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O Sistema Setorial de Inovação e a Interação Universidade-Indústria

1 A IMPORTÂNCIA DA INTERAÇÃO UNIVERSIDADE INDÚSTRIA NO PROCESSO INOVATIVO

1.3 O Sistema Setorial de Inovação e a Interação Universidade-Indústria

Como mencionado, entender a organização das instituições nacionais e de que maneira elas se relacionam a fim de incentivar e impulsionar o progresso tecnológico não é suficiente para analisar o estágio de desenvolvimento em que um país se encontra. Para tanto, é necessário

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também entender a estrutura setorial e os fatores que afetam cada uma das atividades. Malerba (2005) diferencia a abordagem do sistema setorial de inovação da abordagem do sistema nacional de inovação à medida que a primeira não é delimitada por fronteiras, sendo de dimensão regional, nacional ou global. Os ambientes inovativos são “drasticamente” diferentes se for realizada uma comparação inter-setorial.

As diferenças existentes entre os setores devem ser levadas em consideração, dado que o processo de inovação difere em termos de desenvolvimento, taxa de mudança tecnológica, interações, acesso ao conhecimento, estruturas organizacionais e fatores institucionais. Alguns setores são caracterizados por rápidas mudanças e inovações radicais, enquanto outros são marcados por mudanças menores e incrementais (Klevorick et al.,1995; Malerba, 2004). Mowery e Sampat (2005) citam o exemplo do setor biomédico, onde as inovações dentro das universidades são mais constantes do que em outros setores, como o têxtil que é um setor de tecnologia mais difundida.

Um importante esforço realizado para entender as diferenças setoriais foi o estudo realizado por Pavitt (1984). Ao estudar a inovação dentro das firmas, o autor também realça a importância de avaliar as particularidades setoriais. Pavitt procura entender e explicar o padrão de mudança tecnológica a partir das características setoriais. Para tanto, apresenta uma taxonomia de estudo “conforme os padrões estruturais inovativos e tecnológicos prevalecentes” em cada setor (Possas, 2003: p. 231), são elas14: supplier dominated, production intensive, science based e information intensive15 (Pavitt, 1984). Essa taxonomia foi elaborada considerando a fonte da tecnologia utilizada, as necessidades dos usuários (se eram mais sensíveis ao preço ou ao desempenho) e a possibilidade de apropriação do conhecimento (patentes, segredo industrial, know-how, dentre outros). Essas categorias buscam diferenciar a trajetória tecnológica de cada setor específico e auxiliam os formuladores de política a direcionar as políticas industriais e tecnológicas.

14 Os setores que se inserem na categoria supplier dominated apresentam baixo esforço de P&D e possuem fraca

capacitação em engenharia. Esses setores geralmente adquirem novas tecnologias de seus fornecedores, ou possuem pequena participação no processo inovativo. Os pertencentes à categoria production intensive, possuem uma base de engenharia mais forte e, ainda que não sejam responsáveis por inovações radicais, solucionam problemas e até mesmo propõem melhorias para os produtos e processos internos. Enfim, os setores science based, por sua vez, possuem como fonte de tecnologia o setor interno de P&D com base no conhecimento produzido nas universidades e institutos de pesquisa (Pavitt, 1984).

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A partir da taxonomia de Pavitt e levando em consideração o histórico de diferenciação dos padrões setoriais esboçados na literatura, Malerba (2005) apresenta o conceito de Sistema Setorial de Inovação (SSI). Assim, como Pavitt (1984), Malerba (2005) destaca a importância de conhecer a dinâmica setorial para aprimorar as políticas de incentivo ao desenvolvimento de tecnologias e inovações para cada atividade, ou seja, entender as falhas do sistema (“system failure”). Questões como o regime tecnológico em que as empresas estão inseridas, a apropriação da tecnologia, a condição de cumulatividade e o tipo de conhecimento envolvido no processo são os elementos responsáveis pela diferença na intensidade de processo inovativo entre os setores. Os três pilares que guiam a diferença entre os setores são: conhecimento e domínio tecnológico; atores e redes; e instituições.

O conhecimento difere entre os setores pelo domínio da base de conhecimento científico e tecnológico do setor; pelas aplicações, usuários e pela demanda por produtos específicos. O conhecimento difere por níveis de acessibilidade, isto é, se o acesso for fácil o setor tende a ser mais pulverizado, caso contrário o setor será mais concentrado. O processo intensivo de acúmulo de conhecimento é um tipo de mecanismo de apropriação que aumenta a barreira à entrada de novas empresas (Malerba, 2005).

Em relação aos atores específicos a cada setor, o que define uma estrutura setorial são os relacionamentos entre os componentes do setor e não apenas as empresas inseridas na cadeia produtiva. Em Malerba (2005) nota-se que a demanda por novas tecnologias é que impulsiona a atividade inovativa, o aprendizado e a formação de “redes”. Desse modo, a estrutura institucional dos setores diverge entre si e se altera ao longo do tempo, dependendo da demanda por conhecimento, aprendizado e inovação e do estágio em que se encontra a tecnologia e a base de conhecimento.

E, por fim, as instituições remetem às normas, rotinas, comportamentos, etc. (Nelson, 2008), isto é, ao ambiente em que as empresas estão inseridas. As instituições podem ser nacionais ou setoriais, oriundas da interação entre os atores ou determinadas por eles. As instituições nacionais são importantes para incentivar ou desestimular setores, mas elas podem originar-se a partir das necessidades de cada setor.

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Conforme citado, diferenças na atividade de inovação entre setores também posicionam diferentes demandas na estrutura organizacional das empresas, bem como fatores institucionais como regulação e direitos de propriedade intelectual podem variar no tocante a seu papel e importância. É essencial considerar essas diferenças para entender o relacionamento e a intensidade da interação universidade-indústria.

Seguindo a taxonomia proposta por Pavitt (1984), as especificidades setoriais da interação entre universidades e empresas industriais da Alemanha foram estudadas por Meyer-Kramer e Schmoch (1998), em especial dos setores science-based. A pesquisa revela que as diferentes disciplinas e setores não interagem de forma uniforme, não possuem os mesmos interesses e não enfrentam os mesmos problemas. Áreas como Tecnologia de Produção (Production Technology) e Microeletrônica utilizam percentual maior de pesquisa aplicada do que básica, ao contrário de setores como a Química e a Biotecnologia. A respeito dos tipos de interação, enquanto a amostra considerou a pesquisa colaborativa e os contatos informais como os mais importantes, em setores como a Tecnologia de Produção o contrato de pesquisa é o mais importante, seguido da pesquisa colaborativa. A Química, por sua vez, utiliza mais a educação e o treinamento de pessoal junto com os contatos informais e a pesquisa colaborativa.

A pesquisa realizada por Cohen et al. (2002) com empresas inovadoras dos EUA conclui que as universidades tendem a ser mais ativas na conclusão de projetos do que na sugestão de novos projetos. Ao investigar os canais de informação entre universidades e empresas, os autores perceberam que as publicações, troca informal de conhecimento e as conferências são os canais mais comuns de intercâmbio entre os agentes. Entretanto, essa relação difere entre os setores industriais. No setor de Química Básica, a troca informal de informação está em primeiro lugar seguida das publicações e da consultoria. Já no setor de Equipamento Médico, a troca informal de

informação, consultoria e publicações são os canais mais importantes.

Conclui-se, então que a dimensão setorial é importante para entender o relacionamento entre universidade e indústria, dado que os setores possuem diferentes demandas por tecnologia, diferentes formas de apropriação e são constituídos por diferentes bases de conhecimento. Assim, a análise dessa dimensão é complementar à da estrutura nacional, visto que cada país possui uma agenda e um contexto específicos para a atividade inovativa (Lundvall et al., 2002).

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Para analisar o estágio do desenvolvimento tecnológico é importante que sejam identificados não apenas os problemas que atingem os setores individualmente e direcionem políticas de incentivo à inovação e tecnologia, mas essas políticas devem estar vinculadas às políticas de incentivo à ciência, à indústria, aos Institutos Públicos de Pesquisa (IPPs) e à promoção da competitividade do país (Malerba, 2005). Em outras palavras, o desenvolvimento de um setor específico é resultado da combinação de elementos da estrutura setorial em congruência com elementos nacionais, como atores, relacionamentos e instituições. Quando combinados, o ambiente torna-se favorável e impulsiona o desenvolvimento tecnológico e a geração de inovações. Com base nesse argumento, os próximos dois capítulos apresentam de que forma se deu a organização e constituição da base científica e industrial do Brasil e ressaltam algumas particularidades dos setores mais importantes. Assim, é possível entender as causas que determinam um relacionamento frágil entre esses atores no país e explicar o porquê que em alguns setores esse diálogo é mais intenso.

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2 A IMPORTÂNCIA DA ESTRUTURA UNIVERSITÁRIA E DA