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2 A TEORIA DA LÍNGUA EM ATO

2.3 O modelo entonacional

Em primeiro lugar, cabe esclarecer que aquilo que é chamado de entonação por Cresti (2000) corresponde à combinação dos seguintes parâmetros:

1. variação de frequência fundamental18 (doravante, F0); 2. variação de intensidade;

3. variação de velocidade.

O primeiro nível de análise da entonação na fala seria os movimentostdetF0. Segundo os estudos conduzidos pelo IPO (t' HART-COLLIER-COHEN, 1990), dentre todos os movimentos de pitch19 presentes na fala, somente alguns são percebidos pelos falantes de uma

17 O conceito de unidade informacional será visto adiante. No entanto, antecipa-se que cada divisão interna do enunciado (exceto aquelas causadas por disfluências e escansões) corresponde sempre a uma unidade informacional.

18 F0, ou frequência fundamental, é um “termo derivado do estudo da física do som e usado na fonética acústica, indicando o componente de frequência mais baixa em uma onda sonora complexa (os outros componentes são conhecidos como a “harmônica”). A frequência se refere ao número de ciclos completos (movimentos de abrir e fechar) da vibração das cordas vocais em uma unidade de tempo (por segundo). A noção de “fundamental” ou F0, é de particular relevância para o estudo da entonação, onde mostra uma correspondência consideravelmente próxima com os movimentos de pitch envolvidos. É medido em hertz (Hz), que substitui o antigo “ciclos por segundo” (CRYSTAL 1988).

19 O pitchté um termo que "indica um ponto em uma escala da sensação auditiva. Trata-se de um traço fonético correpsondente, até certo grau, ao traço acústico de freqüência" (CRYSTAL, 1988). Segundo t' HART, COLLIER e COHEN (1990), movimentos de pitch estão associados principalmente a movimentos de F0,

língua: aqueles que são produzidos pelo locutor de forma intencional (ainda que inconsciente). Essa questão pode ser ilustrada pelo exemplo abaixo, em que será dado destaque aos movimentos de F0.

Exemplo (2.14) – bfamdl04

*SIL: [29] deu palpite nenhum //=COM=

Figura 2.8 – Movimentos de F0 do enunciado (2.14)

A Figura 2.8 mostra, na tela do programa Praat (http://www.praat.org/)20, os movimentos de F0 do enunciado (2.14). Já as Figuras 2.9 e 2.10 mostram sínteses, realizadas no Praat, que simplificam a curva de F0 original eliminando, ora movimentos intencionais e ora movimentos não intencionais de (2.14)21. Na Figura 2.9, estão presentes somente os movimentos intencionais de F0 do enunciado original e, na Figura 2.10, foram removidos alguns de seus movimentos intencionais. Ouvindo os exemplos, é evidente que a eliminação dos movimentos não intencionais não causa diferença de percepção na curva melódica do trecho. Já a eliminação dos movimentos intencionais faz com que o falante de Português Brasileiro note uma diferença significativa em relação ao exemplo original.

mas também a outros parâmetros prosódicos como duração, alinhamento e frequência.

20 Para que se tenha uma melhor compreensão das funcionalidades desse programa, consultar o ANEXO E, dedicado ao Praatte que explica como ele foi utilizado nessa pesquisa.

21 A metodologia desenvolvida pelo IPO para a identificação de movimentos voluntários e involuntários baseia- se justamente na realização de sínteses em que os movimentos de F0 são simplificados e em testes de percepção para averiguar quais das sínteses são percebidas como idênticas as originais. As sínteses que não causam diferenças de percepção são chamadas de closetcopies e os movimentos de F0 que foram eliminados na sua realização são os movimentos involuntários.

Figura 2.9 – Movimentos intencionais de F0 do enunciado (2.14)

Figura 2.10 – Síntese que elimina alguns dos movimentos intencionais de F0 do enunciado (2.14)

Considerando os movimentos de pitch produzidos de forma voluntária, as pesquisas do IPO mostram ainda que existem classes de movimentos que são avaliados da mesma forma pelos falantes. Note-se que essa avaliação não é feita com base na função que as classes movimentos assumem na articulação da informação no enunciado, mas simplesmente com base na percepção da curva melódica do enunciado.

As classes teóricas de movimentos, chamadas de perfístprosódicos,t constituem o segundo

nível de análise da entonação.tOs perfís podem ser formados por movimentos similares (A,

A', A''), configurações de movimentos (A+B, C+D) e movimentos compostos por partes opcionais e obrigatórias (a+A+b, B+a, A'+D+c).

A Figura 2.11 – correspondente à locução "a mãe da Fafica", do enunciado (2.15) – exibe uma configuação de movimentos prosódicos composta por um movimento opcional "a" (em traços finos), por um movimento obrigatório “A” (em traços grossos) e por um movimento opcional

"b" (também em traços finos).

Exemplo (2.15) – bfamcv02

*TER: [102] a mãe da Fafica / vai dar / o fogão //

Figura 2.11 – Configuração de movimentos de F0 da locução "a mãe da Fafica" do enunciado (2.15)

A Figura 2.12, por sua vez, mostra a configuração de movimentos prosódicos referente ao conteúdo locutivo "no norte de Minas" do enunciado (2.16). Como pode ser observado na figura, o perfil prosódico desse conteúdo locutivo é composto por um movimento opcional "b" (em traços finos) seguida de uma parte obrigatória “A” (em traços grossos) e outra parte obrigatória "B" (em traços mais finos). As configurações de movimentos prosódicos dos dois exemplos têm o mesmo perfil prosódico, o que significa dizer que são percebidos pelos falantes nativos do Português Brasileiro como sendo de uma mesma classe.

Figura 2.12 – Configuração de movimentos de F0 da locução "no norte de Minas" do exemplo (2.16)

*MAI: [3] no norte de Minas / existia um / &su [/1] meio aparentado com a minha esposa //

De acordo com os estudos desenvolvidos pelo LABLITA, as configurações de movimentos que compõem cada perfil podem ser formadas de:

a) um ou dois movimentos relevantes de F0;

b) uma porção opcional chamada preparação, anterior ao movimento relevante; c) uma porção opcional chamada coda, posterior ao movimento relevante;

d) uma porção opcional chamada ligação, tlocalizada entre o primeiro e o segundo movimentos relevantes.

Até agora, viu-se que movimentos de F0 e configurações de movimentos podem ser avaliados de uma mesma forma pelos falantes, formando classes teóricas de movimentos chamadas de perfistprosódicos. Todavia, é frequente que um enunciado seja composto por uma combinação de perfís prosódicos, e não por somente um deles22.

Com base na observação sistemática de enunciados extraídos de corpora, as pesquisas do LABLITA mostram que os diversos perfís prosódicos de uma língua dividem-se com base em propriedades distribucionais e funcionais, formando classes de perfís chamadas de unidades t tonais23. Uma unidadettonal seria, então, uma classe de perfil prosódico com características específicas funcioanais e distributivas24.

Considerando que (a) os enunciados podem ser formados por mais de um perfil prosódico e (b) os perfís prosódicos se distinguem em função de propriedades distributivas e funcionais dentro do enunciado, existiriam então, para cada língua, modelos de composição de 22 Esse é o caso, por exemplo do enunciado (2.15), formado pela configuração de movimentos presente na

Figura 6 e também por outras configurações correspondentes ao restante do enunciado.

23 Imagine-se, por exemplo, um perfil prosódico de tipo "X" que (a) do ponto de vista distributivo, é obrigatório e pode localizar-se em qualquer posição do enunciado e (b) do ponto de vista funcional, presta-se à realização da ilocução. Da mesma forma, imaginem-se os perfís prosódicos "Y" e "Z" que, embora sejam percebidos de forma diferente no plano entonacional, possuem as seguintes características em comum: (a) do ponto de vista distributivo, são opcionais e podem localizar em posições variadas no enunciado, mas nunca ao seu início; (b) do ponto de vista funcional, regulam a interação entre os falantes. Assim, o perfil "X" pertenceria a uma classe de perfís e os perfís "Y" e "Z" pertenceriam a outra classe.

24 Cabe notar que a noção de unidade tonal de Cresti (2000) difere-se daquela de Crystal (1975), difundida na literatura linguística. Para a primeira, a unidade tonal está associada a características funcionais e distributivas dentro de um perfil prosódico. Para Crystal, a unidade tonal seria simplesmente a porção de fala delimitada por duas quebras prosódicas.

enunciado. Esses modelos seriam as possíveis combinações de perfís prosódicos que uma língua admite levando-se em conta as restrições distributivas e funcionais de cada classe de perfil. Cada modelo composicional de enunciado é chamado de padrãottonal te esse seria o

terceiro nível de análise da entonação na TLA.

Assim, com base em Cresti (2000; 2008), existem as seguintes classes funcionais de perfis:

a) unidades nucleares (root25), chamadas de comment, necessárias e suficientes à realização de

um padrão;

b) unidades opcionais e de subordinação melódica (prefix), chamadas de topic, as quais devem vir anteriormente às unidades nucleares;

c) unidades opcionais e de subordinação melódica (sufix) à uma unidade root tou a uma unidade prefix, as quais posicionam-se após a unidade a que são subordinadas;

d) unidades variadas (parenthesis, introducer, auxiliary), subordinadas melodicamente e com características funcionais e distributivas variadas, as quais serão explicadas logo adiante.