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3 PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA

3.2 O OBJETO E DESCRIÇÃO DOS DADOS DA PESQUISA

Bakhtin (2015[1979]) reflete sobre as noções de texto e enunciado40, relacionando o uso da linguagem a todos os campos da atividade humana. Para o Círculo de Bakhtin, os variados usos da linguagem se manifestam por meio de enunciados concretos, articulados por sujeitos inseridos em um determinado contexto social e em interação com outros sujeitos.

O texto, para Bakhtin (2015[1979]), é a realidade imediata, o ponto de partida de qualquer pesquisa ou pensamento dentro das Ciências Humanas. Ao discorrer sobre as características do texto e como ele é basilar para os estudos das humanidades, Bakhtin afirma

40 Cabe ressaltar que a noção de enunciado, melhor definida no Referencial Teórico desta pesquisa, é

basilar para este estudo tendo em vista que os textos tomados como objetos de análise são entendidos como enunciados concretos de sujeitos situados social e historicamente.

o que viria a ser um elemento importante de seu pensamento: “O problema das fronteiras do texto. O texto como enunciado” (BAKHTIN, 2015[1979], p. 308, grifo do autor). A partir dessas afirmações, Bakhtin desenvolve a relação entre texto e enunciado, além do vínculo indissociável entre os enunciados de um falante e os enunciados dos outros.

Como já mencionado anteriormente, esta pesquisa assume os estudos de Bakhtin e seu Círculo como marco teórico-metodológico basilar. Desse modo, assumimos então a concepção de texto como enunciado, cuja importância do estudo foi ressaltada por Bakhtin (2015[1979], p. 264): “o estudo da natureza do enunciado e da diversidade de formas de gênero dos enunciados nos diversos campos da atividade humana é de enorme importância para quase todos os campos da linguística e da filologia”. O entendimento de texto como enunciado e a compreensão de que um enunciado não existe individualmente, mas em diálogo com outros enunciados, faz com que a construção de sentidos de um enunciado se dê na sua relação com os enunciados do outro (BAKHTIN, 2015[1979]).

Partindo dessa noção de enunciado, proposta pelo Círculo de Bakhtin, o objeto de análise desta pesquisa são os discursos que se tecem a partir da promulgação do Decreto Nº 8.727, sobre o nome social de sujeitos trans, materializados por meio de enunciados produzidos nas esferas jurídica e jornalística, no período de abril a maio de 2016. Em outros termos, são as vozes/discursos que emergem nessa arena discursiva, quando se propõe uma lei que possibilita uma maior visibilidade a esses sujeitos. A partir disso, são considerados como dados de pesquisa o Decreto Nº 8.727 de 28 de abril de 2016, que dispõe sobre o uso do nome social de pessoas transexuais e travestis em órgãos federais, além de dez enunciados da esfera jornalística que tematizam a promulgação do decreto e o uso do nome social. Os enunciados supracitados materializam uma discursividade sobre questões de identidade da comunidade trans no contexto contemporâneo brasileiro, em meio a um intenso debate sobre identidade de gênero e os direitos sociais de pessoas trans.

Por esta se tratar de uma pesquisa qualitativa de cunho interpretativista, entendemos que o papel do pesquisador deve ir além da mera observação do mundo e que suas escolhas apontam e expressam seus posicionamentos como sujeito. Por isso, consideramos a delimitação de objetos de análise como um processo de geração de dados, em que o pesquisador contribui para a construção de conhecimento (MASON, 2002).

Isso posto, cabe ressaltar que todas as escolhas feitas até o presente momento não foram neutras: desde a opção temática, a compreensão da importância social da adoção de medidas que concedam direitos à população trans até a seleção dos textos analisados foram

escolhas ancoradas no entendimento e proposições da LA contemporânea de que a pesquisa acadêmica deve trazer e se ocupar de temas socialmente relevantes e responsivos à vida, em que a linguagem ocupe um lugar central na construção de inteligibilidades. Além disso, reiteramos aqui nossa escolha teórica pela análise dialógica do discurso, que entende os textos como enunciados e da importância de considerarmos as totalidades dialógicas de um enunciado para interpretá-lo (BAKHTIN, 2015[1979]).

A seguir, é apresentado um quadro que sumarizaos textos selecionados e, nas seções seguintes, apresentamos uma síntese descritiva dos textos-enunciados que fazem parte do conjunto de dados de análise do presente estudo. As notícias foram numeradas e distribuídas no quadro seguindo uma categorização temática, que será abordada com profundidade na seção 4.3.2 desta pesquisa.

Quadro 1 – Dados de pesquisa (A Autora, 2017).

ESFERA

DISCURSIVA DADO FONTE TÍTULO

DATA DE PUBLICAÇÃO Jurídico- governamental Decreto Governo Federal Decreto Nº 8.727, de 28 de abril de 2016 28/04/16 Jornalística Notícia 1 G1

Transexuais e travestis poderão usar nome social no serviço público federal

28/04/16

Notícia 2 notícias UOL

Dilma assina decreto que permite transexuais usarem nome social em órgãos federais

28/04/16

Notícia 3 Estadão

Deputados de dez partidos querem vetar nome social de travestis no serviço público

19/05/16

Notícia 4 notícias UOL

Deputados de 10 partidos tentam vetar nome social de travestis no serviço público

19/05/16

Notícia 5 G1

No AP, travestis e transexuais podem usar nome social para serviços de saúde 18/04/17 Notícia 6 Campo Grande News

UFGD respeita decreto e adota nome social para travestis e transexuais

14/12/16

Notícia 7 G1

Mulher transexual é impedida de embarcar em aeroporto de SC ao usar nome social

18/08/17

Notícia 8 G1 Jovem trans é impedida de abrir crediário em loja com nome social: 'Humilhada', diz

Notícia 9 Jornal Opção

Deputado goiano compara nome social a “apelido” e pede direito igual para héteros

20/07/17

Notícia 10 G1

Mulher travesti discute com juíza e promotor para ter nome social respeitado em audiência no ES

28/07/17

Fonte: A autora (2017).

Conforme indica o Quadro 1, tomamos como dados de análise um conjunto composto por onze enunciados, que englobam um texto da esfera jurídica: o Decreto Nº 8.727, de 28 de abril de 2016 e dez textos da esfera jornalística, publicados após a publicação do decreto que narram sua publicação e desdobramentos.

Como já mencionado, os enunciados, foco da análise desta pesquisa, foram selecionados, tomando como base as respostas ativas ao Decreto Nº 8.727, de 28 de abril de 2016. Após a publicação do decreto, várias páginas do jornalismo online veicularam notícias relatando e contextualizando a promulgação do decreto. Buscamos, portanto, em veículos jornalísticos online de grande acesso41 (como os portais G1 e UOL), além de jornais de mídia local (Campo Grande News e o Jornal Opção) notícias42 que discutissem o tema em tela ou que narrassem situações com mesmo tema. Optamos pela escolha de duas publicações do 28 de abril de 2016 que noticiam a publicação do decreto (Notícias 1 e 2), outras duas que relatam a tentativa de deputados de sustarem o decreto (Notícias 3 e 4), duas que trazem casos de implementação do uso do nome social a partir do decreto (Notícias 5 e 6) e duas com situações em que, mesmo após a publicação do decreto, pessoas trans foram impedidas de usar seu nome social (Notícias 7 e 8). Além dessas, foram selecionadas duas notícias em que o nome social é debatido e questionado (Notícias 9 e 10).