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2.3 O JORNAL EM SALA DE AULA

2.3.5 Outras palavras

Um dos pontos mais fortes a favor do periódico impresso como recurso pedagógico está justamente nas peculiaridades da linguagem jornalística. A fim de

explorá-la produtivamente, o professor pode propor a transformação de outros escritos (poemas, letras de música, histórias em quadrinho, manuais de instruções de eletrodoméstico ou receitas de bolo) em reportagens e vice-versa. Pode desafiar a turma a produzir um texto jornalístico a partir somente de um determinado título (ou o contrário, de um título chegar à matéria, guardando a original para posterior comparação).

Entender como operam os mecanismos e processos de comunicação adotados pelos veículos da grande mídia deve ser, portanto, um dos primeiros objetivos para os professores envolvidos nos programas de jornal na educação. Pois os periódicos impressos oferecem tanto notícias quanto opinião, mas também outros tipos de leitura igualmente importantes na construção da cidadania, como os anúncios classificados, a propaganda, publicidade legal (leis, decretos, editais, atos administrativos etc), indicadores econômicos, entretenimento (das histórias em quadrinho às palavras cruzadas, horóscopos, roteiro da programação de cinema, tevê, peças de teatro, museus, exposições e eventos os mais diversos) e uma vasta gama de serviços públicos e particulares.

Os classificados com oferta e procura de produtos e serviços deslindam oportunidades comerciais e de empregos ou atividades produtivas de outra forma bem mais difíceis ou mesmo inacessíveis, bem como orientam sobre os mecanismos de formação de preço no mercado. Os alunos poderão descobrir que, com base dos valores médios cobrados para aluguel ou compra de imóveis, é possível dimensionar o perfil social de um bairro, do seu bairro. Nas páginas de emprego é possível perceber quais profissões ou atividades estão em alta ou emergentes, com maior procura e melhores salários (ou muito pelo contrário).

Os anúncios publicitários ou propagandas são outro capítulo, pois proporcionam a oportunidade de levar para a sala de aula a discussão desde os recursos criativos utilizados para chamar a atenção (informativos, apelativos, promocionais, de oportunidade, ofertas ou descontos, entre outros) até os conceitos de moda, hábitos culturais, direitos do consumidor ou princípios éticos envolvidos. Da mesma maneira, é possível abordar a linguagem e a força dos logotipos como formadores de imagem.

A publicidade legal envolve um extenso arsenal de gêneros textuais com vocabulário, estrutura e critérios de atribuição de valor tão específicos que somente está acessível à maior parte da população nas páginas dos jornais, onde inclusive é publicada por determinação legal, quase nunca por interesse dos seus autores ou destinatários. São leis, decretos, editais, atos administrativos e vários outros documentos que dão conta dos trâmites legislativos, jurídicos ou executivos que resultam em ações concretas e conseqüências diretas na vida das pessoas. Conhecê-las e deslindar seus usos, características e estratégias fazem parte, portanto, de qualquer planejamento pedagógico minimamente preocupado com a formação de cidadãos.

As tiras e quadrinhos que acompanham os suplementos suscitam igualmente exercícios para a identificação dos personagens em suas características pessoais, seus contextos históricos, sociais, culturais e mesmo psicológicos. Costumes, conceitos e crenças por trás das mensagens estarão assim à disposição, para análise. Os balões podem ser retirados para que novas falas recriem situações criativas, porém plausíveis. Da mesma forma, os cadernos ou suplementos de esportes, tevê, economia, informática, entre outros, fornecem amplo material a ser trabalhado com base nos mesmos princípios.

Por sua vez, os elementos gráficos, a exemplo das fotografias, infografias, ilustrações e as charges, que exercem - tanto quanto a parte escrita - funções informativas, interpretativas e opinativas, complementam e facilitam o processo de leitura. Eles podem ser trabalhados sobretudo buscando-se a identificação dos fatos que os motivaram. A partir da análise de uma foto publicada em jornal, mas retirada do seu contexto (título, legenda e a matéria que ilustrou), o professor deve solicitar que os alunos tentem identificar o que é mostrado, onde e quando aconteceu, quem participou e como se deu o fato (pressupor o por que nestas situações é extremamente complicado e pouco interessante para as discussões posteriores, por isso deve ser evitado). Depois, é possível checar as informações, exibindo a página da qual a foto foi extraída.

Pode-se, também, trabalhar na montagem de painéis fotográficos divididos por temas que contemplem, por exemplo, cidades, pontos turísticos, aspectos urbanos, tipos humanos, atividades profissionais, segmentos (trabalhadores, idosos, mulheres, adolescentes, indígenas) ou movimentos sociais (sem-terra, operários em greve, protestos e passeatas de servidores públicos). Em determinado momento, será possível promover um levantamento crítico da visão que cada jornal privilegia ao veicular tais segmentos. Algumas fotos podem ser analisadas levando em conta as técnicas e narrativas empregadas ou os aspectos formais utilizados. Assim, os alunos se familiarizariam com a linguagem fotográfica, identificando conceitos como ângulos, perspectivas, enquadramento, planos, profundidade de campo etc. Os exercícios podem sugerir que os alunos reescrevam seus objetivos ou produzam novos sentidos, o que será certamente motivo para que assuntos inéditos sejam abordados. Logo, estarão interessados e dispostos a produzir material para um jornal laboratório ou mural da turma, escola ou bairro.

Esta, inclusive, é outra boa oportunidade para aprender fazendo. Os jornais elaborados pela própria turma, grêmio mesmo a escola, são ideais para o encaminhamento de trabalho em grupo. A propósito, lembram Faria e Zanchetta (2002, p. 7) que, se para os periódicos da grande imprensa o que importa é a qualidade do produto final que chega às bancas, no jornal dos estudantes vale o fazer, o exercício de elaboração e a experiência coletiva. Nestes casos, não se trata de torná-los jornalistas, mas propiciar o contato com uma estratégia de letramento eficiente, pois construída a partir de uma ferramenta pedagógica que se vale, como poucas outras, dos recursos de linguagem, contextualização e construção de sentidos preconizados nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN).

Os autores propõem que o jornal escolar se apóie “não só no conhecimento da imprensa escrita, como em uma atitude crítica a seu respeito” (FARIA; ZANCHETTA, 2002, p.141). Ele deve ser instrumento de interdisciplinaridade e, portanto, não ficar restrito às classes de português ou redação, mas buscar envolver toda a estrutura escolar, inclusive abrindo um canal de comunicação com os pais, o bairro e a própria comunidade. Será a prática do trabalho em grupo que decidirá sobre questões como o nome e perfil editorial do periódico, seu conteúdo específico e os temas que contemplará, o estilo a ser adotado e o uso ou não de classificados ou publicidade para bancar os custos de edição.

Depois, deve-se definir a equipe, com alternância de funções e responsabilidades. Estabelece-se, então, um cronograma de trabalho que vai depender da periodicidade estabelecida. A supervisão de professores é recomendável, principalmente para orientar sobre os aspectos mais práticos, como a escolha do local para desenvolvimento dos trabalhos, equipamentos e levantamento de recursos para as despesas gerais de redação e impressão. O jornal escolar pode

ser impresso desde em mimeógrafo ou cópia xerográfica a computadores pessoais ou gráficas. Como foi dito, o fazer será sempre mais importante.