ORÇAMENTO PARTICIPATIVO NO BRASIL
Capítulo 5 – O ORÇAMENTO PARTICIPATIVO NO BRASIL
5.1. Experiências de Orçamento Participativo no Brasil
5.1.1. O Orçamento Participativo de Porto Alegre
Em 1989, foi instituído pela primeira vez no Brasil, na cidade de Porto Alegre, uma
experiência inovadora de gestão municipal: o chamado “orçamento participativo”, em que a opinião da comunidade desempenha um papel crucial. Foi uma experiência inovadora que,
gradualmente, se espalhou para cerca de 180 municípios brasileiros e, mais tarde, para ou-
tros países latino-americanos.
O município dividiu a cidade em 16 regiões baseadas em critérios geográficos e na
afinidade política e cultural entre a população, e em seis grandes temas transversais ao terri-
tório (saneamento básico, política habitacional, pavimentação comunitária, educação, assis-
tência social, saúde, transporte e circulação, organização da cidade).
Antes de se realizarem as assembleias anuais, há reuniões preparatórias dos cida-
dãos, em total autonomia e sem interferência do Município. O objectivo é a recolha das
exigências e das reivindicações de cidadãos, de movimentos populares de base e de institui-
ções comunitárias, relativamente a questões regionais ou temáticas; também dão início à
mobilização da comunidade para a escolha dos delegados regionais. Essas reuniões são
cruciais para ventilar as exigências da comunidade e para discutir as suas prioridades relati-
vas. Sendo convocadas e presididas pelos conselhos populares ou pelos líderes da comuni-
das organizações comunitárias transparecem na identificação e na formulação das exigên-
cias e tendem a impregnar todo o debate (Santos, 2003: 390-391).
Nas regiões, realiza-se, a partir de Março, uma primeira volta de debates públicos
onde está presente o executivo municipal e onde são rigorosas as restrições de intervenção
para os líderes políticos. Nesses encontros a palavra é dos cidadãos presentes. Cada inter-
veniente diz ao que vem, que obra entende ser mais urgente. Depois vota-se. Atribuem-se
pontos aos itens de uma lista de prioridades e elegem-se delegados a um «Conselho do Or-
çamento». Os técnicos consideram as propostas e estabelecem uma matriz de prioridades à
escala da cidade que é consonante com as disponibilidades financeiras, criando uma hierar-
quia das obras e serviços, em cada tema.
O orçamento municipal de Porto Alegre conta ainda com plenários temáticos, que
visam o alargamento da participação da sociedade e dão uma nova dimensão ao processo,
aprofundando a discussão sobre o planeamento global e de políticas sectoriais específicas.
Pelas suas próprias características, o orçamento participativo de Porto Alegre não se
desenvolve num único momento; é um processo gradual que ocupa boa parte do ano. A
primeira volta inicia-se no final da primeira quinzena de Março e vai até o início da segun-
da quinzena de Abril, através de plenários públicos em cada uma das dezasseis regiões e
cinco plenários temáticos (Genro e Souza, 2001).
As reuniões, abertas à participação do público em geral, de todos os cidadãos de
Porto Alegre, são convocadas com antecedência, através dos meios de comunicação.
Nas 16 regiões são eleitos 32 conselheiros titulares e 10 conselheiros nos 5 plenários
radores de Porto Alegre e um representante do Sindicato dos Funcionários Municipais de
Porto Alegre o que totaliza 44 conselheiros. Por inerência também fazem parte do Conse-
lho, sem direito a voto, os coordenadores do Gabinete de Planeamento do Orçamento Parti-
cipativo e da Comissão de Relações com a Comunidade.
O Orçamento participativo é uma estrutura e um processo de participação comunitá-
ria baseado em três grandes princípios e num conjunto de instituições que funcionam como
mecanismos ou canais de participação popular sustentada no processo de tomada das deci-
sões do governo municipal. Os três princípios são os seguintes:
Todos os cidadãos têm o direito de participar, sendo que as organizações comunitá-
rias não detêm a este respeito, formalmente, pelo menos, um estatuto ou prerrogati-
va especiais;
A participação é dirigida por uma combinação de regras de democracia directa e de
democracia representativa, e realiza-se através de instituições de funcionamento re-
gular cujo regimento interno é determinado pelos participantes;
Os recursos de investimento são distribuídos de acordo com um método objectivo
baseado numa combinação de “critérios gerais” – critérios substantivos, estabeleci- dos pelas instituições participativas com vista a definir prioridades – e de “critérios
técnicos” - critérios de viabilidade técnica ou económica, definidos pelo executivo,
e normas jurídicas, federais, estaduais ou da própria cidade, cuja implementação ca-
be ao Executivo (Santos, 2003: 385).
O orçamento é discutido com base na participação do cidadão e Porto Alegre foi o
ao processo de discussão do orçamento. Era uma gestão inteiramente nova assentando a
distribuição de recursos em sintonia com as prioridades sociais dando primazia aos conhe-
cimentos adquiridos ao nível local.
No caso de Porto Alegre, o governo da cidade estabeleceu as "assembleias temáticas"
para contrariar a noção de que orçamento participativo é "somente para pobres". Esta experiên-
cia foi tão bem sucedida que a cidade ganhou reconhecimento internacional, pela forma de
transparência e responsabilidade democráticas na gestão municipal. A necessidade de facultar
o envolvimento do cidadão nas deliberações locais levou a vereação a experimentar diver-
sos processos.
Na última década, 60 por cento do investimento municipal de Porto Alegre centrou-
se sobre três prioridades definidas por cada OP. Contudo, se por um lado não leva forçosa-
mente às decisões mais correctas, evita as mais incorrectas.
Se pode surpreender alguém o equilíbrio que se verifica em Porto Alegre, quando
comparado com outras cidades do Brasil, devem levar-se em conta - para além dos factores
históricos aos aspectos mais violentos da desigualdade -, a introdução de um novo factor
político no governo da cidade: a participação popular.
Os resultados mostram que o orçamento participativo é eficaz como instrumento de
promoção da autonomia e tem como objectivo aumentar a equidade social.22
22
“Escuso de sublinhar a importância do orçamento participativo para as relações políticas e administrativas entre o Estado e os cidadãos. O orçamento é o instrumento básico do contrato político que subjaz a essa rela- ções, bem como das interacções entre os diferentes organismos estatais encarregados de executar tal contrato. Ao definir os fundos públicos, mediante a fixação de impostos ou através de outros meios, o orçamento trans- forma-se no mecanismo central de controlo público sobre o Estado. As decisões orçamentais são, pois, deci- sões políticas fundamentais” (Santos, 2003: 383).
Porto Alegre é uma cidade onde a democracia, nas condições do capitalismo global, se
procura instituir em regime social. O saldo conta: é a cidade do mundo que maiores avanços
registou nos índices de desenvolvimento humano da última década. Mas, mais que isso:
Com o seu Orçamento Participativo, Porto Alegre cria um quarto poder: o dos cidadãos, quando eles assumem directamente a tomada de decisões. […] Contra todos aqueles que postulam que a liberdade e a democracia dispensam muito bem a participação, a experiência de Porto Alegre con- firma que esta última é o coração democrático que irriga as sociedades mo- dernas ( Sintomer e Gret, 2003:146).