• Nenhum resultado encontrado

O princípio da igualdade e o princípio do reconhecimento das diferenças

CAPÍTULO 3 A COLONIALIDADE DO PODER, DO SABER E DO SER E

3.2 A emancipação social no pensamento de Boaventura de Sousa Santos:

3.2.2 O princípio da igualdade e o princípio do reconhecimento das diferenças

A opção das ciências sociais em geral e da sociologia em especial pelo conhecimento-emancipação – ou seja, para o alcance das práticas emancipatórias – possui, segundo Santos (2007-a), algumas implicações. Uma delas – e aqui, em razão do objeto deste estudo, cumpre realçar – é a questão da solidariedade como forma de conhecimento, já delineado acima. Este, somente se obtém por via do reconhecimento do outro. Para o autor, esta análise perpassa a questão multicultural, pois o ‗conhecimento-emancipação‘ tem uma vocação de abarcar diferentes saberes,

diversificadas culturas e categorias de classe, gênero e raça. Assim, a construção de um conhecimento multicultural enfrenta duas dificuldades: o silêncio e a diferença. O silêncio, enquanto prática produzida pela cultura ocidental e pela modernidade, insere- se em uma ampla experiência histórica de contato com outras culturas, classes, grupos e raças. Mas, foi um contato colonial, um contato de desprezo. Aduz Santos (2007-a: 55):

Não esqueçamos que sob a capa dos valores universais autorizados pela razão, foi, de facto, imposta a razão de uma raça, de um sexo e de uma classe social. [...] Por outras palavras, como fazer falar o silêncio sem que ele fale necessariamente a linguagem hegemônica que o pretende fazer falar? Por isso quando se tenta um novo discurso ou uma teoria intercultural, há nos oprimidos aspirações que não são proferíveis, porque foram consideradas improferíveis durante séculos de opressão.

Para o autor, os silêncios, as necessidades e as aspirações ‗impronunciáveis‘ somente são captáveis por uma sociologia das ausências 113 que

proceda pela comparação entre os discursos disponíveis, hegemônicos e contra- hegemônicos, pela análise das hierarquias entre eles e dos vazios que tais hierarquias produzem. Segundo Santos (2006-b), uma das lógicas da produção das ausências é a da classificação social. Remarca que, embora em todas as lógicas de produção das ausências a desqualificação das práticas caminhe par e passo com a desqualificação dos agentes, é nessa lógica da classificação social – designada pelo autor como ‗ecologia dos reconhecimentos‘ – que ela se destaca prioritariamente sobre eles, e, só derivadamente sobre a experiência social (práticas e saberes) em que são protagonistas.

Nesse quadro analítico referente à sociologia das ausências, ainda cabe sublinhar, que a colonialidade do poder capitalista moderno e ocidental consiste em identificar diferença com desigualdade, ao mesmo tempo que arroga o privilégio de determinar quem é igual e quem é diferente. A sociologia das ausências confronta-se, segundo Santos, com a colonialidade, procurando uma nova articulação entre o princípio da igualdade e o princípio da diferença e abrindo espaço para a possibilidade de diferenças iguais – uma ecologia de diferenças feita de reconhecimentos recíprocos. Veja-se:

Fá-lo, submetendo a hierarquia à etnografia crítica. Isto consiste na desconstrução, tanto na diferença (em que medida a diferença é um

113 A sociologia das ausências trata da superação das monoculturas de saber científico, do tempo linear,

da naturalização das diferenças, da escola dominante, centrada hoje no universalismo e na globalização, além da produtividade mercantil do trabalho e da natureza (Santos, 2003-b).

produto da hierarquia?), como da hierarquia (em que medida a hierarquia é um produto da diferença?). As diferenças que subsistem quando desaparece a hierarquia tornam-se uma denúncia poderosa das diferenças que a hierarquia exige para não desaparecer (SANTOS, 2006-b: 103).

O autor também observa que na América Latina os movimentos feministas, indígenas e de afro-descendentes têm estado na frente da luta por uma ecologia dos reconhecimentos; e, esta, torna-se mais necessária na medida em que aumenta a diversidade social e cultural dos sujeitos coletivos que lutam pela emancipação social, bem como, na variedade da formas de opressão e de dominação contra as quais combatem, e, na multiplicidade das escalas – local, nacional e transnacional – das lutas em que se envolvem. Tal diversidade, na análise do autor, conferiu uma nova visibilidade aos processos que caracterizam as dinâmicas diferenciadas e desiguais do capitalismo global e as formas como nele se agregam diferentes tipos de contraposições e lutas, nem todos subsumíveis de modo simples à luta de classes, e, cujo palco privilegiado de atuação, não é necessariamente o espaço nacional.

Nesse sentido, ao se alargar o círculo da reciprocidade, ou seja, o círculo das ‗diferenças iguais‘, a ‗ecologia dos reconhecimentos‘ cria novas exigências de inteligibilidades recíprocas; disso resulta a possibilidade de criação de novas formas de resistência e de luta, mobilizando-se diferentes atores, vocabulários e recursos contra as multidimensionalidades formas de dominação e opressão. Como conceitua Santos:

A emancipação social é, assim, toda a acção que visa desnaturalizar a opressão (mostrar que ela, além de injusta, não é nem necessária nem irreversível) e concebê-la com as proporções em que pode ser combatida com os recursos à mão (SANTOS, 2008: 40).

Portanto, a visibilidade das práticas de emancipação social depende de uma sociologia atenta ao que está emergindo, mas ainda não ganhou força para ocupar o centro; de lógicas alternativas potenciais apenas entrevistas; de experiências locais que são universalmente importantes, mas que estão contidas e emparedadas. A reconstrução de um ‗conhecimento-emancipação‘ como uma nova forma de saber, inicia-se pelas ‗representações inacabadas da modernidade‘, desenvolvendo capacidades e habilidades no sentido de reconhecer o outro como igual, (re)construindo a emancipação a partir de

uma nova relação entre o respeito da igualdade e o princípio do reconhecimento da diferença.

Portanto, a teoria proposta por Santos (2006-a; 2006-b; 2007-b) acerca da emancipação social apresenta uma ‗cartografia das possibilidades do real‘, no sentido de reinventar as condições emancipatórias do ‗conhecimento-emancipador‘. Na análise realizada pelo autor, o direito moderno oferece uma vantagem estratégica para a apreciação da sociologia da transição devido à sua estreita articulação com a ciência moderna em todo o processo de racionalização da vida social prometida pela modernidade – como racionalizador de segunda ordem da vida social. Disso resulta a necessidade de se fazer um uso contra-hegemônico dos instrumentos do direito (legalidade, direitos humanos e democracia). Se por um lado existe o peso inercial das estruturas, com a reiteração das lógicas da dominação, da opressão, do patriarcado e da ‗colonização‘, com ‗razões conformistas ou indolentes‘; de outro, há que se multiplicar as lógicas da emancipação através do diálogo entre os direitos da igualdade e dos direitos da diferença: onde a desigualdade oprime, é preciso afirmar a equivalência dos direitos, e, onde a homogeneidade oprime, é preciso gritar o direito de ser diferente. ―Conhecer é reconhecer‖, não pode ser colonizar o outro, ―seja este o social ou a natureza‖ (SANTOS, 2006-b).