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3 O TÓPICO NA LITERATURA LINGUÍSTICA

3.5 O tópico na Teoria da Língua em Ato

Na Teoria da Língua em Ato, o Tópico é uma das possíveis unidades informacionais de um enunciado. Assim como as demais unidades informacionais previstas pela TLA, o Tópico é definido com base em três critérios: funcional, distribucional entonacional. A presente seção destina-se a descrever a unidade de tópico de acordo com cada um desses critérios.

3.5.1tFunção

Do ponto de vista funcional, o Tópico exerce uma contextualização de natureza semântica e cognitiva para a ilocução que se realiza no comentário, distanciando-a do contexto situacional – linguístico e extralinguístico – de produção do enunciado. Essa característica pode ser observada no exemplo abaixo:

Exemplo (3.18) – bfamcv01

*GIL: [2] <ô /=CNT= mas> /=DCT= voltando à questão /=TOP= falando em [/2]=EMP= e também falando em povo mascarado /=TOP= esse povo do Galáticos é muito palha /=COB= eu acho que es nũ deviam mais participar /=COM= e <tal> //=UNC=47

*LUI: [3] <não> //=COM= *LEO: [4] <não> //=COM=

*LUI: [5] <eu acho não> //=COM= *LEO: [6] <com certeza> //=COM=

*LUI: [7] <com certeza es nũ vão participar /=COM= uai> //=PHA= *LEO: [8] <eles são piores do que o> Durepox //=COM=

*EVN: [9] é /=CMB= pois <é> //=COM=

*LUI: [10] <agora> manda uma barrinha <minha> //=COM=

*EVN: [11] <porque o Durepox> /=TOP= pelo menos jogava bola //=COM=

47 A sigla “UNC” é usada, no formato de transcrição adotado pelo C-ORAL-BRASIL, para referir-se a unidades prosódicas cuja função informacional não pôde ser detectada por motivos diversos. Nesse caso, a

Figura 3.1 – Tópico do enunciado [11] do exemplo (3.18)

Esses enunciados pertencem a um texto em que organizadores de um campeonato de futebol discutem a respeito da última edição do torneio e sobre uma eventual próxima edição. Durante a conversa, um dos falantes afirma que, em sua opinião, um time de nome Galáticos, o qual participou do último campeonato, não deveria ser convidado para edições futuras do evento devido à falta de esportiva de seus jogadores. Assim, o participante EVN realiza o enunciado [11], comparando o Galáticos a outro time chamado Durepox. Apesar de o Durepox ter sido mencionado logo antes do enunciado em questão, alguns dos participantes ainda têm sua atenção voltada ao time Galáticos, sobre o qual se expressaram com eloquência. Sendo assim, dado o contexto de realização do enunciado, é o conteúdo expresso em tópico que faz com que a pertinência da asserção “pelo menos jogar bola” seja o time Durepox – e não o Galáticos.

Nesse ponto, é importante ressaltar que, de acordo com a TLA, a noção de tópico não coincide com a de sujeito, como seria possível pensar com base no exemplo (3.18), nem com a de qualquer outro argumento verbal ou constituinte da oração. Enquanto o tópico é uma noção pertencente à diamesia falada e serve para explicar a estruturação da informação no enunciado, o sujeito é uma unidade própria da diamesia escrita, necessária à predicação (CRESTI, 2005a)48. Por esse motivo, constituintes que se localizam em unidades informacionais diferentes não devem ser vistos, em nenhuma hipótese, como argumentos de um mesmo verbo ou como pertencentes à mesma oração.

3.5.2tEntonação

Do ponto de vista entonacional, o tópico tem perfil de prefix49 e apresenta um núcleo informacional ou dois semi núcleos informacionais. O núcleo é a parte necessária à atribuição 48 Segundo Cresti (2005a), é possível encontrar frases na fala e enunciados na escrita. Todavia, isso não implica

que uma diamesia possa ser analisada com os critérios da outra. 49 't HART-COLLIER-COHEN (1990).

da função à unidade de Tópico. No caso do Tópico possuir um núcleo, a unidade pode conter também uma preparação. No caso de possuir dois semi núcleos, pode-se ter uma preparação e uma porção de ligaçãotentre os semi núcleos. Até agora, não foram encontradas unidades de Tópico que contivessem coda.

O Tópico pode ser realizado de acordo com quatro formas entonacionais (SIGNORINI, 2005; RASO-MORAES-MITTMANN-ROCHA, em preparação), sendo uma delas encontrada até então exclusivamente no Português Brasileiro (RASO-MORAES-MITTMANN-ROCHA, em preparação). Para um aprofundamento do conceito de forma entonacional e para uma descrição das quatro formas entonacionais de Tópico, veja-se a seção 5.2.1.

3.5.3tDistribuição

No âmbito distribucional, o Tópico caracteriza-se por localizar-se à esquerda da unidade de comentário (mas não necessariamente adjacente à mesma), podendo também ser precedido por outra unidade de tópico ou por outra unidade informacional. No exemplo (3.18), a unidade de Tópico encontra-se imediatamente antes da unidade de Comentário. Já em (3.19), tem-se uma configuração com muitos tópicos: o segundo deles é precedido de uma unidade de Parentético, enquanto o terceiro e o quarto são precedidos por unidades de Tópico.

Exemplo (3.19) – bfamdl02

*BAL: [101] porque <se eu for> empregado /=TOP= por exemplo /=PAR= alguém vê que eu sou muito foda /=TOP= <medo> de perder /=TOP= <o posto> <deles /=APT= es vão [/2]=EMP= es vão> me dizar /=COM= <né> //=PHA=

Figura 3.2 – Tópicos, Parentético e Apêndice de Tópico do enunciado (3.19)

está dentro do círculo pequeno e o Apêndice de Tópico está dentro do duplo círculo pequeno. 3.5.4 Tópicos simples, Tópicos complexos e Tópico Subordinador (TOP_s)

Segundo a TLA, existem Tópicos simples e Tópicos complexos. O Tópico simples é composto por apenas uma unidade de Tópico, como pode ser observado no exemplo (3.18). São de tipo complexo as configurações formadas por mais de um Tópico, ou uma unidade de Tópico seguida de Apêndice de Tópico (3.19). A Figura 3.3 destaca o último Tópico e o Apêndice de Tópico do exemplo (3.19).

Figura 3.3 – Tópico e apêndice de tópico presentes no exemplo (3.19)

Outra configuração possível para os Tópicos complexos é a dita ListatdetTópicos t(=TPL=). Nesse tipo de estrutura, encontrada tanto em Português Brasileiro quanto em Italiano, tem-se uma série de unidades coordenadas semanticamente de forma a funcionar como um único Tópico. Dessa forma, uma Lista de Tópicos funciona com um único Tópico, o qual faz referência a uma única unidade de Comentário (ou a um único padrão de Comentários Ligados ou Comentários Múltiplos). Em uma Lista de Tópicos, somente o último Tópico apresenta as propriedades entonacionais características dessa unidade informacional.

Uma última configuração possível de Tópicos, presente tanto em Italiano quanto em Português Brasileiro, é aquela encabeçada por um Tópico Subordinador e por Tópicos Subordinados. Nesse caso, tem-se, em primeiro lugar, um elemento com propriedades entonacionais de Tópico, mas cujo conteúdo semântico não funciona, sozinho, como âmbito de aplicação da força ilocucionária do Comentário. Esse elemento é integrado por uma sequência de elementos subordinados ao mesmo. O enunciado

Exemplo (3.20) – bpubdl10

momento de sala de aula / que às vezes a questão /=TOP_s= do currículo /=TPL(1) mesmo /=APT= da sua matéria /=TPL(2) da [/1]=EMP= <do> desenvolvimento /=TPL(3) <da prática> /=TPL(4) fica em segundo lugar //=COM=

Figura 3.4 – Tópico subordinador e demais Tópicos do enunciado (3.20)

Exemplo (3.21) – bfamdl04

*SIL: [235] dez e meia /=TPL(1)= onze hora /=TPL(2)= meia-noite /=TPL(3)= desliga a televisão /=CMM= tudo que tiver lá dentro do seu quarto //=CMM=

Figura 3.5 – Tópico subordinador e demais Tópicos do enunciado (3.21)

3.5.5tCorrelatostmorfossintáticostdottópico

Apesar de ser grande o número de expressões que podem desempenhar a função de Tópico, Firenzuoli e Signorini (2002) e Cresti (2000) assinalam a existência de correlatos morfossintáticos na formação desse tipo de unidade informacional no Italiano. As investigações conduzidas por Alves de Deus (2008) e Raso et t ali t(2007), no âmbito do Português Brasileiro, mostram haver grande semelhança entre as duas línguas no que se refere a esses padrões. Por outro lado, estudos preliminares do Português Brasileiro indicam que essa língua apresenta uma maior quantidade de Tópicos verbais e de configurações possíveis50 50 MITTMANN (em preparação) descreve padrões exclusivos do Português Brasileiro como: (a) enunciados

em relação ao Italiano.

Segundo Firenzuoli e Signorini (2002), 76% dos Tópicos simples são compostos por expressões nominais. Dentre elas, as principais são sintagmas nominais (71,9% das ocorrências), sintagmas preposicionais (26,3% dos casos) e, muito menos frequentes, sintagmas adjetivais (1,8%). A baixa ocorrência de sintagmas adjetivais é explicável pela existência de restrições quanto à formação de Tópico por expressões que exprimam puramente modalidade ou atribuição (SIGNORINI, 2004a).

As autoras mostram que, dentre os Tópicos simples com formas verbais (24% das ocorrências), 79% dos casos constituem premissas de valor temporal ou causal ao comentário ao qual correspondem (se-frase; quando-frase).

Por fim, Signorini (2004a: p. 10) evidencia que há restrições semânticas para a construção dos Tópicos. Assim como eles têm a função de instaurar um âmbito de aplicação da força ilocucionária de um comentário, não podem ser constituídos somente por advérbios ou advérbios de avaliação. Devem, por outro lado, ser preenchidos por elementos referenciais que indiquem a existência de um determinado indivíduo ou evento. Sendo assim, o Tópico deve ser necessariamente referencial, não podendo ser simplesmente avaliativo.