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4.6. O Planejamento anual dos docentes e as práticas docentes

4.6.1 O Planejamento anual do docente – Colégio Vical

4.6.1.1. O Planejamento anual do colégio Vical x a prática docente

Neste tópico, apresentamos a análise referente ao exposto no planejamento anual da docente e às observações das aulas de Língua Portuguesa assistidas no 9º ano do Ensino Fundamental II no referido colégio.

Nas aulas a que assistimos, da professora P1, do colégio Vical, constatamos o trabalho com as orações coordenadas e a pontuação devido estarmos no final do 1º bimestre do ano letivo de 2011.

Primeiramente, é importante ressaltarmos que, segundo o planejamento anual da professora, ao se trabalhar o conteúdo de conjunções coordenativas, período composto por coordenação e pontuação, objetivava-se o desenvolvimento das seguintes habilidades: o conhecimento do conceito de oração coordenada, a identificação do tipo de oração, sindética ou assindética, o reconhecimento da pontuação como indicativo da oralidade transposta para a escrita, o reconhecimento da importância da pontuação e de marcas gráficas que indicam as vozes presentes no texto. Em relação à competência, visava-se à construção e aplicação de conceitos das várias áreas de conhecimento para a compreensão de fenômenos linguísticos, da produção da tecnologia e das manifestações artísticas e literárias.

Inicialmente, conforme as aulas a que assistimos, a professora P1 direcionou os alunos à percepção do uso das conjunções coordenadas de forma intuitiva. Para isso, solicitou o preenchimento de lacunas na junção de duas orações e integração do campo semântico em relação às coordenadas sindéticas aditivas, adversativas, explicativas, conclusivas e alternativas.

Embora a professora tenha feito um trabalho intuitivo de percepção do sentido do uso das conjunções, trabalhou durante todo o tempo com frases soltas, não contemplou as alterações de sentido na escolha das conjunções coordenativas com vistas ao texto como se o processo não caracterizasse as situações de interação.

Bakhtin destaca que o ensino de língua materna não ocorre por meio de dicionários ou gramáticas, de forma isolada e descontextualizada, mas de enunciações concretas de interação verbal, que consideram o dialogismo da linguagem. Assim se posiciona esse autor:

117 A língua materna – sua composição vocabular e sua estrutura gramatical – não chega ao nosso conhecimento a partir de dicionários e gramáticas mas de enunciações concretas que nós mesmos ouvimos e nós mesmos reproduzimos na comunicação discursiva viva com as pessoas que nos rodeiam. Nós assimilamos as formas da língua somente nas formas das enunciações e justamente com essas formas. As formas da língua e as formas típicas dos enunciados, isto é, os gêneros do discurso, chegam à nossa experiência e à nossa consciência em conjunto e estreitamente vinculadas. Aprender a falar significa aprender a construir enunciados (porque falamos por enunciados e não por orações isoladas e, evidentemente, não por palavras isoladas.) (BAKHTIN, 2010:282-283)

O ensino de gramática deve ser funcional, reflexivo e estabelecedor de sentido na aprendizagem, que objetive o desenvolvimento da competência do falante. Dessa forma, o trabalho com o texto em sala de aula torna-se imprescindível, já que a comunicação não se dá por meio de frases soltas, descontextualizadas e sem sentido.

Essa forma de trabalho é fundamental para o ensino de gramática, pois possibilita o entendimento, a reflexão da língua em uso expressa no material linguístico e inserida em um contexto específico de comunicação.

Após explicitação do conteúdo e exercícios variados, inclusive com a participação oral da turma, a professora aplicou uma avaliação aos alunos direcionando-os também à percepção intuitiva do uso das conjunções coordenativas em frases.

Nesse sentido, Neves afirma:

Mais uma vez insisto no fato de que a escola, em todos os seus níveis, descuida de assentar o tratamento da gramática na reflexão sobre o funcionamento da linguagem, ignorando as elações naturais entre as diversas modalidades de desempenho linguístico, sejam elas produzidas em um ou em outro veículo (oral ou escrito), sejam elas vazadas em um ou em outro nível de tensão (culto ou coloquial, e com todas as nuanças), sejam elas vistas em um ou em outro dos pólos em que se distribuem (no falar e no ouvir, no escrever e no ler). (NEVES, 2008:115)

Outro conteúdo trabalhado nessa mesma sala, como já mencionado, foi o da Pontuação. A professora P1 apresentou aos alunos os sinais de pontuação, direcionando-os também por meio da intuição e de seus conhecimentos diários de uso.

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Durante o desenvolvimento do tema, a professora, inicialmente, escreveu na lousa uma receita culinária e, em seguida, solicitou aos alunos que a pontuassem adequadamente. Depois, tirou as dúvidas que surgiam por parte dos alunos durante a resolução da atividade e, após tempo hábil, realizou a correção na lousa, de forma coletiva, explicitando o uso de cada sinal de pontuação.

Nessa etapa, verificamos que, embora a professora tenha trazido um gênero textual para a sala de aula, não orientou os alunos em relação às características desse gênero, apenas utilizou o texto como pretexto para um trabalho mecânico de pontuação, sem averiguar os sentidos e as intenções de uso dos sinais de pontuação. Parece-nos que a professora não valorizou o último ponto destacado por Franchi:

Se identificarmos bem os problemas do ensino gramatical, poderíamos resumi-los em:

- apesar de tudo o que se tem dito pela linguística e pela pedagogia, mantém-se um viés normativo que não se limita a levar os alunos ao domínio da modalidade culta e escrita (um dos objetivos da escola), mas que constitui um fator importante de discriminação e repressão linguísticas;

- enquanto sistema nocional descritivo, a gramática escolar esconde intuições interessantes sobre a linguagem sob uma capa de definições e um conjunto de critérios que não dão conta dos fatos das línguas naturais;

- enquanto prática escolar, o ensino gramatical se reduz ao exercício de técnicas insatisfatórias de descoberta e de classificação de segmentos de orações.

- em nenhum dos casos se busca responder à questão relevante para qualquer estudo gramatical da linguagem: por que as expressões significam aquilo que significam. (2006:79-80)

Ainda nas aulas sobre Pontuação, a professora escreveu na lousa o texto “Continho” e solicitou a reorganização dos parágrafos e a colocação adequada dos sinais de pontuação. Após o tempo da resolução da atividade, a professora realizou a correção na lousa, organizando e pontuando o texto por meio da participação coletiva da sala.

Em seguida, sobre o texto, apresentou os seguintes exercícios: 1. A partir do texto acima responda:

a) “Continho” é do tipo:

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2) Um conto é um gênero textual:

( ) literário ( ) não literário 3) Explique:

a) O narrador da história é:

( ) personagem ( ) observador 4) Explique:

a) Quem são as personagens de “Continho”?

b) Na sua opinião, por que o menino respondeu ao vigário daquela forma? Nesta etapa, a professora contemplou os sinais de pontuação, a identificação do texto literário e não literário, do tipo de texto, alguns elementos da narrativa e questões de interpretação. As características do gênero textual e as intenções de uso dos sinais de pontuação em situações “reais” de aprendizagem ainda não foram trabalhadas.

Assim, constatamos que a forma como os conteúdos foram trabalhados não possibilita o desenvolvimento da competência exposta no planejamento pedagógico que é a construção e aplicação de conceitos das várias áreas de conhecimento para a compreensão de fenômenos linguísticos, da produção da tecnologia e das manifestações artísticas e literárias devido terem sido desenvolvidos e aplicados por meio de frases desconexas e por meio de textos somente para colocação da pontuação.

Outro fator a ser destacado refere-se a não consideração, no desenvolvimento das atividades, da situação comunicativa de produção dos textos trabalhados em sala de aula.

Nesse sentido, a realização do trabalho com a gramática de forma estática, com frases soltas, ainda que inicialmente realizado de forma intuitiva e com o texto somente de forma superficial também impossibilita não somente o desenvolvimento da competência comunicativa dos estudantes como também a aprendizagem significativa, pois, conforme afirmam Coll & Solé,

120 A aprendizagem contribui para o desenvolvimento na medida em que aprender não é copiar ou reproduzir a realidade. Para a concepção construtivista, aprendemos quando somos capazes de elaborar uma representação pessoal sobre um objeto da realidade ou conteúdo que pretendemos aprender. (2009:19)

Assim, embora o documento – Planejamento Anual – da professora P1 apresente teoricamente, as competências a serem alcançadas no decorrer da aplicação do conteúdo no bimestre, verificamos que a atuação em sala de aula não contempla a realização do proposto em seu planejamento, pois a grande dificuldade está em aliar a teoria à prática.