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CAPÍTULO III – A CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS DE PLURALIDADE RELIGIOSA

2. O PAPEL DE UMA MINORIA: SIGNIFICADOS QUANTITATIVOS E QUALITATIVOS

A existência, no seio da minoria protestante em Portugal, de relações endógenas e exógenas de uma diversidade e complexidade substanciais, tende a demonstrar a desproporcionalidade entre a sua expressão quantitativa e sua importância quali- tativa. Essa discrepância baseia-se, desde logo, no facto da existência dessa minoria constituir a representação da diferença, no sentido em que a lenta multiplicação de fiéis evangélicos num país hegemonicamente católico resulta na verificação de que, de facto, não existia uniformidade plena. Por conseguinte, apesar do país ter sido repetidamente representado como monolítico em termos religiosos, essa imagem não correspondia à verdade e, apesar da Igreja Católica definir frequentemente Portugal como uma nação imune à influência protestante, procurando controlar e garantir essa mesma imunidade, esse desiderato não foi plenamente alcançado, uma vez que a existência de comunidades reformadas, ainda que minoritárias, a contradizia.

Na década de setenta existiam quatro núcleos que representavam as orienta- ções fundamentais do protestantismo em Portugal: a tendência congregacionalista, em torno de Helena Roughton, a comunidade episcopaliana, ligada a Thomas Pope43, a comunidade presbiteriana, em torno de Robert Stewart44, e a metodista,

ligada aos irmãos Cassels e depois a Robert Moreton45.

43 Thomas Godfrey Pembroke Pope (Dublin, 1838 - Lisboa, 1902), sacerdote anglicano irlandês, foi, em

1863, designado capelão britânico em Sevilha, sendo, quatro anos depois, transferido para a Igreja anglicana de S. Jorge em Lisboa. Manteve-se como pastor da comunidade episcopaliana até à sua morte.

44 Robert Stewart (n.1828) foi capelão da comunidade presbiteriana escocesa em Lisboa e é lembrado

pelos herdeiros desse presbiterianismo português que ajudou a fundar como «[...] um homem de sinceras convicções cristãs, urbano e muito sensato», sendo que, na sequência das reuniões públicas que dinamizou «Um bom grupo de portugueses se interessou pela mensagem evangélicas e passou a juntar-se para adorar a Deus de acordo com as convicções protestantes» (Manuel Pedro Cardoso – Cem Anos de Vida, 1870-1970, p. 20).

45 Robert Hawkey Moreton (1844-1917) foi um grande impulsionador do metodismo em Portugal. Depois

de se integrar na missão, acabou por permanecer em Portugal, tendo sido: fundador da União Cristã da Mocidade Portuguesa (1894), fundador do grupo nº 1 dos Escoteiros (1912), um dos 4 delegados na Con-

Procurando fazer um balanço sobre a situação das comunidades reformadas em Portugal na segunda metade do século XIX e primeira década do século XX, membros destacados dessas mesmas comunidades acabariam por concluir, já na década de trinta, que «toda a obra de evangelização em Portugal só regista um despertamento: o da Madeira, de 1840 a 46. [...] As outras denominações [...] não registam até hoje qualquer movimento notável de adesões, facilitem ou dificultem os processos de admissão. Nenhuma igreja proveniente da Reforma histórica tem estado apta a promover um movimento que conte com valor colectivo, [...]»46. E

apesar destas conclusões parecerem contradizer algum optimismo por parte do mesmo autor e de outros seus companheiros noutros escritos, notoriamente de carácter mais prosélito, é um facto que, apesar da dinamização de grupos reforma- dos e da implementação de actividades suportadas por essas mesmas comunidades ao longo da segunda metade do século XIX, o protestantismo se manteve como um fenómeno minoritário em Portugal, congregando um número de fiéis abaixo daquele a que se propunha enquanto projecto de evangelização47.

No entanto, como veremos, existem diferenças significativas entre a expansão quantitativa da religiosidade reformada e a ampliação das suas áreas de influência. Apesar de definido e habitualmente secundarizado como um fenómeno ultrami- noritário, a análise atenta do protestantismo português tende a conduzir a uma relativização dessa subvalorização, uma vez que o mesmo se desenvolve através de iniciativas, projectos e personalidades com uma influência determinante na socie- dade e cultura portuguesas e, simultaneamente, porque, de facto, a documentação católica revela a existência de um problema real que se coloca aos contemporâneos dessa implementação do cristianismo reformado em Portugal. Nessas fontes cató- licas, como se analisou, o problema não era perspectivado como secundário, mas como um perigo real para o catolicismo e nacionalidade portugueses.

Em relação ao inter-relacionamento entre as diversas comunidades evan- gélicas, o percurso do protestantismo português, respeitante a esse período de estruturação, é também a tradução de múltiplos projectos de cooperação, apesar de

ferência Mundial das YMCA (Young Men Christian Association) em Maio/Junho 1923 (juntamente com Eduardo Moreira, E. E. Dilley e António de Souza) e secretário da Aliança Evangélica Portuguesa.

46 Eduardo Moreira – A situação religiosa em Portugal, p. 13. Esta obra resultou da tradução para português

de um relatório dirigido a uma sociedade evangélica estrangeira no sentido de divulgar a situação religiosa no nosso país, no que dizia respeito à história e ao desenvolvimento do movimento protestante.

47 Luís Aguiar Santos defende que a razão de ser do lento crescimento da representatividade social do

protestantismo se prende com os «[...] ritmos de transformação da própria sociedade portuguesa, cuja lentidão secular não tem favorecido a mobilidade e abertura social e económica que enquadram e suportam as transformações culturais e religiosas; a grande estabilidade cultural daí decorrente tem funcionado para o protestantismo como uma barreira, sendo sintomático o seu aparecimento no século XIX a partir de personalidades estrangeiras residentes em Portugal» (Luís Aguiar Santos – Protestantismo. In Dicionário de

História Religiosa de Portugal, vol. 3, p. 84).

CAPÍTULO III – A CONSTRUÇÃO DE ESPAÇOS DE PLURALIDADE RELIGIOSA

não terem deixado de surgir algumas situações conflituosas48. A título de exemplo, Eduardo Moreira representa, no interior do campo protestante, a demonstração prática da componente dialogante da cissiparidade protestante, na medida em que o seu percurso evidencia que a fragmentação presente no desenvolvimento do cristianismo evangélico não corresponde necessariamente à criação de grupos exclusivos, podendo antes significar uma pluralização de opções no interior do mesmo protestantismo. É essa abertura que permite que, ao longo de mais de oitenta anos, Eduardo Moreira exerça importantes cargos tanto no seio do campo metodista, como do congregacionalismo ou do presbiterianismo, e finalmente da Igreja Lusitana. A liberdade religiosa reclamada por esses grupos ao longo da histó- ria de Portugal não se definia apenas na relação entre o protestantismo e o exterior, designadamente a Igreja católica, mas também no funcionamento endógeno, onde a mesma tendia a praticar-se49.