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O Papel da Empresa no desenvolvimento de um NSI

2 A IMPORTÂNCIA DA ESTRUTURA UNIVERSITÁRIA E DA PRODUÇÃO CIENTÍFICA NO NSI

3.1 O Papel da Empresa no desenvolvimento de um NSI

A introdução deste capítulo ressalta a importância da empresa no processo de geração de novas tecnologias. De maneira geral é ela quem aplica o conhecimento científico e tecnológico e o

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transforma em produtos e processos utilizados pela sociedade em geral. A produção de novas tecnologias é essencial para manter a competitividade em um ambiente em constante mudança como o mercado atual. Entretanto, para produzir novas tecnologias as empresas precisam desenvolver competências internas que permitam a identificação, absorção e produção de conhecimento. Para tanto, é necessário que elas invistam em produção interna de conhecimento.

O esforço em P&D realizado pela empresa, especialmente as que estão inseridas em setores de alta tecnologia, é importante para a base do processo inovativo, não só por desenvolver competência para incorporar a produção científica e tecnológica externa como também para o desenvolvimento de ferramentas na aplicação do conhecimento absorvido e gerado internamente. Cohen e Levinthal (1989, p. 569) sugerem que “R&D not only generates new information, but also enhances the firm’s ability to assimilate and exploit existing information”. Conclui-se que para obter um efetivo processo inovativo, é necessário acúmulo de conhecimento seja para absorver a produção tecnológica externa ou mesmo para utilizar novos conceitos científicos na solução de problemas e desenvolvimento de produtos.

A habilidade de identificar, absorver e utilizar o conhecimento externo é chamada de “capacidade de absorção”51 pelos autores. Cohen e Levinthal (1989) construíram um modelo baseado no estoque de conhecimento de uma empresa e tinham como hipótese que a capacidade de uma firma de absorver conhecimento gerado externamente depende do dispêndio de esforço em P&D.

A inserção da empresa na dinâmica atual faz com que ela invista na geração interna de conhecimento, seja através de atividades de pesquisa e desenvolvimento formalmente (P&D), ou através de engenharia reversa, ou outro tipo de atividade. Nelson (2006b) indica que alguns setores e empresas não registram seus esforços inovativos como P&D formal. Portanto, ao analisar o conceito de “capacidade de absorção”, proposto em Cohen e Levinthal (1989), é importante que seja considerada a ressalva encontrada em Nelson (2006b), exposta anteriormente, em que os setores que não são de alta tecnologia, ou mesmo aquela empresa que não computa seu esforço inovativo como P&D formal, muitas vezes também deve ser considerada inovadora. Pois, essa empresa investe em geração de conhecimento e em atividade inovativa, mas não registra ou denomina suas atividades como Pesquisa e Desenvolvimento. Na

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verdade, considerando essa questão, uma possível interpretação do conceito de “capacidade de absorção”, proposto em Cohen e Levinthal (1989), seria que o investimento em atividades inovativas e em geração de conhecimento interno é importante para a empresa identificar, absorver e explorar o conhecimento gerado extramuros.

Ainda que a universidade tenha a função de produzir novos conhecimentos e até mesmo novas tecnologias, a empresa é quem se configura como ponto central da atividade inovativa. De acordo com Rosenberg e Nelson (2006, p. 341) “o que as pesquisas universitárias têm feito hoje em dia, com maior freqüência, é estimular e aumentar o poder da P&D do setor produtivo, em vez de procurar substituí-los”, pois é a empresa quem vai produzir novos produtos, adaptá-los e levá-los ao mercado. Mas, para tanto ela precisa desenvolver competências internas de absorção de conhecimento gerado externamente.

Nelson (2006b) destaca que a existência de empresas nacionais fortes é um dos fatores que impulsionam o desenvolvimento tecnológico dos países. Ao analisar os resultados do livro “National Innovation Systems”, Nelson (2006b, p. 442-443) enfatiza que “não se pode ler os estudos relativos ao Japão, Alemanha, Itália, Coréia e Taiwan, todos os países cujas empresas têm reconhecidamente mostrado uma forte performance em determinados ramos, sem ficar impressionado com a descrição de suas firmas por parte dos autores”. Nesse contexto, a presença de grupos empresariais nacionais competitivos tende a incentivar a interação entre universidades e empresas na busca do desenvolvimento de novos conhecimentos e novas tecnologias em um país.

A importância da empresa inovadora e competitiva na formação de um NSI pode ser demonstrada em três casos emblemáticos: Alemanha, Japão e Coréia. Nesses países, como afirma Nelson (2006b), a empresa nacional é destacada como agente promotor do desenvolvimento, mas é importante lembrar que não foram apenas as empresas responsáveis pelo avanço desses países, mas também o conjunto de incentivos estabelecidos para elas (como incentivo à exportação, à produção interna de tecnologias, contratação de pesquisadores, cientistas, dentre outros) e para as instituições de apoio, como universidades, institutos de pesquisa e agências de fomento (medidas como incentivo à interação com o setor produtivo, financiamento de pesquisas, incentivos ao licenciamento de tecnologias, formação de pesquisadores, dentre outros). Cabe ressaltar que será

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apresentado de forma breve como o fortalecimento e o aumento da competitividade da empresa nacional nesses países foi importante para o seu desenvolvimento52.

Na Alemanha a indústria nacional se desenvolveu por meio de incentivos do governo. Ao apresentar o sistema de inovação da Alemanha, Keck (1993) enfatiza a complementaridade entre os diversos atores da economia e da sociedade alemã. Segundo o autor, List defendia a união das alfândegas da Europa central com fins protecionistas. Com isso, a indústria interna seria incentivada a desenvolver-se através da substituição de importações e maquinário. Keck (1993) destaca o papel chave do governo no desenvolvimento do Alemanha. Dentre as ações governamentais descritas pelo autor, destaca-se a unificação da Alemanha, o investimento em infra-estrutura e logística, suporte à educação e subsídio à pesquisa em tecnologia e ciência e em empresas. Isto é, ações que criaram um ambiente favorável para o crescimento e desenvolvimento da indústria.

A Alemanha apresentava no final do século XIX e início do século XX uma indústria em construção, mas já com um forte impulso para o desenvolvimento tecnológico do país. A base científica alemã, como destacado na seção 2.1, colaborou para que as empresas se desenvolvessem tecnologicamente, garantindo a sobrevivência de setores mais intensivos em tecnologia mesmo diante de fortes crises como a do período entre guerras.

De maneira semelhante, as empresas japonesas encontraram nas iniciativas governamentais apoio para o seu desenvolvimento e fortalecimento da base científica e, conseqüentemente, tecnológica do país, como mostram Odagiri e Goto (1993). Nas décadas de 1870 e 1880, o governo fundou empresas de diversos setores: mineração, construção de navios, maquinaria e têxtil com o intuito de incentivar o setor privado que estava sem fôlego (falta de financiamento e aversão ao risco).

Ao longo do tempo, grande parte dessas empresas passou para as mãos do setor privado e o governo japonês manteve apenas as de interesse militar (construção de navios, aviões, munições e aço) e serviços como telecomunicações. Assim, as empresas japonesas, através do desenvolvimento da base tecnológica e do apoio à base científica, tiveram importante

52 É importante destacar que o caso da Alemanha, Japão e Coréia tem elementos particulares e que constituem casos

excepcionais de difícil comparação com outros. No entanto, entender essas experiências é importante devido ao destaque do papel da empresa, ainda que sejam casos singulares.

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participação na constituição e consolidação da economia e do NSI. O Japão mostra que políticas de incentivo ao desenvolvimento da base industrial aliadas às políticas de incentivo de desenvolvimento da base científica e tecnológica são ingredientes essenciais para o crescimento da economia de um país.

A Coréia do Sul pode ser considerada um caso simbólico de sucesso, pois foram as empresas que impulsionaram o progresso técnico, a economia e a consolidação do Sistema Nacional de Inovação. Kim (1993) mostra que a partir de 1970, a Coréia cria mecanismos de incentivo à indústria começando pela indústria militar. De acordo com o autor (p.362):

“Although such an ambitious investment in heavy machinery industries in the absence of adequate local capability has resulted at the outset in extremely low capacity utilization and resource allocation problems, the investment over local market and local capability has put enormous pressure on both the government and private entrepreneurs to upgrade technological capability for survival”.

Diante desses incentivos, a Coréia tornou-se um dos exportadores mais importantes do “Terceiro Mundo”. As políticas de estímulo à indústria contaram com ações como proteção do mercado interno, incentivos à exportação e fiscais. Esses auxílios para muitas empresas significaram a evolução de uma indústria infante para uma indústria exportadora. Outras, no entanto, ainda precisaram do suporte do governo coreano por um tempo, como, por exemplo, a proteção do mercado interno, pois enquanto atendia o mercado interno com exclusividade a indústria podia acumular e investir em desenvolvimento de competências suficientes para expandir o mercado e aumentar a sua competitividade.

Outro destaque da Coréia é a fundação dos chaebols pelo governo. Essas eram empresas fundadas pelo governo consideradas como um (Kim: 1993, p. 362) “instrument to bring about the economy of scale in mature technologies and in turn to develop these ‘strategic industries’ and to lead exports and economy”. Assim, a estratégia dos chaebols possibilitava que essas empresas nacionais, em setores estratégicos, desenvolvessem competências para o país em determinadas áreas, o que incentivou a produção de novas tecnologias internamente em vez da importação de tecnologias.

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Esses três casos, ainda que retratados resumidamente, demonstram o papel central da empresa e, em especial, da indústria no processo inovativo. Outro ponto destacado nas experiências da Alemanha, Japão e Coréia é a importância do papel do governo como facilitador e impulsionador da inovação através de políticas de incentivo à produção de tecnologia e conhecimento científico.

Pode-se concluir, portanto que o avanço tecnológico de um país é marcado pela presença da empresa que é ativa no processo inovativo, especialmente em setores estratégicos. É ela quem desenvolve competência interna em determinadas áreas, incentivando a produção de novas tecnologias internamente em detrimento da importação de tecnologias de outros países. Entretanto, a presença da empresa inovadora e da empresa estratégica não é condição suficiente para o desenvolvimento de um país, pois ela necessita do apoio dos outros atores do NSI, principalmente das universidades, e também é necessário que a indústria tenha habilidade de identificar, absorver e trabalhar o conhecimento produzido fora.

Assim, em paralelo com o capítulo 2, é importante entender de que maneira a indústria brasileira se formou e até que ponto ela estava apoiada pela demanda por tecnologia e por novos conhecimentos e se desenvolveu sob a necessidade de se manter competitiva frente ao mercado mundial.