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2 TEORIA ECONÔMICA E DISCRIMINAÇÃO RACIAL

2.3 O modelo de Coate Loury

O modelo seminal desta literatura foi proposto por Coate e Loury (1993), em um artigo que investiga os efeitos da introdução de políticas de ação afirmativa sobre a capacidade de grupos de trabalhadores com menor produtividade. Os autores exploram as consequências da existência de assimetria informacional entre os agentes econômicos, tendo em vista que os empregadores observam apenas a identidade de grupo do indivíduo, desconhecendo, porém, os investimentos despendidos pelos seus integrantes na aquisição de qualificação. O elemento chave é justamente a suposição de que as firmas utilizam a identificação25 do trabalhador como uma variável correlacionada à qualificação. Assim, uma população idêntica inicialmente, porém clivada por algum critério, pode acabar em equilíbrios distintos, Pareto

25 Evidentemente, a identificação do trabalhador se refere ao grupo. No Capítulo 3, o conceito de raça é discutido

ranqueáveis, caso exista um estereótipo negativo sobre um dos grupos. Em outras palavras, um deles será visto como menos produtivo a priori.

A intuição é simples: se os empregadores acreditarem que indivíduos desse grupo possuem uma menor probabilidade de ser qualificados e aumentarem as exigências de contratação para um posto com maiores salários, os estímulos para que trabalhadores desse grupo se qualifiquem serão minorados, provocando a redução da fração dos qualificados no grupo e, assim, a autorrealização da crença.

O modelo supõe a existência de duas ou mais empresas competitivas e de um contínuo de massa unitária de trabalhadores, segmentados em dois grupos, B e W, com 

 

0,1 correspondendo à fração do último na população. A única função da firma é alocar os indivíduos entre duas ocupações: task zero, que não exige qualquer qualificação prévia, e task

one que demanda um preparo mínimo, compensado por uma remuneração definida

exogenamente (

w

). Se o empregador confia o task one a um trabalhador qualificado, obtém um retorno x q 0, caso contrário, recebe   . Retornos e salários do task zero são xu 0 normalizados para zero.

Os empregadores não observam o investimento em capacitação dos trabalhadores, apenas a identidade relativa ao grupo e um sinal 

 

0,1 relativo à sua qualificação. Considere-se que

( ) q

F  seja a probabilidade de que o sinal não exceda  para os trabalhadores qualificados e

 

q

f  a função de densidade associada. Analogamente, definam-se ( )Fu  e fu( ) para os trabalhadores não qualificados. Assume-se que  (( ) fu( ) / fq( ) é não decrescente e contínua em

 

0,1 , implicando que maiores valores do sinal são mais prováveis se o indivíduo é qualificado. Com isso, supondo que o empregador atribui a probabilidade 

 

0,1 para que o indivíduo de um determinado grupo seja qualificado, dado o sinal observado, por meio da Regra de Bayes, a probabilidade a posterior é:

( ) ( , ) ( ) (1 ) ( ) q q u f f f                

De imediato, verifica-se que, em um ambiente de assimetria informacional, a avaliação da qualificação de um determinado indivíduo depende da avaliação de todo o seu grupo. Logo, o investimento de um trabalhador, além de majorar suas chances de obter sinais e salários esperados maiores, também aumenta a probabilidade a priori de todos os integrantes do seu grupo. Tal externalidade informacional é a chave para a existência de múltiplos equilíbrios no modelo.

Evidentemente, como o retorno do task zero é nulo, o empregador maximiza seu ganho quando:   ( , )xq (1   ( , ))(xu) 0  fq

 

 / fu

 

 (1)xu/xq. Assim, a

política ótima é alocar para o task one um indivíduo pertencente ao grupo cuja crença a priori é  se, e somente se, o sinal observado  for maior do que *( )

s  , decrescente em , definido por26:

 

 

 

*( ) min 0,1 : / (1 ) / q u u q s    ff    xx

Todos os trabalhadores, ex-ante, não possuem nenhuma qualificação, mas eles podem alterar essa situação despendendo recursos. Sua decisão, portanto, consiste em investir ou não em sua qualificação para o task one. O custo dessa inserção é heterogêneo entre os indivíduos, porém, independente do grupo, sendo denotado por c. Se (.)G é a fração de indivíduos cujo valor da

inserção é inferior a c, ou seja, a função de distribuição acumulada do custo de investimento do trabalhador, obviamente, ( (0))G  G( (1)) 0  .

O benefício de se qualificar, ( ) s é o retorno esperado decorrente da maior probabilidade de ser alocado à função qualificada,27 ou seja, ( )sw F su( )F sq( ). Nota-se que ( ) s é uma

26 Em virtude da hipótese de que

(( ) fu( ) /fq( )

     é não decrescente e contínua em 0,1, se a equação

 /   (1 ) /

fqfu    xuxqpossui solução em 0,1, então s* ( ) , o sinal mínimo exigido, é único. Ademais,

utilizando o teorema da função implícita, temos que d/d0, ou seja, o quanto maior a probabilidade a priori do grupo, menor será o limite para o sinal estabelecido pela firma.

27 O ganho esperado do trabalhador em investir em qualificação, dado um nível de sinal mínimo s , é

1 Fq( )s w c

 

 

   . Por sua vez, seu ganho esperado caso não invista é dado por 1 Fu( )s w

   

  . Dessa forma, o retorno esperado de maior qualificação é ( )sw F[ u( )sFq( )]s .

função de pico único, crescente (decrescente) sempre que  ( ) ( )1  , satisfazendo

(0) (1) 0.

   Naturalmente, um trabalhador irá investir se, e somente se, ( ) s  . c

A dinâmica do jogo possui três etapas. Na primeira, a natureza sorteia o tipo de trabalhador, ou seja, o seu custo de investimento c da distribuição G(.). Na segunda etapa, os trabalhadores, observando o seu tipo c, tomam sua decisão de investimento em qualificação que não é observada pelas firmas, que tem acesso apenas ao sinal  , sorteado de fu

 

 ou

 

q

f  , dependendo da qualificação do trabalhador. Por fim, as empresas decidem como

alocar os agentes entre as tarefas. Um equilíbrio é um par j, jb w, , satisfazendo

*

( ( ( )))

j G s j

    .

Dessa forma, a existência da discriminação racial pode ocorrer, ainda que os indivíduos sejam inicialmente iguais, no tocante às suas habilidades e tecnologia de informação, caso existam múltiplos equilíbrios, o que depende dos formatos de (.) e (.)G . Assim, um resultado

fundamental do modelo é que:

Preposição I (Coate e Loury, 1993): Assumindo-se que ( )  é contínua, estritamente crescente e estritamente positiva em

 

0,1 , e que G c( ) é também contínua, satisfazendo

( ) 0

G c  , se existe s 

 

0,1 , para o qual G( ( )) s  ( )xq/x ( ), então existem no

mínimo duas soluções não nulas.

A Ilustração 2.1, adaptada de Coate e Loury (1993), aponta uma situação em que há mais de dois equilíbrios, por exemplo:

b,sb

,

int, sint

e

w,sw

.

Em suma, caso os empregadores acreditem que o indivíduo médio pertencente a um determinado grupo racial possua uma menor probabilidade de ser qualificado, ou seja, sofra de um estereótipo negativo, a firma exigirá um sinal s mais alto para os trabalhadores desse segmento da população. Isso reduz o benefício esperado do investimento em qualificação, o que acarreta uma menor taxa de inserção em qualificação e assim uma fração mais reduzida

de trabalhadores qualificados no grupo. Trata-se de uma profecia autorrealizável. Nesse sentido, a discriminação racial pode ser vista como um erro de coordenação.

π πw πb 1 0 Sw S Si Sb 1 πint