grande potencial e aceitação nas salas das faculdades, onde freqüentemente

contribuem para a ampliação dos conhecimentos sobre a sociedade, o mercado e o campo de atuação profissional de cada um. Neste sentido, Costa (1997, p.27) acredita que "o intercâmbio universidade/jornal facilitará a divulgação das pesquisas realizadas, permitindo assim à comunidade tomar conhecimento dos projetos que são desenvolvidos". De fato, é grande a carência que tem a universidade em relação a veículos de comunicação que possam fazer um trabalho adeqüado de divulgação científica que contemple não apenas o mundo acadêmico, mas a sociedade como um todo, o que também deve funcionar como fator de aproximação entre a grande mídia e as instituições de ensino superior.

Dando prosseguimento ao assunto, Costa (1997, p.12) observa que os programas de jornal na escola realizam três funções simultaneamente. Uma empresarial, ao formar novos leitores para a sua audiência; outra educativa, quando contribui para o enriquecimento dos processos pedagógicos; e ainda uma função social, permitindo o acesso de alunos de menor poder aquisitivo aos periódicos. Cada programa, todavia, estabelece e desenvolve seus próprios objetivos, que em geral costumam apresentar alguns pontos comuns, como formar o hábito de leitura; aproximar o leitor em potencial do jornal; estimular o aluno a discutir sua realidade, desenvolvendo o espírito crítico, o pensamento lógico e criativo; ampliar o horizonte de conhecimento destes estudantes e de professores; e propor o uso do veículo impresso como recurso de apoio didático em todas as disciplinas.

O comitê Jornal na Educação, criado pela ANJ para discutir e encaminhar as questões ligadas aos programas mantidos por suas associadas, produziu um documento intitulado Jornal na Educação - um conceito, assinado por sua presidente, a educadora Carmen Lozza, em 24 de novembro de 2004. Em termos gerais, define tais programas como uma iniciativa em prol da leitura, levada a efeito

por empresa jornalística associada à ANJ e que envolva necessariamente a distribuição de exemplares diários do veículo ao público leitor por ela selecionado, por um período nunca inferior a um semestre letivo; a capacitação dos agentes de leitura envolvidos, de maneira sistemática e permanente; e a avaliação, pelo menos bienal, do processo e dos resultados, para promover a conseqüente continuidade na formação de leitores qualificados. Tais leitores seriam aqueles que tenham ampliada a sua capacidade de serem autores de suas próprias idéias e formas de expressão, conquistando uma autonomia progressiva no seu modo de agir, pensar e ler; e leitores que ampliem a sua capacidade de serem cidadãos, capazes de compreenderem o seu contexto e participarem ativamente da vida em sociedade por um mundo melhor.

Algumas exigências foram apresentadas, como a obrigatoriedade de que tais programas signifiquem ação concreta no cumprimento da missão da ANJ e dos seus associados, quais sejam a defesa da liberdade de expressão, do pensamento e da propaganda, o funcionamento sem restrições da imprensa, observados os princípios de responsabilidade e a luta pela defesa dos direitos humanos, dos valores da democracia representativa e da livre iniciativa. É preciso, também, associar-se àqueles que educam em prol da humanização, da formação de leitores críticos e do desenvolvimento de práticas de cidadania; além de realizar de maneira sistemática a formação dos promotores de leitura inscritos no respectivo programa. Tal formação deverá ter um caráter teórico-prático, permitindo que se reflita sobre as práticas pedagógicas implementadas, pelo entendimento de que promotores de leitura ativos e que investiguem suas respectivas ações em prol da leitura estão mais aptos a formarem leitores, sujeitos do conhecimento e da leitura;

Diz, ainda, a ANJ que os programas de jornal na educação filiados a ela devem vincular a ampliação do prazer de ler jornais a um maior conhecimento do veículo por parte dos leitores envolvidos. Para tanto, precisam disponibilizar jornais inteiros para seus públicos específicos, além de comprometerem-se a associar a leitura de jornais a uma dimensão mais ampla, vinculada ao aperfeiçoamento da habilidade de leitura e ao estímulo ao prazer de ler literatura. No caso de escolas, voltar-se para a dinamização do currículo como um todo, pelo estabelecimento de uma estreita relação entre os conceitos desenvolvidos em sala de aula e nos demais espaços educativos, por quaisquer disciplinas ou áreas do conhecimento e os fatos do cotidiano que aparecem no jornal. Devem contar com um profissional da educação para compor a equipe, de modo a garantir a dimensão pedagógica do programa. Como tal, a iniciativa deve preferencialmente, manter-se independente de qualquer instância de governo, seja federal, estadual ou municipal; incluir instituições que dela participem por iniciativa própria, ou seja, que escolham livremente aderir ao programa de leitura desenvolvido pela empresa associada; e distribuir exemplares do dia às instituições participantes.

Por outro lado, diz o documento que para a iniciativa se desenvolva com sucesso é indiferente ter ou não empresas parceiras e/ou financiadoras para a realização da iniciativa; ter como metas associadas ao objetivo principal questões como qualificar positivamente a marca da empresa jornalística; dar expressão à responsabilidade social da mesma. Também não importam o nível de habilidade de leitura dos leitores envolvidos; o tipo de instituição escolhida pela empresa para participar do programa; ou a forma de administração escolhida pela empresa para implementar o seu projeto de leitura (no âmbito da própria empresa, terceirizada, mista ou outra), desde que não seja ferido o conceito geral.

Desta forma, concluiu o comitê da ANJ que uma iniciativa de Jornal na Educação não deve ser criada ou desenvolvida com objetivos meramente comerciais, de maneira associada à venda de exemplares ou assinaturas. Ressalta que nada impede que a empresa tenha ampliadas as suas vendas, a partir da realização do programa, desde que tal objetivo seja subordinado ao conceito de jornal na educação enunciado. Finalmente, recomenda que não deve ser dificultada a leitura de outros veículos por parte das instituições participantes dos programas.