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Panorama da prestação de cuidados de saúde

3. Transexualidade e transgénero em Portugal: Uma abordagem contextual

3.2. Cuidados de saúde

3.2.2. Panorama da prestação de cuidados de saúde

Até 1995, as cirurgias de reatribuição de sexo eram proibidas em Portugal pela Ordem dos Médicos, o que condicionava a prestação de cuidados às pessoas que manifestavam o desejo de “mudança de sexo”. Esta proibição era assim contrária quer à recomendação, de 1989, da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, no sentido de os estados membros legislarem de modo a que se reconhecesse às pessoas transexuais o direito ao processo de transição do sexo atribuído à nascença, para o que corresponde à sua identidade de género217; quer também às directrizes e protocolos para os cuidados considerados adequados para as pessoas transexuais, nomeadamente os “Standards Of Care” da WPATH, constituídos a nível internacional desde finais dos anos 1970. O discurso e as práticas médicas originárias sobretudo dos EUA, e com grande impacto noutros países europeus, entraram assim tardiamente na sociedade e na medicina portuguesas (aliás, consolidaram-se quando nos contextos de origem se tinha já iniciado o movimento da sua contestação), o que terá consequências nas gerações de pessoas trans-género que formaram a sua identidade de género na impossibilidade de acesso à referência clássica e hegemónica para as identidades trans nas sociedades ocidentais. O texto inaugural a nível clínico, no contexto nacional, surgiria já em 1987, e está incluído na colectânea, também inaugural, da Sexologia em Portugal (Gomes, Albuquerque e Nunes, 1987). Nele o psiquiatra Júlio Silveira Nunes faz uma revisão da literatura na matéria, no que se refere ao diagnóstico, avaliação e tratamento dos casos de “alterações da identidade sexual” ou “transsexualismo”218

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Dada a recente entrada da identidade de género na medicina nacional, podemos reconstruir o seu percurso através do relato dos seus protagonistas – os profissionais médicos, mas também as próprias pessoas que a eles se dirigiam motivadas por essa questão.

Numa comunicação de carácter auto-biográfico intitulada “Discurso de um percurso”, proferida no decurso das Jornadas da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, “Sexologia – Regresso ao Futuro”, em Maio de 2009, Júlio Silveira Nunes  como vimos, a primeira pessoa a publicar sobre essa matéria em Portugal , relata o primeiro caso conhecido de “transexualismo” no

217 Recomendação n.º 1117 da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, de 29 de Julho de 1989. 218

Nunes, Júlio Silveira (1987), “Alterações da identidade sexual (transsexualismo)” em Francisco Allen Gomes, Afonso de Albuquerque e J. Silveira Nunes (coords.), A Sexologia em Portugal. A Sexologia Clínica, Lisboa, Texto Editora, pp. 135-158. Posteriormente publica, já com a utilização do termo “género” em substituição do anterior “sexo”, “Perturbações da identidade de género”, em Lígia Fonseca, Catarina Soares e Júlio Machado Vaz (coords.) (2003), A Sexologia, Perspectiva Multidiscipinar I, Coimbra, Quarteto Editora.

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contexto dos serviços nacionais de saúde. Remonta ao ano de 1963, e ficou conhecido como “o caso do Paulo”219

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O “Paulo”, um homem biológico “normal”, deu entrada nas urgências do Hospital de São José, em Lisboa, com uma autoamputação do pénis. Seria depois transferido para o Hospital Júlio de Matos, pois a única razão plausível encontrada para o sucedido era a de que padeceria de um grave problema psicológico. Nas palavras do profissional de saúde, “foi o primeiro contacto com o transexualismo e foi o espanto e a frustração”. Espanto porque no início dos anos 1960 a informação acerca de homens biológicos que manifestavam o desejo (neste caso de forma dramática) de ser mulher ou, mais ainda, de sentido “oposto”, estava longe de ser generalizada e instituída como uma matéria incorporada pela medicina, a nível internacional e, ainda menos, como seria de esperar, dado o contexto sócio-político da época, a nível nacional. Frustração porque, como o próprio clínico reconhece, os profissionais médicos “não conseguiram ajudá-lo”, pese embora a primeira cirurgia de mudança de sexo mediática, a de Christine Jorgensen, contasse já com uma década. Apesar do esforço dos profissionais implicados, que incluiu o próprio Director do Hospital Júlio de Matos, e a Sociedade Portuguesa de Neurologia e Psiquiatria, não houve qualquer reacção académica ou institucional. Silveira Nunes conclui assim que, para a medicina dos anos 1960 em Portugal, “o transexualismo não existia”.

Isso mesmo foi confirmado por um dos participantes no nosso estudo, que chegou, vindo de uma das então colónias portuguesas, a meio da década de 1960, à procura de serviços de saúde que o ajudassem na “mudança de sexo”. Como o mesmo refere, “eu quando vim para Portugal andei à procura disso, mas não encontrei nada...”. E, quando se encontrava, não era bem o que se procurava:

“Eu cheguei a falar a um ou outro médico e a única coisa que me aconteceu foi tratarem-me mal, passei por muitos médicos que me trataram mal. A minha mãe chegou a levar-me a um psiquiatra, para ver o que é que se podia fazer, e o psiquiatra deu-me um tratamento qualquer, que eu rejeitei, era injectar insulina para desenvolver as formas.” (Gabriel, 63 anos)

Esta ausência de cuidados especializados iria ainda continuar por algum tempo, o que levava a que as pessoas nesta situação procurassem soluções além-fronteiras. Como relata a presidente da primeira associação especificamente dirigida à problemática da identidade de género, Jó Bernardo:

“(…) não havia médicos, não havia estruturas médicas, não havia clínicas, não havia hospitais, não havia consultas, não havia absolutamente nada. As equipas clínicas eram de uma ignorância total, de uma ignorância ainda maior em relação a tudo o que tinha a ver com operações cirúrgicas e outras coisas. Lembro-me de uma [mulher transexual] na altura que foi operada nos Estados Unidos, porque essa tinha condições económicas para ser operada nos Estados Unidos, e que depois teve problemas aqui, e teve que ir para a Suíça, porque aqui não lhe souberam resolver a situação. E não sabiam, nunca tinham visto uma transexual operada e ela teve que apanhar um avião e ir para a Suíça para ser tratada, porque tinha tido complicações pós-operatórias. Por isso não havia absolutamente nada. Aqui, até à década de ’90, até meados da década ’90, não havia absolutamente nada, as estruturas oficiais não sabiam o que era um transexual, não sabiam o que era um transgénero, não sabiam o que eram tratamentos hormonais específicos. Não sabiam absolutamente nada!” (Jó Bernardo, presidente da ªt.)

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Consoante as possibilidades de cada um, ou se procurava integrar o processo de transição física em países, nomeadamente da Europa, em que esses serviços eram já prestados a um nível especializado (um dos nossos entrevistados fê-lo na Bélgica) ou, tal como era comum para quem não tinha conhecimentos e recursos que lhes permitisse aceder e permanecer o tempo necessário para um processo de transição formal clinicamente assistido (nomeadamente o demorado acompanhamento psicológico), a fazê-lo por sua conta e risco, pagando uma cirurgia de reconstituição genital num dos países em que os requisitos para a sua realização eram escassos ou nulos (nomeadamente em Casablanca, Marrocos, como aconteceu a uma das nossas entrevistadas, e era comum a partir da década de 1960).

Entretanto os desenvolvimentos na medicina nacional, sobretudo na área da sexologia, terão contribuído para a alteração deste panorama. Nos anos 1970, inauguram-se as consultas de sexologia nos Hospitais Centrais de Lisboa, Porto e Coimbra e realizam-se as primeiras reuniões científicas disciplinares. Já em meados dos anos 1980, formaliza-se a Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica (Allen Gomes, Albuquerque e Nunes, 1987: 4-5). No âmbito desta disciplina, e concretamente desta entidade que para tal criou o “Grupo de Estudos da Transexualidade” (Albuquerque, 2006: 106), ter- se-ão empreendido esforços para alterar a situação do não reconhecimento médico da transexualidade, evidenciado na explicitação da interdição da realização de cirurgias de reatribuição de sexo por parte da Ordem dos Médicos. Segundo os profissionais implicados empreendeu-se uma “luta” contínua com a Ordem, na sequência do trabalho que ia sendo realizado com as pessoas transexuais. O texto clínico inaugural da temática, após dar conta das recomendações a nível internacional para o “diagnóstico” e “tratamento” do “transsexualismo”, acaba precisamente com a denúncia dessa situação e com um repto:

“Em Portugal, ainda não é permitida legalmente a grande cirurgia de reconstrução genital implicada no tratamento dos transsexuais. Curiosamente, a fase final desse tratamento, a mudança de sexo civil, começou a ser possível desde há três anos, por processo cível nos tribunais comuns – é evidente uma discordância de critérios que urge corrigir, a bem da melhor assistência aos doentes e da imagem do país no consenso europeu.” (Nunes, 1987: 153)

Este esforço acabaria por dar frutos já em meados dos anos 1990, com a alteração do artigo 55º do Código Deontológico da Ordem dos Médicos para a seguinte formulação (a itálico os acrescentos):

ARTIGO 55.º (Transsexualidade e manipulação genética) 1. É proibida a cirurgia para reatribuição do sexo em pessoas morfologicamente normais, salvo nos casos clínicos adequadamente diagnosticados

como transsexualismo ou disforia do género. (Redacção introduzida pelo Plenário dos Conselhos

Regionais de 95.06.03)

Na actual versão do Código Deontológico, aprovada em 2008, e publicada em Diário da República no ano seguinte220, a formulação altera-se ligeiramente: “É proibida a cirurgia para transição do género em pessoas morfologicamente normais, salvo nos casos clínicos adequadamente diagnosticados como

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transexualismo ou disforia do género” (artigo 69º, princípio geral), e o Código inclui agora um capítulo exclusivamente dedicado à “transexualidade e disforia de género” (o VIII).

A partir de 1995, a proibição é levantada, vindo possibilitar a intervenção dos cirurgiões e a “integralidade” do processo de transição clinicamente assistido, tal como descrito nos “Standards Of Care” da WPATH. Contrariamente ao que sucede noutros países, os tratamentos médicos em Portugal foram, desde o momento da sua disponibilização, acolhidos pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), no que respeita ao seguimento psicológico, hormonal e cirúrgico, seguindo o nosso país, neste aspecto, as recomendações do Comissário para os Direitos Humanos do Conselho da Europa. Caso assim não acontecesse, os seus custos, necessariamente bastante elevados, dada a quantidade de especialidades médicas implicadas e a prolongada duração do acompanhamento, tornar-se-iam incomportáveis para a maioria das pessoas que a eles recorrem. Para mais, quando, como pudemos constatar, muito frequentemente os jovens não podem contar com o apoio familiar e os mais velhos enfrentam a discriminação no acesso ao mercado de trabalho.

Desde o levantamento da proibição terão sido realizadas em Portugal cerca de três dezenas de cirurgias de reatribuição de sexo221. Não é possível avançar com o número exacto, pois não existem registos oficiais a este respeito. A ausência de registos e de centralização da informação proveniente dos vários estabelecimentos de saúde prestadores deste tipo de cuidados compromete, igualmente, o conhecimento do número de pessoas que já recorreram ao acompanhamento médico motivadas por esta questão.

Embora a medicina nacional se reja pelo documento de referência a nível internacional no que concerne às práticas clínicas dirigidas às pessoas transexuais, a realidade portuguesa tem algumas especificidades. Uma delas é o protagonismo da Ordem dos Médicos em todo o processo, começando logo pela inclusão de um capítulo sobre a matéria no seu Código Deontológico. O artigo 71º, por exemplo, parece ser uma adaptação para a realidade nacional dos SOC, mas com algumas diferenças (como a duração superior do acompanhamento psicológico e a obrigatoriedade de ser realizado por um psiquiatra, excluindo outros profissionais de saúde mental). A enunciação das directrizes para o acompanhamento no Código Deontológico da Ordem coloca, para além da sobreposição com o documento de referência internacional, a questão da sua actualização, ou seja, de como se podem conciliar os tempos de revisão do Código e dos SOC222, o que leva a que a retirada deste capítulo seja uma das reivindicações actuais do movimento associativo. Outra particularidade nacional é a necessidade de avaliação pela Ordem dos Médicos, através de um Grupo especificamente criado para o efeito  o “Grupo de Trabalho da Transexualidade” , do pedido de realização da cirurgia de

221 À data das entrevistas, dos nossos entrevistados transexuais, quatro homens já tinham terminado a cirurgia

genital, um deles tendo-a realizado fora de Portugal e outros três encontravam-se nesse processo. No caso das mulheres apenas duas já a tinham realizado, uma delas fora do país. Uma outra aguardava agendamento. Retomaremos esta diferença entre homens e mulheres transexuais no que concerne à realização de cirurgia de reatribuição de sexo no capítulo 5.1.

222 Esta é uma questão que se coloca, como nunca antes, no presente, em que os SOC foram objecto de uma

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reatribuição de sexo, o que, segundo foi possível apurar, não acontece em mais nenhum país onde a cirurgia é autorizada. A Ordem dos Médicos autoriza a cirurgia, mas mantém sob a sua alçada o poder de decidir quem chega à fase final do processo de transição física clinicamente assistido o que, até à entrada em vigor da lei de mudança de nome e menção ao sexo, equivalia simultaneamente a deter o controlo sobre quem seria merecedor da mudança de sexo legal. Na prática, esta autorização tem sobretudo consequência nos tempos de espera para a sua obtenção, por vezes consideráveis (temos relatos de esperas que ultrapassam um ano), já que não é provável uma não autorização, a qual significaria pôr em causa a competência profissional de médicos (colegas) credenciados, responsáveis pelo diagnóstico223. A necessidade desta autorização é objecto de forte contestação por parte do movimento associativo, sendo também posta em causa por uma parte dos clínicos intervenientes no processo.

A primeira etapa do processo de transição clinicamente assistido corresponde ao acompanhamento psicológico, no decurso do qual irá ser produzido o diagnóstico referente à “perturbação de identidade de género” ou “transexualismo”. Em Portugal, durante o tempo de realização do estudo, podia decorrer, no contexto do SNS, em Lisboa, nas consultas de Psicoterapia Comportamental do Hospital de Santa Maria ou do Hospital Júlio de Matos; em Coimbra, nos Hospitais da Universidade de Coimbra; ou, no Porto, no Hospital de São João e no Magalhães Lemos, e é realizado por médicos psiquiatras e psicólogos, que devem ser especializados em sexologia. Após a confirmação do diagnóstico pelos profissionais responsáveis pelo acompanhamento, este tem que ser seguido de uma segunda opinião de um médico independente (do sector público ou privado), ou seja, não interveniente até aí no processo.

Terminada a fase de diagnóstico interpõe-se o pedido de autorização ao Bastonário da Ordem dos Médicos para a realização da cirurgia de reatribuição de sexo, bem como se passa à fase da endocrinologia (embora esta possa coexistir com a fase anterior), ou seja, ao tratamento hormonal, que altera aspectos relativos à aparência (timbre de voz, pilosidade, etc.), que se realiza nos mesmos estabelecimentos de saúde.

A fase das cirurgias, que ocorriam, até 2011, na sua esmagadora maioria no Hospital de Santa Maria, no Serviço de Cirurgia Plástica, podem incluir mamoplastia de aumento de peito, mastectomia, histerectomia (extracção dos órgãos reprodutores internos), vaginoplastia, metoidioplastia (formação de um pequeno pénis a partir do clitóris e dos lábios vulvares), faloplastia. O Hospital de São João, que chegou a realizar cirurgias, incluindo três de reatribuição de sexo, acabou por cessar esse serviço, encontrando-se a consulta em reestruturação. Daqui resulta uma outra especificidade do contexto nacional, que tem a ver com a escassez de locais e de cirurgiões plásticos habilitados à realização de cirurgias de reatribuição de sexo. Durante praticamente todo o período a partir do qual estas cirurgias foram permitidas, a sua realização ocorreu apenas num único estabelecimento hospitalar, Santa Maria,

223 Para mais, em alguns casos os médicos responsáveis pelo acompanhamento e que assinam o diagnóstico,

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e por um único cirurgião plástico224. Compreende-se assim a existência de “lista de espera” para as cirurgias, mesmo tendo em conta que se trata de uma população clínica bastante reduzida. A concentração das intervenções cirúrgicas ao nível dos genitais num único profissional colocou problemas em assegurar este tipo de cuidados, após a reforma, no final de 2010, do único cirurgião plástico que as praticava. Durante os nove primeiros meses de 2011 o SNS não deu resposta, suspendendo as cirurgias de reatribuição de sexo, que passam então a estar disponíveis apenas num hospital privado – o Hospital de Jesus, em Lisboa – asseguradas pelo mesmo cirurgião. Esta situação representou um retrocesso nos cuidados de saúde prestados às pessoas transexuais, tendo existido movimentações destas e dos seus representantes225 no sentido de pedir explicações ao Ministério da Saúde e de reivindicar uma solução. Também ao nível político essa questão foi colocada aos responsáveis do Ministério da Saúde pelo Bloco de Esquerda. A partir de Abril de 2011, começa a haver notícias de que os Hospitais da Universidade de Coimbra estão em processo de estruturação de uma Unidade de Reconstrução Genito-Urinária e Sexual (URGUS) que integrará 15 especialistas, entre os quais profissionais aptos à realização das cirurgias de reatribuição de sexo. As primeiras cirurgias, ainda numa espécie de fase experimental, ocorreram no final de 2011.

O processo de transição física clinicamente assistido ao abrigo do SNS não tem formalmente tempos máximos estipulados, pelo que o aconselhável “par de anos” tem-se alargado, em alguns casos, até mais de meia dúzia226. Para além das vicissitudes de cada processo, esta morosidade generalizada prende-se com vários factores, desde a necessidade da tal autorização da Ordem dos Médicos, até à exiguidade de locais e profissionais dedicados a este processo, sobretudo na parte cirúrgica. A aceleração dos processos, com a mais regular cadência de consultas na parte psicológica e a diminuição dos tempos de espera para as cirúrgicas, é uma das principais reivindicações das pessoas que estão a passar ou passaram pelo processo de transição no SNS. Esta extensa duração do processo no âmbito do SNS constitui igualmente um dos factores que desmotiva algumas pessoas transexuais de a ele recorrerem.

De reter acerca desta breve reconstituição do panorama a nível dos cuidados médicos prestados à população transexual em Portugal, o marco que constituiu a sua disponibilização na medicina em Portugal, tendo a auscultação de pessoas transexuais permitido perceber ter existido verdadeiramente um antes e um pós 1995 (retomaremos esta matéria no capítulo 5.1).

224 Em Portugal houve essencialmente apenas dois períodos de realização de cirurgias de reatribuição de sexo: o

primeiro, que vai do momento da sua autorização até meados de 2005, em que eram praticadas pelo primeiro cirurgião a realizar este tipo de cirurgias no nosso pais, o Dr. Godinho de Matos e, o segundo, quando este se reforma, que vai de meados de 2005 até 2010, em que as mesmas são realizadas pelo Dr. João Décio Ferreira, o qual é reconhecido, mesmo a nível internacional, pelas técnicas utilizadas (veja-se por exemplo, o artigo do jornal Expresso de Outubro de 2008, “Médicos apostam na inovação técnica”).

225

Nomeadamente a tomada de posição por parte da API  Associação pela Identidade, através de uma carta enviada ao Ministério da Saúde e de um comunicado de imprensa, subscrito por quatro clínicos intervenientes no processo de transição e de cinco associações e grupos LGBT. Podem ser consultados em

http://associacaopelaidentidade.blogspot.pt/.

226 Dois dos inquiridos que realizaram o processo de transição no âmbito do SNS demoraram sete anos desde o

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Outro aspecto evidente é o poder detido pelos profissionais de saúde (incluindo as suas estruturas organizativas) no processo de “mudança de sexo”, reforçado no caso português pela total ausência de regulamentação que não a constante no Código Deontológico da Ordem dos Médicos, durante o tempo em que decorreu a recolha de dados para a pesquisa.

Outro ainda é que, formalmente, para a medicina nacional, ou pelo menos para a Ordem dos Médicos, a questão da transexualidade e da disforia de género continua a reduzir-se à cirurgia de reatribuição de sexo e aos cuidados colocados para a autorização da sua realização. O diagnóstico, por exemplo, é apenas aflorado como requisito para a terapia cirúrgica.

Ainda no que concerne à prestação de cuidados de saúde às pessoas trans é de realçar que, em 2009, a associação Médicos pela Escolha, consciente de que “Em Portugal Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transgéneros (LGBT) ainda sofrem o preconceito, a discriminação e a violência pela sua orientação sexual ou identidade de género”, em vários sectores, entre os quais o da saúde, e de tal situação ser considerada incompatível com a ética e a deontologia dos profissionais de saúde, lança o