• Nenhum resultado encontrado

% do PIB Suiça 4,

2.3 O papel do Estado frente às desigualdades socioeconômicas e educacionais

Nos concentraremos na análise acerca do Estado capitalista, evidenciando suas principais características: unidade do poder político institucionalizado e a autonomia relativa, relacionando-as as estruturas das relações de produção e a luta de classes, com o objetivo de compreender com essas relações se acomodam, articulam e atravessam o Estado. Severino e Sousa (2015.p. 5-6) analisando a função política e econômica do Estado afirmam, “o Estado capitalista age de forma diametralmente oposta em relação às classes. Isto porque desmistificaria o efeito de isolamento presente nas relações sociais econômicas dessa formação social e o caráter de unidade do povo-nação com que se apresenta. Assim, oculta o seu caráter de classe, exclui as classes dominadas das suas instituições e contribui com a organização política da classe dominante, anulando seu isolamento econômico e assegurando a sua introdução nos quadros do Estado.

Tratamos, sucintamente, sobre o Estado em Marx para abordar o seu papel, em contextos de desigualdade e aprofundamento da exploração capitalista. Neste sentido, tomamos como premissa que o Estado, a política e o capital não possuem um fim em si mesmos e nem se desenvolvem a partir de uma dimensão transcendental ou neutra. Daí evidenciarmos a linha de pensamento marxista, que vem presidindo a análise construída até aqui.

Carnoy (1988, p. 65) ressalta que Marx “[...] não desenvolveu uma única e coerente teoria da política ou do Estado; as concepções marxistas do Estado devem ser deduzidas das críticas de Marx a Hegel e do desenvolvimento da teoria de Marx sobre a sociedade [...]”. Compreende que o Estado nasce das produções humanas e representa seus interesses, não em sua totalidade, mas dos grupos detentores dos meios de produção (CARNOY, 1988). Santos (2017, p. 59), por sua vez, afirma que na teoria a compreensão de Estado fica mais explícita nas considerações de Engels (2009) acerca do seu surgimento:

Para ele, desde a sua origem, o Estado serve aos interesses dos grupos dominantes, de modo que seu nascimento coincide com a divisão da sociedade em classes, que, por sua vez, relaciona-se diretamente com a posse da propriedade. Nesse processo, o Estado assume a função de controlar e dominar determinados grupos em benefícios de outros, que vão gradativamente se tornando dominantes.

O Estado, nessa perspectiva, tem fundamentos nas relações de produção, estando envolvido, segundo Ianni (1985) pelas contradições da sociedade capitalista e, para cumprir suas funções, utiliza-se, por vezes, de meios repressivos e violentos, mantendo o controle sobre a classe dominada (IANNI, 1985).

Carnoy (1988, p. 65) ressalta também que a variedade de interpretações, com base em Marx, “[...] estão fundadas na sua teoria da economia política e de análises de conjunturas históricas específicas”:

A variedade de interpretações possíveis, baseadas nessas fontes diferentes, levou a um debate considerável, indo de uma posição que defende a visão leninista àquelas que veem uma teoria do Estado claramente refletida na análise política e econômica de Marx, ou como a base para análise da situação atual. Apesar dessas diferenças, porém, todos os teóricos marxistas, de um modo ou de outro, baseiam suas ‘teorias’ de Estado em alguns dos ‘fundamentos’ marxistas e são esses fundamentos analíticos que formam o quadro do debate.

Carnoy (1988, p. 65) ressalta, ainda, que nesta perspectiva “[...] a forma do Estado emerge das relações de produção, não do desenvolvimento geral da mente humana

ou do conjunto das vontades humanas”. (CARNOY, 1988). Portanto, “[...] é impossível separar a interação humana em uma parte da sociedade da interação em outra: a consciência humana que guia e até mesmo determina essas relações individuais é o produto das condições materiais”, o modo pelo qual as coisas são produzidas, distribuídas e consumidas (POULANTZAS, 1975, p.64).

Segundo Carnoy (1988, p. 66), Marx nos esclarece que o Estado não é apenas para sustentação do capital, mas é parte constitutiva de sua base material; “[...] é um instrumento essencial de dominação de classes na sociedade capitalista. Ele não está acima dos conflitos de classes, mas profundamente envolvido neles. Sua intervenção no conflito é vital e se condiciona ao caráter essencial do Estado como meio da dominação de classe”. (CARNOY, 1988, p. 67). Essa dominação de classe é usada para conservar a estrutura de dominação do capitalismo, pela busca do consenso e pela via da persuasão, com predomínio da ideologia hegemônica dominante. Nas palavras de Santos (2017, p. 66), “[...] consolidando e funcionando por meio de todas suas estruturas numa simbiose entre capital e Estado, e, do mesmo modo, entre ambos e a pobreza”.

Ao explicar a função do Estado capitalista, David Harvey (2011, p. 50) afirma que “[...] o Estado capitalista deve usar o monopólio adquirido sobre os meios de violência para proteger e preservar o regime de direitos e a propriedade privada individualizada como um regime que se articula através do funcionamento do livre mercado [...]”. Assim, o Estado, em vez de universalizar direitos sociais, atua por meio da violência exclusiva para a acumulação do capital, por meio das diversas interfaces entre Estado, sociedade e mercado, as quais dependem das formas de vinculação à economia capitalista mundial (HARVEY, 2011).

Harvey (2011, p. 50) complementa afirmando que o poder centralizado do Estado é usado para proteger um sistema de propriedade privada. Nesse sentido, reforça que: Há muitos problemas na esfera da troca mercantil que incitam o Estado a ir além do simples papel de “vigia noturno”, de guardião da propriedade privada e dos direitos individuais. Para começar, há os problemas da provisão de bens públicos e coletivos (como rodovias, porto e enseadas, água, limpeza urbana, educação e saúde públicas). Além disso, a função do aparelho estatal em si deve ser não só administrar, mas também assegurar as instituições que tem de proteger [...]. Acima de tudo, o Estado tem de encontrar uma maneira de governar populações diversas, muitas vezes rebeldes e indóceis. O fato de muitos Estados capitalistas fazerem isso pela instituição de procedimentos e mecanismos democráticos de governabilidade [...] levou a alguns sugerir erroneamente, acredito, um vínculo inerente entre à democratização e à acumulação de capital. […].

Por sua vez, Gramsci (1978) compreende que o Estado divide-se em duas esferas: a sociedade política (governos, tribunais, polícia) e a sociedade civil (igreja, família, instituições de caráter privado) (GRAMSCI, 1978). A concepção de Gramsci (1978) sobre o Estado e a sociedade apresenta-se de forma dialética, de modo que, pela luta travada na esfera da sociedade civil visando à superação do capitalismo, é possível criar-se um espaço contra-hegemônico dos dominados (GRAMSCI, 1978).

Vale ressaltar que o imbricamento disfarçável entre as dimensões econômica e política (re)produz e mascara a dominação de classe incrustada no Estado, “o econômico assume o papel determinante num modo de produção, numa formação social: mas o político ideológico, enfim a superestrutura, desempenha igualmente um papel importante”. (CARNOY, 1998). Isso quer dizer que o modo de produção capitalista é determinado pela existência dessas três dimensões - estrutura, infraestrutura e superestrutura, sendo que nessa estrutura social, pensada por Marx a estrutura representa as forças de produção onde estão os meios e as relações de produção; é formada pela base econômica, onde por meio do trabalho ocorre a exploração, favorecendo a acumulação (CARNOY, 1998). Já a superestrutura é a parte da estrutura jurídico-política e ideológica formada pelo Estado, religiões, meios de comunicação, escola, dentre outros.

Ainda que, a estrutura econômica assuma o papel dominante para a reprodução das relações sociais de produção, a superestrutura enquanto lugar da ideologia, da política e da cultura é igualmente constitutiva do ser social (POULANTZAS, 1975). Assim, o Estado em suas relações sociais na luta econômica e na luta política expõe dupla função: isolamento e unidade: isolamento dos agentes de produção nas relações sociais econômicas e unidade de agentes de produção na luta política, embora fracionados e atomizados, sob efeito de relações isoladas.

O Estado apresenta-se constantemente como a unidade propriamente política de uma luta econômica, a qual manifesta, na sua natureza, esse isolamento. Apresenta-se como representativo do “interesse geral” de interesses econômicos concorrentes e divergentes que ocultam aos agentes [...] o seu caráter de classe. Por via de consequência direta, e por intermédio de todo um funcionamento complexo do ideológico, o Estado capitalista oculta sistematicamente, ao nível de suas instituições políticas, o seu caráter político de classe: trata-se no sentido mais autêntico, de um Estado popular-nacional-de-classe. Este Estado apresenta-se como a encarnação da vontade popular do povo-nação, sendo o povo-nação institucionalmente fixado como conjunto de “cidadãos”, indivíduos, cuja unidade o Estado capitalista representa (POULANTZAS, 1971, p.145).

Poulantzas (1975, p. 128), compreende que “o Estado tem como função a ‘coesão de uma formação social e de reprodução de um sistema que se desenvolve através de três ações básicas”, a saber:

Normatizar as relações entre as classes dominantes que compõem o bloco no poder; normatizar as relações entre as classes dominantes e a classe dominada; e conservar ou romper a formação social e reproduzir as condições de existência do capitalismo.

Assim, o Estado cumpre sua função de normatizar as relações de classe, dominantes e dominadas, assegurando, ao mesmo tempo, a reprodução das condições materiais de existência do modo de produção e com certa autonomia da fração de classe no poder (POULANTZAS, 1975). Por essa perspectiva Poulantzas problematiza a determinação econômica afirmada em Marx, diferenciando a função do Estado e demonstrando, ao mesmo tempo, certa aproximação com as ideias de Gramsci, sendo que Gramsci afirma a existência da determinação econômica, porém, em ultima instância (POULANTZAS, 1975).

Por essa compreensão o Estado como parte das disputas de classe pode ser disfuncional aos interesses dominantes e, de acordo com a discussão que vem sendo realizada, esta perspectiva entra em choque com a compreensão de Marx, e promove a inversão de uma tradição da Filosofia Política moderna, na relação entre Sociedade Civil e Estado (CARNOY, 1990). Entra em choque com a ideia que Estado não é “responsável pela representação da ‘coletividade social’, acima dos interesses particulares e das classes”, nem o “curador da sociedade como um todo”, pois, na verdade, o Estado é um instrumento essencial de dominação de classes na sociedade capitalista (CARNOY, 1990). Ele não está acima dos conflitos de classes, mas profundamente envolvido neles. Sua intervenção no conflito é vital e se condiciona ao caráter essencial do Estado como meio da dominação de classe (CARNOY, 1990, p.67).

Carnoy (1990) afirma que para Hegel tanto a família, como a Sociedade Civil, aparecem como “momentos” de viabilidade necessários para se chegar ao seu Estado Ético. Daí o caráter diferenciado, atribuído por Hegel à Sociedade Civil, como sendo a esfera dos antagonismos, dos interesses individuais conflitantes, em suma o “Reino da dissolução, da miséria e da corrupção física e ética”, cujas relações necessitam ser mediadas e/ou superadas pelo Estado. (CARNOY, 1990, p.66).

Ao discutir o conceito de Estado autônomo, compreendido como um instrumento essencial de dominação de classes na sociedade capitalista, afirma que ele não

está acima dos conflitos de classes, mas profundamente envolvido neles. Sua intervenção no conflito é vital e se condiciona ao caráter essencial do Estado como meio da dominação de classe (CARNOY, 1990, p.67); afirma que:

Na verdade, se o Estado autônomo não muda a configuração do poder econômico, ele depende da burguesia dominante para a acumulação de capital, consequentemente para os impostos públicos e para a própria elevação do Estado e a expansão militar, essa versão do Estado autônomo que está presente na obra de Gramsci, e aparece como base das teorias do Estado de Poulantzas.

Assim, pode-se compreender, nos ancorando na análise de Carnoy (1990), os dois principais aspectos da visão de Marx sobre o Estado, em oposição a Hegel. Primeiramente, como vimos, ao contrário de Hegel, ele colocou o Estado em seu contexto histórico e o submeteu a uma concepção materialista da história (CARNOY, 1990).

Não é, portanto, o Estado que molda a sociedade, mas a sociedade que molda o Estado e, essa por sua vez, se molda pelo modo dominante de produção e das relações de produção inerentes a esse modo. O segundo aspecto destacado por Carnoy (1990), é que Marx (novamente em oposição a Hegel) defendia que o Estado emerge das relações de produção, não representando o bem-comum, antes é a expressão política da estrutura de classe inerente à produção. (CARNOY, 1990, p.66).

Com a liberalização econômica neoliberal, que implica um conjunto de medidas e reformas visando a estabilização da economia, inclusive permite uma maior presença do Estado no setor econômico, há certa desarticulação dos centros internos de decisões (SAMPAIO JR., 2010), porém se viu cumpridas as promessas de que as ondas de inovação tecnológica e os movimentos de internacionalização do capital permitiriam a aceleração do crescimento e a socialização dos novos métodos de produção (SAMPAIO JR., 2010).

A desigual difusão do progresso técnico acentuou assimetrias na divisão internacional do trabalho e exacerbou características predatórias do capital, ampliando o hiato que separa o desenvolvimento do subdesenvolvimento e revitalizando formas, que se imaginavam ultrapassadas, de super-exploração do trabalho e de depredação do meio ambiente (SAMPAIO JR., 2010). A modernização dos padrões de consumo e dos estilos de vida ficou restrita a exígua parcela de privilegiados; as sociedades periféricas que, submetidas à concorrência global e ao despotismo das potências imperialistas, tornaram-se presas de um processo de reversão neocolonial (SAMPAIO JR., 2010).

Em síntese, os efeitos do neoliberalismo são conhecidos: aumento do desemprego; economia informal e trabalho precário; desigualdade na distribuição de renda

e de riqueza; crescimento do número de milionários e de pobres; economias em crise (tensões sociais, instabilidade política, destruição do meio ambiente) e baixa expectativa de futuro (SAMPAIO JR, 2010, p. 102).

Enfim, o Estado brasileiro em todos os processos de desenvolvimento econômico sempre seguiu uma via conservadora e autoritária de desenvolvimento econômico, concentradora de riqueza, renda e poder. Uma via perversa que excluiu a maioria da população dos frutos do seu trabalho, do processo econômico e da cidadania (SAMPAIO JR., 2010). Reside nesse fato a origem das desigualdades sociais e regionais existentes no Brasil, que se expressam, de modo geral nas ações do Estado e no modo de produção das políticas públicas. Contudo, vale reafirmar que esse processo está imerso em contradições e, desse modo, as forças organizativas da sociedade civil, comprometidas com as transformações sociais, também incidem na política e, portanto no fazer do Estado, embora na correlação de forças geralmente não consigam produzir uma síntese que favoreça à classe trabalhadora, mas produzem alguns momentos de tensões importantes.

Assim, de acordo com a perspectiva de análise do Estado em Gramsci que, em nosso entendimento, melhor expressa sua forma de existência no momento atual, tencionado por movimento da sociedade civil como expressão das contradições do modo de produção capitalista no interior do Estado, afirmam que nenhuma conquista, nenhum avanço é permanente, definitivo. Mesmo em situações de avanço na promoção de políticas de inclusão educacional, como o FUNDEB, observa-se que tal inclusão não se realiza plenamente, posto que está ancorada em última instância da dinâmica econômica dominante reprodutora de desigualdades. Neste sentido, a luta pelo direito, que será abordado a seguir é central para assegurar saltos quantitativos e qualitativos e os tensionamentos necessários à novas instabilidades necessárias à provocação de novas mudanças, até a superação do modelo hegemônico.