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3 AS CONCEPÇÕES DE LEITURA E SEUS OS MODELOS DE AÇÃO NO

3.1 Os modelos de leitura

3.1.1 O modelo mecanicista

A primeira concepção de leitura que iremos abordar é a proveniente do modelo mecanicista que, segundo Chartier (2001), é o mais antigo, tendo sido criado na antiguidade clássica pelos gregos e romanos. O modelo mecanicista de leitura pode ser caracterizado pela perspectiva ascendente (bottom up), ou seja, parte das unidades menores para as unidades maiores da língua. De acordo com esse modelo deve-se, primeiramente, decorar o alfabeto para, posteriormente, aprender a soletrar e, por último, decodificar palavras isoladas, frases até chegar se chegar ao texto.

O modelo mecanicista de leitura tem as suas bases teóricas ficadas na psicologia behaviorista e no estruturalismo americano de Bloomfield. Os seus defensores concebem a linguagem como um sistema fechado e autônomo, constituído de componentes não relacionados entre si, em que a palavra está diretamente relacionada ao seu referente no mundo. Por sua vez, a aprendizagem é concebida como um processo repetitivo, mecânico, em que se privilegia a técnica de ler em detrimento da construção da compreensão e da significação do texto.

De acordo com Braggio (1992), o método fônico de alfabetização, proposto por Bloomfield, é proveniente dessa concepção de linguagem e de aprendizagem, influenciando a construção de atividades de leitura até hoje. Embora Bloomfield tenha contribuído para fazer da linguística uma ciência autônoma, ele e seus seguidores consideravam que a análise linguística deveria rejeitar dos dados tudo aquilo que não pode ser mensurável ou observável. Dentre os dados que devem ser desconsiderados, localiza-se o componente semântico. Essa perspectiva de análise fez com que o componente gramatical fosse sobreposto ao componente semântico, sendo, até mesmo, concebido de forma independente deste.

Do ponto de vista bloomfieldiano, o processo de aquisição da linguagem oral é visto como a formação de um hábito cujos resultados se dão através da repetição de um modelo. Nessa perspectiva, a criança só aprende a falar se for exposta aos estímulos do ambiente, devendo repetir exaustivamente os sons que ela ouve. Da mesma forma, a aquisição da linguagem escrita é também vista como um processo mecânico, no qual a criança, primeiramente, deve internalizar os padrões de correspondência entre som e soletração para, posteriormente, compreender o sentido das palavras.

Segundo esta concepção, as operações grafo-fonológicas seriam a única via de acesso ao significado. De acordo com esse paradigma, a prática de ensino da leitura deveria pautar- se, fundamentalmente, no estabelecimento de correspondências entre som e grafia. Este método, nas suas diversas variantes, parte, primeiramente, do estudo dos elementos mais simples como os grafemas e as sílabas, para, posteriormente, acessar as estruturas mais complexas como as palavras, as frases e os textos.

Para essa perspectiva teórica, o ser humano é concebido abstratamente e de forma idealizada, sendo entendido como um ser isolado da sociedade, passivo, acrítico, isto é, incapaz de experimentar contradições internas, de mudar a si ou a sociedade na qual está ele

inserido. Para os estudiosos que se ancoram a esse modelo, a sociedade também é idealizada, abstrata, estática, homogênea e, portanto, vazia de valores antagônicos e da luta de classes.

A prática de ensino, ancorada nesse modelo de leitura, baseia-se na herança behaviorista, desenvolvendo-se a partir de exercícios formais que consistem na segmentação das palavras em frases artificiais, na localização e identificação de elementos linguísticos no texto, desconsiderando o significado, o contexto socio-histórico e as interações comunicacionais. As atividades de compreensão de texto se configuram pela repetição exaustiva de um modelo, trabalhando com textos fragmentados, descontextualizados e frases artificiais, com o objetivo apenas de ensinar as regras gramaticais, sem a necessidade de compreender e questionar as ideias expostas no texto.

O leitor não tem participação na construção das significações, assim não interessa o seu posicionamento. Ele é concebido como acrítico, ou seja, não é levado em consideração seu conhecimento anteriormente adquirido. O trabalho com a língua enfatiza o estudo das regras normativas, a partir de frases artificiais e descontextualizadas, excluindo o significado, as situações comunicativas e os objetivos dos sujeitos envolvidos no processo da leitura.

Tal concepção tem um caráter bastante limitado, podendo trazer sérios riscos para a prática de ensino, na medida em que ela não demonstra a relação existente entre leitor e texto no momento da leitura, além de não explicar fenômenos como o uso de inferências e a formulação de hipóteses utilizadas pelo leitor para construir o sentido daquilo que lê. Sob este prisma teórico, considera-se um bom leitor aquele que compreende o que ler somente porque tem a capacidade de decodificar completamente o texto.

Conforme Kleiman (1993), a realização da leitura, para essa concepção, caracteriza-se por um fluxo unidirecional de informações, no qual o estímulo parte do texto para o leitor. Este, por sua vez, decodifica o texto, a partir de uma sequência pré-estabelecida de eventos perceptuais, que vão desde a percepção de elementos grafofônicos até a unificação destes elementos que formam as frases. Embora esse modelo não faça referência à função do contexto, podemos inferir que a sua influência é desconsiderada.

Para Leffa (1996), a prática de ensino que se ancora aos preceitos desse modelo de leitura situa o texto como a fonte única e acabada de informações da qual o leitor deve extrair o significado. A leitura, nessa perspectiva, deve ser cuidadosa e acompanhada do dicionário, para que o leitor descubra o significado das palavras que ele desconhece, não levando em

consideração possíveis inferências que ele possa empreender para construir o significado. Essa prática de leitura limita as possibilidades de interação entre o leitor, o autor e o texto, uma vez que, para ser compreendido, o texto precisa apenas ser decodificado, não havendo a necessidade de estabelecer relações intertextuais e extratextuais para a construção do significado.

Apesar da virada teórica pela qual vem passando o ensino e a aprendizagem de línguas no país desde a década de 1990, com as orientações divulgadas nos PCN, as quais situam o texto como unidade básica de ensino, essas estratégias ascendentes ainda podem ser observadas tanto na prática em sala de aula dos professores como também nos livros didáticos, desde os mais antigos aos mais recentes.

Adotar os pressupostos teóricos da concepção de leitura mecanicista dificilmente contribuirá de forma positiva para a formação de leitores críticos, capazes de interagir com o texto na construção de novos sentidos, pois ela reforça a prática de silenciamento dos alunos, na medida em que desconsidera a sua participação na construção dos sentidos. O modelo psicolinguístico de leitura, apesar de ainda apresentar algumas inconsistências teóricas, privilegia a participação ativa do leitor, opondo-se desse modo, à concepção mecanicista de leitura. É sobre ele que iremos tratar na próxima seção do nosso texto.