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O período Pós-Crise: A recuperação e as exportações

2. CRESCIMENTO E DIVERSIFICAÇÃO DAS EXPORTAÇÕES CHILENAS

2.2 O período Pós-Crise: A recuperação e as exportações

A crise que eclodiu em 1982 iniciou um período de pragmatismo na política econômica do país e a saída dos economistas da Escola de Chicago. Esta mudança de política trouxe à tona uma nova coalizão de interesses, que reivindicava uma desvalorização do peso, baixas tarifas alfandegárias, baixas taxas de juros, políticas setoriais e um processo de decisão mais inclusivo e institucionalizado. Estes setores estavam intimamente ligados a atividades exportadoras extrativas, como setor madeireiro, minerador e de pesca (SILVA, 1993).

Outra demanda foi a privatização de empresas estatais, a chamada segunda onda, nos termos de Diez (1999). A segunda fase de privatizações tinha metas modestas, que incluíam a privatização de apenas parte das corporações estatais. Entretanto, segundo os responsáveis por essa política, o sucesso inicial levou a privatização estender-se a 100% do capital dessas empresas, exceto dos setores mais estratégicos como o cobre (GOMA, 1989).

A recuperação da crise deu-se inicialmente sob um programa de ajuste do balanço de pagamentos levado a cabo pelo FMI, que tinha como premissas políticas restritivas como controle do déficit público, restrições ao crédito e uma política salarial de restrição a reajustes salariais. Este programa trouxe benefícios e custos à economia chilena e favoreceu a escolha do rumo de política voltada para o exterior, visto que seria por meio das exportações que a vulnerabilidade externa, refletida na dívida externa, seria reduzida (MELLER, 1990).

Na política comercial, Ffrench-Davis (2002a) define o período a partir de 1983 como a segunda liberalização comercial, trazendo consigo políticas mais diversificadas, mesclando restrições, liberalização e intervenção, diferentemente da primeira, em que a abertura foi irrestrita e contínua. A política comercial foi flexibilizada, com o aumento das alíquotas de importação de 10% para 20% em 1983 e para 35% em 1984, além de medidas antidumping.

Quanto à política cambial, somente entre junho e setembro de 1982, houve quatro tipos distintos de câmbio: o primeiro, de câmbio nominal fixo que perdurou até meados de junho; o segundo, de desvalorização abrupta seguida de minidesvalorizações; o terceiro, de flutuação livre da taxa, que teve duração de apenas três dias; e por último, uma nova desvalorização de 40%, seguida de minidesvalorizações. A partir deste momento, a política instaurada foi de uma taxa de câmbio em que o Banco Central fixava a taxa oficial, com uma banda de flutuação que foi se ampliando ao longo do tempo (FFRENCH-DAVIS, 2002b; MELLER, 1990).

Segundo Agosin (1999), a política econômica e o programa de liberalização se modificaram conforme as necessidades da conjuntura. Durante a década de 1980 criou-se maior regulação dos mercados financeiros, possibilitando a queda das taxas reais de juros, e conseqüentemente, novos incentivos para investimentos. Edwards (1999) enfatiza ainda a importância da reforma bancária ocorrida em 1986, que impôs uma regulação mais rigorosa sobre a exposição dos bancos e instituiu um amplo sistema de fiscalização.

Existe um relativo consenso na literatura de que foi a partir da recuperação da economia em meados da década de 1980 que o crescimento foi liderado por exportações (FFRENCH-DAVIS, 2002a; AGOSIN, 1999; KURTZ, 2001).

Agosin (1999) relata que esta periodização é confirmada pelo crescimento elevado e consistente, liderado por exportações de não tradicionais e altas taxas de investimento, ao passo que no período anterior a economia desfrutava de capacidade ociosa. Meller e Saez (1995) ainda destacam o fato de que a partir de 1985 o crescimento anual das exportações foi maior que o crescimento anual do produto, sugerindo que as exportações começaram a representar o motor propulsor da economia chilena. Como pode ser observado na tabela 3, apesar do período entre 1974 e 1981 registrar o maior diferencial entre crescimento das exportações e crescimento do PIB, é importante assinalar que a base de comparação foi pequena neste período, já que as exportações assinalaram queda de 11,9% no período anterior.

Tabela 3. Chile: Evolução do Crescimento do PIB, Investimento Bruto e Exportações, 1960 – 2006(%) Crescimento do PIB Investimento Bruto Total Excluindo o Cobre 1960-1970 4,2 25,1 5,6 4,6 1971-1973 0,5 16,9 -4,4 -11,9 1974-1981 3,7 22,2 12,0 20,9 1982-1989 2,4 19,8 6,5 8,2 1990-1995 6,7 28,5 9,0 9,8 1996-2000 3,4 26,0 7,2 4,5 2001-2005 4,4 25,9 6,7 5,1

Crescimento das Exportações

Fonte: Banco Central do Chile, apud AGOSIN (1999) para o período entre 1960-1995 e Banco Central do Chile para 1996-2005.

O governo teve papel decisivo no aumento das exportações, por meio de incentivos setoriais e políticas macroeconômicas. Exemplos destas políticas foram as compensações simplificadas22, introduzidas em 1985; a criação do Prochile23, da Fundação Chile24 e investimento em infra-estrutura e recursos humanos. O quadro 1 mostra outros diversos mecanismos tributários utilizados pelo governo a fim de incentivar as exportações neste período:

22 As compensações (reintegros) simplificadas tinham o objetivo de beneficiar as exportações com valor inferior

a US$ 20 milhões, pois seus exportadores receberiam um subsidio efetivo de 3,5 ou 10% do valor da exportação. Em 1994, aproximadamente 70% do número de produtos exportados receberam esse beneficio.

23 Instituição do governo chileno, sob a Direção Geral de Relações Econômicas Internacionais do Ministério das

Relações Exteriores. “La labor de ProChile se basa en cuatro conceptos fundamentales: el apoyo a la pequeña

y mediana empresa en su proceso de internacionalización; el aprovechamiento de las oportunidades que generan los Acuerdos Comerciales que tiene el país; la asociatividad público-privada y el posicionamiento de la imagen de Chile en otros mercados (Prochile).

24 Criada em 1976, esta instituição semi- pública tem o objetivo de definir atividades que possam se beneficiar de

novas tecnologias, e assim, inicia-se um processo de pesquisa. Assim que a tecnologia é adaptada e assimilada, uma subsidiária se encarrega da comercialização. Quando esta última torna-se lucrativa, é vendida a uma empresa privada, completando o ciclo de transferência de tecnologia (FFRENCH-DAVIS, 2002b).

Quadro 1 - Incentivos tributários às exportações de 1974 a fins dos anos 1980

- Isenção do imposto de valor agregado (IVA) por exportações e recuperação de impostos pagos por insumos incorporados à exportação. (Decreto-Lei nº 825, em vigor desde 1974).

- Devolução simplificada de impostos das exportações menores (produtos não tradicionais) mediante a devolução de 10% ou de 5% do valor fob exportado (Lei Nº 18.480, vigente desde 1985).

- Suspensão do pagamento da tarifa de importação e do IVA por insumos importados para serem utilizados na produção de bens para exportação (Decreto do Ministério da Fazenda Nº 224, vigente desde 1986).

- Pagamento diferido de direitos para importação de bens de capital. Este instrumento é de aplicação geral e não exclusivo para os exportadores (Lei Nº 18.634, vigente desde 1987).

- Devolução de taxas alfandegárias pagas por insumos importados incorporados a produtos exportados (Lei Nº 18.700, vigente desde 1988).

Fonte: Ffrench-Davis, Leiva y Madrid25 (1991), y Macario26 (2000) apud FFRENCH-DAVIS, 2002a, p. 146.

Como conseqüência, as exportações ampliaram cada vez mais sua participação no PIB do país. Segundo dados do Banco Central do Chile, a proporção Exportações / PIB a preços constantes foi de 11,9% entre os anos de 1960-1970 para 43,3% no triênio 1999-2001. O gráfico 1 mostra a evolução da participação das exportações sobre o PIB de 1960 a 1990. Gráfico 1 – Participação das exportações em relação ao PIB (1960-1990)

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 1960 1963 1966 1969 1972 1975 1978 1981 1984 1987 1990

Fonte: Banco Central do Chile. Elaboração própria.

25 Ffrench-Davis, R., P. Leiva y R. Madrid (1991): La apertura comercial en Chile: experiencias y perspectivas,

Estudios de Política Comercial Nº 1, UNCTAD, Nueva York.

A política tarifária a partir da recuperação da crise da dívida tornou-se mais permissiva em relação às importações, aprofundando o processo de abertura unilateral. A tarifa de importação média foi continuamente decrescendo ao longo dos anos, até alcançar o atual patamar de 6,0%.

Tabela 4 - Alíquota de importação média (1973-2005) Ano Alíquota de importação média (%)

1973 94,0 1974-79 35,3 1980-82 10,1 1983-85 22,7 1986-89 17,6 1990-95 12,0 1996-98 11,0 1999-2002 9,0 2003-05 6,0

Fonte: Banco Central do Chile, apud Ffranch Davis (2002, p. 145) para os anos entre 1973-2001 e Becerra (2006, p. 8) para os demais anos.

A participação do Estado chileno e o seu papel fundamental em todas as transformações ocorridas durante o período analisado merece destaque. Do modelo de substituição de importações, passando pela tentativa socialista de Allende e mesmo durante a era de liberalismo econômico radical, o Estado foi agente vital para os rumos da economia.

Difundiu-se que o Estado chileno a partir do golpe de 1973 não teve papel ativo na economia, com características não-intervencionistas, já que o Chile era considerado o “laboratório do Consenso de Washington” 27 e supunha-se que o Estado deveria interferir o mínimo possível, a fim de não criar distorções na economia. A este respeito, entretanto, é necessário qualificarmos que a sugestão de um Estado mínimo não pressupõe que este esteja passivo às necessidades e às dificuldades macroeconômicas. Além disso, o período pós - golpe não pode ser considerado homogêneo em relação ao intervencionismo estatal, e tratá-lo desta forma seria desprezar suas diversas nuances e transformações.

Assim, o Estado chileno realizou políticas de orientação de investimentos em prol de setores exportadores e capacitação destes segmentos por meio do desenvolvimento de tecnologia e auxílio aos devedores no pós-crise. Durante a década de 1980 foram aplicadas

27 Assim é considerado, pois implementou políticas liberalizantes muitos anos antes de existir tal Consenso, que

foi resultado de reuniões de membros do governo norte-americano, FMI, BIRD e economistas de governos da América Latina em 1989.

políticas não-neutras e incentivos dirigidos com o intuito de inserir o Chile na economia mundial. A partir de 1986 o governo iniciou uma política de concessão de incentivos tributários e creditícios, criando estímulos para o investimento externo e promoção das exportações. (MOGUILLANSKY, 1999). O Estado ainda regulou de maneira efetiva a evolução dos preços estratégicos como taxa de juros, taxa de câmbio, salário mínimo, preços agrícolas e tarifas públicas, a fim de criar um ambiente mais favorável para as empresas exportadoras (DIAZ, 1996).

A próxima seção do presente capítulo tratará de forma mais detalhada os principais produtos exportados e os instrumentos utilizados para o crescimento destes, especialmente as políticas setoriais com a finalidade de contribuir para uma maior diversificação da pauta exportadora, procurando dinamizá-la a partir de meados da década de 1980.