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2. MARCO CONCEITUAL TEÓRICO

2.10 A política nacional do turismo: uma breve discussão

2.10.1. O patrimônio histórico-cultural como atrativo turístico

Segundo Pellegrini Filho (1997, p.90) a noção moderna de patrimônio histórico- cultural não se restringe apenas à arquitetura a despeito da indiscutível presença das edificações como um ponto alto da realização humana. De modo que o significado de patrimônio histórico-cultural é muito amplo, incluindo os produtos do sentir, do pensar e do agir humano.

Segundo Barreto (2000, p.12), na convenção do Patrimônio Mundial da UNESCO em 1972, definiu-se patrimônio histórico-cultural como sendo:

• Monumentos: obras de arquitetura, escultura, pinturas monumentais, elementos ou estruturas de natureza arqueológica, inscrições, cavernas e combinações destas que tinham um valor de relevância universal do ponto de vista da história, da arte ou das ciências. • Conjuntos de edificações: conjuntos de edificações separados ou conectados, os quais, por

sua arquitetura, homogeneidade ou localização na paisagem, são de relevância universal do ponto de vista da história, da arte ou das ciências.

• Sítios: obras feitas pelo homem ou pela natureza e pelo homem em conjunto e áreas que incluem sítios arqueológicos que sejam de relevância universal do ponto de vista da história, da estética, da etnologia e da antropologia.

O patrimônio não está restrito somente a antiguidades, segundo Pellegrini Filho (2000, p.96), modernamente devemos compreender por patrimônio histórico-cultural todo e qualquer artefato humano, que tendo um forte componente simbólico seja, de algum modo, representativo da coletividade, da região, da época específica, permitindo melhor compreender-se o processo histórico.

Por outro lado Barreto (2000, p.11) chama a atenção de que: “O patrimônio deixou de ser definido pelos prédios que abrigaram reis, condes e marqueses e pelos utensílios a eles pertencentes, passando a ser definido como o conjunto de todos os utensílios, hábitos, usos e costumes, crenças e forma de vida cotidiana de todos os segmentos que compuseram e compõe a sociedade”.

A área de estudo possui um rico patrimônio histórico cultural em todos os distritos que merecem atenção. O distrito de Santo Antônio de Lisboa abriga um conjunto de edificações construídas em meados de 1750. Como exemplo, temos a igreja Nossa Senhora das Necessidades, no centro do distrito de Santo Antônio de Lisboa, construída entre 1750 e 1756. Esse patrimônio tombado é um testemunho de que, se projetos de restauração forem

criados, é possível haver conservação, pois nos últimos foi totalmente restaurada, em parceria com o governo estadual, municipal e iniciativa privada.

Mas tantos outros estão em ruínas e não são menos importantes. Há o exemplo do sobrado que hospedou o Imperador Dom Pedro II, em 1845.

FIGURA 24: Ruínas do sobrado que abrigou Dom Pedro I em 1845, distrito de Santo Antônio de Lisboa.

Atualmente, os recursos financeiros estão escassos para atender obras sociais que interferem diretamente na qualidade de vida da comunidade. Por outro lado, devemos pensar que a preservação e a conservação do patrimônio histórico-cultural é a memória viva da organização da sociedade ao longo de determinado período histórico.

Em recente documento publicado pelo IPUF28 (Instituto de Planejamento Urbano de Florianópolis), fruto de um ciclo do debate “Pensando a Cidade”, realizado durante os meses de novembro e dezembro de 2005, como elemento de discussão para a revisão do Plano Diretor de 2006, mostra resultados diagnosticados sobre o nosso setor turístico. Dentre eles, deve ser destacado, conforme segue: “A Ilha de Santa Catarina pode ser compreendida como um resort com excepcional qualidade ambiental e cultural, o que contribui diretamente para o maior fluxo dos turistas”.

Compreender é muito fácil, preservar e conservar este excepcional patrimônio ambiental e cultural exige ações concretas de planejamento, que não têm sido feitas de forma a contribuir para a sustentabilidade do patrimônio.

O documento merece destaque quando admite que, no processo de salvaguarda, houve acertos, dificuldades, equívocos e lacunas.

Dos acertos:

- “O sistema defensivo, do século XVIII, representado pelas fortalezas, foi protegido como referência histórica no contexto da defesa do território sul da América Portuguesa (tombamento federal na década de 1930);

- As referências materiais da ocupação urbana, efetivadas a partir do século XVIII, foram parcialmente protegidas através da legislação municipal, promulgada em 1974, sendo a 1ª iniciativa municipal de proteção no Brasil (a Lei 1202/74 dispõe sobre a proteção do patrimônio histórico, artístico e natural do município e cria o órgão competente);

- A COTESPHAN, (Comissão Técnica do Serviço do Patrimônio Histórico, Artístico e Natural) instituída em 1974, é um fórum democrático de reflexão e instrumento gerenciador auxiliar, composta por representantes da sociedade civil, que contribui na reflexão acerca da política de preservação;

- A partir da década de 1980, o SEPHAN (Serviço de Patrimônio Histórico, Artístico e Natural do Município de Florianópolis) foi transferido para o IPUF. Nesta oportunidade, o conceito de preservação foi ampliado, abrangendo não só a proteção, pontual, do acervo monumental, mas também os conjuntos urbanos, ou seja, o patrimônio ambiental urbano;

- Em 1985, a preservação patrimonial urbana foi inserida no planejamento urbano da cidade. No âmbito do Plano Diretor foi criada uma categoria complementar, as Áreas de Preservação Cultural (APC), que consiste em um zoneamento sobreposto ao uso do solo, que define procedimentos específicos para o acervo protegido;

- Após tendo efetivada a proteção de parcela significativa do patrimônio ambiental urbano, sua revitalização ocorreu através do Projeto Renovar, instituído em 1993, que estimulou ações de recuperação do casario, despoluição visual e reestruturação do espaço público. Como ação isolada vem promovendo mudanças na conscientização sobre a importância da preservação do patrimônio cultural”. (IPUF, 2006, p. 2).

Dos acertos se pode destacar que somente em 1985 a preservação patrimonial foi inserida no planejamento urbano da cidade, haja vista que temos em nosso município construções que datam dos séculos XVIII e XIX e somente no final do século XX é que ações foram tomadas no sentido de incentivar projetos de restauração.

Das dificuldades:

- “As Áreas de Preservação Cultural – APC - criadas no Plano Diretor, necessitam regulamentação;

- Dos conjuntos de APC, somente as APC-1 (áreas históricas) foram objeto de gestão pelo SEPHAN. As demais categorias, ou seja, as APC-2 (áreas de paisagem cultural) e APC-3 (áreas arqueológicas) não foram objeto de gestão, devido ao fato do IPUF, não dispor de técnicos especialistas em antropologia e arqueologia em sua equipe;

- O poder de polícia (fiscalização, controle e punição) é deficitário;

- O problema da valorização econômica dos bens patrimoniais se mantém: preservar continua sendo visto como ônus;

- Falta a cultura da “valorização do patrimônio histórico”. Não houve investimento em um processo contínuo de conscientização, seja através de campanhas educativas, em todos os níveis, ou do incentivo ao debate público; - As ações públicas têm sido realizadas sem considerar à continuidade das políticas anteriores, cujas tomadas de decisões se dão, geralmente, sem a participação dos técnicos e de setores representativos da comunidade;

- Os núcleos do interior da Ilha estão em acelerada descaracterização devido à desvalorização da cultura tradicional, à crescente especulação imobiliária e à falta de políticas públicas objetivas que reforcem a identidade local”. (IPUF, 2006, p. 3).

As dificuldades confirmam a realidade do plano diretor do município de Florianópolis, assim como da maioria dos municípios brasileiros que possuem questões definidas teoricamente no plano diretor, mas que carecem de regulamentação para que possam ser exercidas na prática.

Dos equívocos:

- “A falta de ações coordenadas do poder público quanto ao uso dos equipamentos de sua propriedade vêm contribuindo para o processo de degradação das áreas históricas. No caso de Florianópolis, o Centro Histórico abrigou, desde o início da fundação da cidade, o complexo administrativo do Estado e do Município. A descentralização da estrutura administrativa para o interior do Estado e a criação de um Centro Cívico na periferia provocaram o súbito esvaziamento do Centro Histórico tradicional;

- A desarticulação das políticas públicas compromete o patrimônio histórico, a exemplo da perda substancial de regiões tradicionais, tais como o Estreito, que perdem, completamente, sua identidade local;

- Na década de 1970 a visão era a metropolização em detrimento da preservação do patrimônio histórico. Isto se reflete no Plano Diretor de 1976, que não considerou os conjuntos históricos existentes e promoveu uma ruptura entre a cidade e o mar;

- Os núcleos do interior da Ilha eram, originalmente, ocupações rurais, de densidade territorial baixa e esparsa. O Plano Diretor de 1986 possibilitou a ocupação nos interstícios modificando as características da área, densificando a ocupação das mesmas;

- O Plano Diretor de 1986 determinou 3 (três) categorias de preservação, em que aquelas, classificadas como P2, “são unidades partícipes de conjunto arquitetônico, cujo interesse histórico está em ser parte do conjunto, devendo seu exterior ser totalmente conservado ou restaurado, mas podendo haver remanejamento interno, desde que sua volumetria e acabamentos externos não sejam afetados, de forma a manter-se intacta a possibilidade de aquilatar-se o perfil histórico urbano”. Neste caso, ocorre perda ou mutilação do interior dessas

edificações históricas, pela descontextualização da unidade arquitetônica”. (IPUF, 2006, p. 4).

Novamente é feita menção ao plano diretor que incentivou a “metropolização”, não assegurando ações de preservação e conservação do patrimônio histórico. Muito se perdeu com esses equívocos. Nas comunidades da área de estudo restaram os elementos arquitetônicos do patrimônio, ligados à religiosidade somados a alguns prédios públicos.

Hoje não se conhece a realidade do patrimônio histórico–cultural do município de Florianópolis e mais especificamente da área de estudo. Carece de conhecer a situação “legal” e “real” do patrimônio histórico-cultural, que pode ser analisada através da realização de um cadastro técnico, aliada a uma cartografia da situação física e jurídica do elemento patrimonial.

O forte adensamento urbano dos últimos anos, na área de estudo, e a dificuldade de acompanhamento das modificações das características do ambiente construído e ocupado levaram à criação de uma ocupação do espaço “real”, bastante diferente da ocupação “legal” registrada nos cartórios de imóveis e no cadastro imobiliário do município de Florianópolis.

Aproveito para lançar um desafio. A Figura 25 mostra um elemento histórico que foi de grande importância no século XIX para o interior da Ilha de Santa Catarina. Os “engenhos de cangalha” espalhados no interior da Ilha possuíam uma característica peculiar, pois todos apresentavam uma construção rústica, com chão de terra batida e telhado aparente. Equipados com engenho de cana-de-açúcar, engenho de farinha, carro de boi, prensa, conjunto de fogão à lenha e forno de rosca.

Quantos engenhos restam hoje preservados e conservados como testemunhos daquela época áurea? Poucos, pois a maioria se não foi demolida pelo proprietário passou a servir como galpão de depósito, até ruir pela falta de manutenção.

FIGURA 25: Ruínas de um “engenho de cangalha” junto à sede de uma propriedade rural no interior do distrito de Ratones.

Estas peculiaridades geográficas na área de estudo devem ser vistas como atrativos histórico-culturais de grande valia para o desenvolvimento de segmentos turísticos. Indicador da situação do patrimônio histórico-cultural, pois muito do que existe ainda não foi cadastrado como existência física e avaliado como elemento patrimonial de formação da paisagem.