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O movimento T em Portugal: da primeira associação à primeira conquista

3. Transexualidade e transgénero em Portugal: Uma abordagem contextual

3.3. Movimento associativo

3.3.2. O movimento T em Portugal: da primeira associação à primeira conquista

Em Portugal o activismo relacionado especificamente com a identidade de género é muito recente. Esta situação tem a ver com a própria história e dinâmica do movimento LGBT nacional, o qual era praticamente inexistente antes de 1991 (Vale de Almeida, 2010: 55). Num momento em que o movimento lutava pela sua própria constituição, e com o número e disponibilidade para o activismo diminutos (tendência que se acentua consideravelmente ao nível do T), o movimento LGBT centrou a sua intervenção na problemática da orientação sexual, relegando para segundo plano, ou mesmo ignorando, a identidade de género. Aliás, a própria designação das estruturas LGBT, fundadas nos anos 1990, é reveladora dessa situação: Grupo de Trabalho Homossexual do PSR (1991), International Gay and Lesbian Association, actual Intervenção Lésbica, Gay, Bissexual e Transgénero – ILGA Portugal (1995) e Opus Gay (1997). Uma leitura das reivindicações prioritárias do movimento, plasmadas em forma de “Dez Mandamentos” num documento elaborado, já em 1998, por estas três associações, mais a Abraço (retirado de Moita, 2001: 136), permite confirmar que a identidade de

253 http://tgeu.net/.

254 Pode ser consultado em http://www.transrespect-transphobia.org/. 255

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género nunca é explicitamente referenciada e mesmo uma das categorias que contempla (transexuais) só surge na modalidade da elecagem por extenso da sigla:

1. Explicitação no artigo 13º da Constituição Portuguesa da orientação sexual como um dos critérios pelos quais ninguém pode ser discriminado;

2. Legalização das Uniões de Facto, sem qualquer discriminação sexual;

3. Educação sexual nas escolas, que exponha a pluralidade das opções sexuais e afectivas; 4. Ensino nas escolas de história dos gays, lésbicas, bissexuais e transexuais;

5. Não discriminação no direito ao trabalho;

6. Não discriminação no acesso aos cuidados de saúde e garantia de confidencialidade de dados clínicos e pessoais;

7. Não discriminação dos gays e lésbicas como dadores de sangue; 8. Direito à adopção;

9. Não discriminação na atribuição e regulação do poder paternal;

10. Possibilidade de concessão de asilo político por perseguição baseada na orientação sexual.

Embora não se saiba ao certo quantas pessoas transexuais e transgénero existem em Portugal, elas serão bastante minoritárias relativamente às que têm uma orientação sexual fora da heterossexual, constituindo uma minoria dentro de uma minoria. Talvez por isso a sua voz no interior do movimento256 seja, proporcionalmente ao seu número, também bastante minoritária. Arriscamo-nos a dizer que, pelo menos até ao início de 2006, para o movimento, o “T” era frequentemente apenas um acessório na sigla LGBT257.

Daquilo que foi possível reconstituir, até 2002, altura da constituição da primeira associação

especificamente dirigida à temática  a ªt., Associação para o Estudo e Defesa do Direito à Identidade

de Género258 foram apenas realizadas algumas iniciativas no âmbito da Associação Abraço259, e mais tarde da ILGA Portugal, sobretudo impulsionadas por aquela que viria a ser a fundadora e presidente da ªt. Nomeadamente, no final dos anos 1990, uma carrinha de distribuição de preservativos que fazia o roteiro dos locais de prostituição trans e um inquérito de caracterização da população trans e das suas práticas na área da saúde.

A entrada mais visível e formalizada do activismo T em Portugal surge então já no presente milénio, com a constituição de uma associação especificamente dirigida à temática da identidade de género. Durante o período da sua actividade, a ªt. foi a representante portuguesa na TransGender Europe.

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O próprio movimento LGBT no seu conjunto, em Portugal, está a uma “longa distância” do desenvolvimento dos movimentos LGBT noutros países, nomeadamente em termos da participação cívica. Para uma análise pormenorizada do mesmo, veja-se os trabalhos que têm vindo a ser desenvolvidos por Ana Cristina Santos nesta matéria, nomeadamente, 2003, 2004 e 2005.

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Não foram raras as vezes que assistimos, com frustração, no período de germinação desta pesquisa, a iniciativas do movimento associativo português, que na sua apresentação remetiam para a temática LGBT e não apenas para a orientação sexual, e em que as únicas ocasiões em que ouvíamos o T, era quando a sigla era referida por extenso.

258

Cf. o sítio da associação, ainda acessível em http://a-trans.planetaclix.pt/.

259 A Associação Abraço bem como mais genericamente a temática que ela representa, o combate à sida ,

teve um papel decisivo na fundação do movimento LGBT em Portugal (cf. Santos, 2005; Cascais, 2006; Vale de Almeida, 2010), sendo nela que se formaram para o activismo, o fundador da Associação ILGA Portugal, Gonçalo Dinis, para além da fundadora da ªt., Jó Bernardo.

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A (curta) história da ªt., que viria a extinguir-se em 2007, confunde-se e é indissociável da história da sua fundadora e única presidente, Jó Bernardo. Na entrevista realizada no âmbito desta pesquisa, Jó Bernardo conta que a associação nasceu da necessidade sentida de institucionalizar um trabalho que já era feito, especialmente por si, informalmente, no acompanhamento e encaminhamento de pessoas trans nas questões sociais, legais e médicas. Não tendo, segundo a própria, encontrado o apoio para o fazer no seio de associações LGBT já existentes, e consequentemente com uma estrutura já montada, e considerando a utilidade de ir recolhendo e sistematizando informação relativa ao apoio prestado e respectivo material, que pudesse vir a construir um património desta temática no nosso país, a associação é constituída, tendo como suporte a actividade empresarial que Jó Bernardo desenvolvia: a Esquina Cor-de-Rosa, a única livraria até hoje em Portugal especializada na temática LGBT.

Dada a escassez de recursos humanos, a associação, que surgiu, como o seu próprio nome indica, com objectivos que incluíam a reivindicação política e a investigação, acabaria por ficar, na prática, enredada nas necessidades prementes do quotidiano do apoio directo às pessoas trans que a procuravam. Com a expectativa de que às questões transgénero pudesse ser conferida maior atenção por parte das associações LGBT, uma vez que, segundo conta, era acusada de “excesso de protagonismo”, a presidente viria a demitir-se do cargo, convocando eleições. Mas esse cargo acabaria por ficar vazio, dado não ter havido ninguém a manifestar o interesse ou a reunir as condições para o ocupar, o que é indicador das dificuldades de organização colectiva das pessoas com estas expressões de género. Assim, e após um ano de impasse em que as tomadas de posição públicas da associação apareciam frequentemente em parceria com outra estrutura LGBT, as Panteras Rosa, viria mesmo a extinguir-se formalmente, em Dezembro de 2007, “em virtude da sua actual inactividade”260. O património documental entretanto acumulado foi doado à Abraço e permanece nas instalações desta associação sem que lhe fosse dado, até ao momento, qualquer tratamento ou serventia.

Na avaliação retrospectiva da sua principal responsável, a existência da ªt. pode ter tido o efeito perverso de desresponsabilizar as associações LGBT, que entretanto foram ganhando força e expressão, das questões relacionadas com o T da sua sigla: “E eu cometi o maior erro da minha vida que foi criar a associação ªt., porque no momento em que criei a associação, se os movimentos LGBT já não se sentiam sensibilizados para discutir a questão T, desresponsabilizaram-se totalmente” (Jó Bernardo). Pese embora se possa, efectivamente, admitir que a existência de uma associação especificamente direcionada para a identidade de género tenha tido efeitos na assunção (ou não) do T pelas associações LGBT, o que é também realidade é a marca significativa e incontornável que a associação/livraria/Jó Bernardo (na verdade elas muitas vezes se confundem como se de uma só instância se tratasse) deixou em parte da população trans (tendo em conta a geração e a expressão de género). Para além do trabalho de bastidores de apoio directo às pessoas trans, que não teria grande visibilidade, as notícias surgidas na comunicação social e a existência de um espaço comercial aberto

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ao público deram a conhecer a associação e/ou a livraria que funcionava na prática como a sua sede e a pessoa que a dirigia, que se assumia publicamente como transexual. Pela primeira vez na sociedade portuguesa, estavam assim identificadas uma pessoa, um espaço e uma estrutura a quem recorrer no contexto nacional quando da identidade de género se tratasse. A frequência do espaço da livraria, onde se podia estar e conviver, entre pares e sem discriminação, é relatada e recordada com bastante saudade por uma parte das pessoas trans com quem contactámos, para quem não surgiu nenhum espaço que pudesse ser considerado seu sucessor.

Como referimos logo na introdução deste trabalho, o “despertar” mais generalizado do movimento LGBT para as questões de identidade de género terá acontecido após o trágico acontecimento que foi a morte, em Fevereiro de 2006, de Gisberta Salce Júnior261, cidadã transexual brasileira a viver há longos anos em Portugal, e que, provavelmente pela barbaridade do episódio, teve grande eco na comunicação social nacional e até internacional. Este brutal incidente deu origem a várias iniciativas do movimento trans internacional, nomeadamente através da TGEU, que, em coordenação com a associada ªt., disponibilizou informação e notícias da imprensa sobre este assunto no tgeu.net em várias línguas e promoveu, em toda a Europa, um pedido de envio de cartas de protesto às autoridades portuguesas. Em consequência desse trabalho houve grupos a organizarem vigílias por Gisberta em vários países dentro e fora da Europa (houve, por exemplo, um deles organizado na Austrália) e foi ainda produzido o documentário “Gisberta Liberdade”, exibido em Portugal e no exterior. O assassínio de Gisberta é frequentemente o caso escolhido, em documentos internacionais, para ilustrar a violência a que as pessoas trans estão sujeitas e a consequente necessidade da sua protecção262.

Em Fevereiro de 2007 a ªt. lança a campanha “Não temos vergonha de sermos transgéneros, transexuais, amig@s, companheir@s ou simpatizantes!”, num misto de homenagem a Gisberta e de reivindicação dos direitos das pessoas de expressão trans. Constitui também, como se percebe pelo seu mote, e como é claro no texto de apresentação da campanha, uma exortação à visibilidade da temática, apenas considerada possível de concretizar através da visibilidade das próprias pessoas com estas identidades de género e, simultaneamente, uma recusa de políticas ou estratégias de ocultação:

“NÃO TEMOS VERGONHA! Dois anos decorridos sobre o assassinato da Gisberta, inicialmente, alvo dos actos inqualificáveis de adolescentes e, posteriormente, vítima do preconceito e da discriminação social e institucional que culminou no lamentável desfecho do caso, como se de um crime menor se tratasse, com o beneplácito de muit@s e a indiferença de muit@s outros, achamos que a memória da Gisberta merece que nos ergamos e que demonstremos que existimos, que somos cidadãs e cidadãos deste País, e que não temos que ter vergonha de sermos quem somos ou de sermos como somos. Em homenagem às Gisbertas e aos Gisbertos, que alguma vez sentiram na pele a discriminação com base na identidade do seu género psicológico, está na hora de mostrarmos que não temos vergonha de sermos Transgéneros e/ou Transexuais, amig@s, companheir@s ou simpatizantes e recusaremos, SEMPRE,

261 À semelhança do que a morte de António Variações terá sido para a luta contra a Sida e os incidentes de

Aveiro para a homofobia.

262 Veja-se, por exemplo, Eva Fels (2006), “Development of TransGender-Politics in Europe”, em

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pertencer a qualquer grupo, conjunto ou comunidade que aceite ser definida ou se autodefina como "oculta" ou "invisível".” (http://naotemosvergonha.blogspot.com/)

O interesse a nível nacional e internacional, que a morte de Gisberta suscita, com a consequente procura por parte da comunicação social de declarações e posições das associações LGBT, terá contribuído significativamente para uma nova atitude e um novo interesse destas estruturas pelas questões relacionadas com o T da sua sigla.

No entanto, no momento, a reacção do movimento associativo ofereceu a possibilidade de constatar o desconhecimento de parte considerável das associações LGBT portuguesas acerca da transexualidade. Assim, imediatamente após a notícia da morte de Gisberta, surgiram comunicados de imprensa263 das associações que se referiam ao episódio como um crime motivado pela homofobia, sem qualquer menção à transfobia, ou, o que será ainda mais ilustrativo, que qualificavam a vítima como “travesti” ou até “homem travesti”, com o consequente tratamento no masculino. Não temos dúvidas de que a “leitura” teria sido substancialmente diferente no presente.

Nas entrevistas realizadas no âmbito desta pesquisa, durante o ano de 2009, a representantes de associações e grupos LGBT (alguns até com um âmbito de intervenção mais alargado, na área da igualdade de género e de direitos sexuais)264, a pedra de toque que constituiu o evento da morte de Gisberta no despertar para as questões ligadas à identidade de género em Portugal foi unanimemente reconhecida: “(…) para mim é claríssimo que o processo histórico do que é o activismo T em Portugal, infelizmente é a morte da Gisberta que o provoca, apesar da at. existir antes, mas a at. não se conseguiu estruturar e acabou por morrer antes da morte da Gisberta.” (não te prives - Grupo de Defesa dos Direitos Sexuais). O actual presidente da maior associação LGBT nacional, a ILGA Portugal, refere que “É claro que o caso Gisberta foi marcante, não é? Há um antes e um depois, porque precisamente tornou particularmente visível o défice de informação que havia em relação à transexualidade, o peso da discriminação, e isso também é necessariamente um catalisador, que obriga a uma intervenção mais forte, e alerta mais pessoas para essa necessidade de intervenção. É evidente que esse foi um caso marcante, determinante também para a nossa intervenção, isso sem dúvida.”. Também o representante da Opus Gay considera que “O assassinato da Gisberta é um marco. É um marco pela violência do ataque, pela forma como foi tratado pela imprensa, pela forma como foi visto pela opinião pública e pela forma como decorreu o julgamento. Todas essas formas, erradas, más, levaram-nos a ver que havia uma outra consciência a ter.”.

No movimento LGBT pré-2006 a excepção é a rede ex-aequo  associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes, especialmente vocacionada para as questões educativas, que desde a sua fundação, em 2003, tem incorporado a identidade de género nas suas actividades. Na entrevista realizada a representantes desta associação, que incluiu para além da

263 Todos os comunicados podem ser consultados em http://portugalgay.pt/politica/portugalgay71a.asp.

264 Nomeadamente a ILGA Portugal, as Panteras Rosa, a Opus Gay, a rede ex-aequo e a associação não te prives.

Foram igualmente auscultadas as estruturas de representação especificamente T, nomeadamente a presidente da extinta ªt. e membros do GRIT – Grupo de Reflexão e Intervenção sobre Transexualidade, da ILGA Portugal.

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presidente na altura da entrevista, a sua primeira presidente, esta fez notar que a ex-aequo foi a precursora da utilização do termo “transgénero” no vocabulário do próprio movimento associativo nacional, pois até aí era sempre usada a versão de língua inglesa, “transgender”. Esta associação desenvolve, desde 2005, o “Projecto Educação LGBT”, que “visa uma intervenção educacional através da disseminação de informação sobre os temas da homossexualidade, bissexualidade e transgenerismo entre professores e alunos do 7º ao 12º ano, formadores de professores, professores estagiários e alunos do Ensino Superior”. No seu âmbito foram produzidos materiais, como “Perguntas e Respostas Sobre Orientação Sexual e Identidade de Género” e “Educar para a Diversidade: Um Guia para Professores sobre Orientação Sexual e Identidade de Género”265

. Em Dezembro de 2005, é editada a brochura educativa “Sermos Nós Própri@s”, com um capítulo dedicado ao “Transgenerismo”266

.

Mas, como referimos anteriormente, é a partir de 2006 que têm vindo a ocorrer alterações significativas a nível da atenção mais generalizada que o movimento dedica às questões relacionadas com a identidade de género. De facto, sobretudo a partir dessa altura, foi possível ir assistindo a uma sucessão de iniciativas267 especificamente sobre transexualidade e transgénero levadas a cabo pelas diversas associações LGBT nacionais, como, por exemplo, a colaboração das Panteras Rosa com a ªt. nas múltiplas iniciativas que tiveram que ver com os assassínios das duas pessoas transexuais (dois anos depois de Gisberta é encontrado numa lixeira o corpo da transexual Luna); os dois debates realizados em 2007 pela Ilga Portugal, especificamente sobre transexualidade com a participação das equipas médicas envolvidas no processo de transição clinicamente assistido; a realização de um colóquio sobre “Transexualidade em Portugal”, organizado pela Opus Gay no âmbito do encerramento do Ano Europeu da Igualdade de Oportunidades para Todos; a audiência entre a ILGA Portugal e a Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados, no sentido de demonstrar à Comissão a necessidade de uma lei de identidade de género em Portugal, em Janeiro de 2007; a acção anti- psiquiatrização em Lisboa: “Doença é o binarismo de género”, convocada pelas Pantera Rosa em Junho de 2008; a reunião de activistas LGBT com o Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa para debater as discriminações e os direitos das pessoas transexuais na Europa, onde esteve presente o GRIT da ILGA-Portugal, em Novembro de 2008; esta última é promotora do Projecto TRANSformation no âmbito do Human Rights Violations Documentation Fund da ILGA Europe, que produziu um flyer, de perguntas e respostas sobre transexualidade, entre outras iniciativas. Em Fevereiro de 2008 a ILGA Portugal apresentou um documento268 que aborda as questões legais, clínicas e sociais sobre transexualidade, elaborado em conjunto pelo Grupo de Intervenção Política (GIP) e pelo Grupo de Intervenção e Reflexão sobre Transexualidade (GRIT), que constituía a base de

265

Podem ser consultados em http://www.rea.pt/projectoeducacao.html.

266 Pode ser consultada em http://www.rea.pt/brochura.html.

267 Na cronologia que apresentamos em anexo é possível dar conta, mais exaustivamente, das várias iniciativas

(cf, anexo A).

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sustentação para o conjunto de reivindicações políticas, legais e clínicas da associação, para a área da transexualidade. Este documento visava suprir as necessidades de informação por parte dos responsáveis políticos e partidários, constatadas pelos responsáveis da associação aquando da tentativa de inclusão da “identidade de género” na legislação anti-discriminação. Significativo é também que em Maio de 2009, o espaço cedido, desde 1997, pela Câmara Municipal de Lisboa à Associação ILGA Portugal, e igualmente sede da rede ex-aequo e do Clube Safo, até aí denominado “Centro Comunitário Gay e Lésbico”, passe a designar-se, de modo mais amplo e inclusivo, “Centro LGBT”.

Esse crescendo de atenção ao T teve reflexos também ao nível organizativo interno das associações, como se pode constatar com a criação, em Abril de 2007, de um Grupo de Interesse sobre Transexualidade dentro da maior associação LGBT portuguesa, a ILGA Portugal: o GRIT – Grupo de Reflexão e Intervenção sobre Transexualidade. Segundo o testemunho dos seus representantes auscultados no decurso desta pesquisa, o GRIT foi constituído inicialmente com uma dúzia de membros, todos transexuais, e manifesta a vontade de “sobretudo, crescer – e que cada vez mais pessoas transexuais se juntem a nós nesta viagem com destino à igualdade”. Este Grupo, que sucede à ªt enquanto estrutura associativa especificamente dirigida às questões da identidade de género, apresenta em certos aspectos uma ruptura em relação à sua antecessora. Desde logo nas categorias de género que é suposto representar, dado que o GRIT, tal como o próprio nome indica, é exclusivamente dirigido à transexualidade; passando pelo género das pessoas que o constituem  inclui, contrastando com a ªt, homens transexuais e no momento da entrevista até mais homens do que mulheres; e ainda em temos geracionais  é integralmente constituído por pessoas jovens, cuja identidade de género é formada já após a introdução dos cuidados médicos de acompanhamento da transexualidade no contexto nacional, os quais frequentam. Este perfil reflecte-se nas suas preocupações e no conteúdo das suas reivindicações.

Em termos da acção de reivindicação política, tanto a ILGA Portugal, precisamente através do GRIT269, como a Opus Gay270 e activistas independentes em conjunto com as Panteras Rosa271, conceberam propostas para uma lei de identidade de género. Apesar das diferenças que podem ser encontradas nos três documentos, todos partem da inspiração e dos princípios da lei espanhola, que viria efectivamente a ter acolhimento na lei nacional.

Para além da dimensão de natureza política interessa também analisar uma outra faceta importante do movimento associativo, que é a dos recursos e serviços que são disponibilizados à população a que se dirigem e representam.

Como referido anteriormente, a ªt. acabou por funcionar, embora não por estratégia mas mais por necessidade, como um serviço de proximidade às pessoas que a procuravam: prestação de

269 Pode ser consultada em www.ilga-portugal.pt/pdfs/LIG.pdf.

270 Pode ser consultada em http://www.opusgay.org/index.php/projetos/transexualidade/425-o-reconhecimento-

legal-da-transexualidade-em-portugal.html.

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