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CAPÍTULO 3 A COLONIALIDADE DO PODER, DO SABER E DO SER E

3.3 O poder, o direito e a emancipação social

3.3.4 Sobre as formas de conhecimento

Consoante a teorização desse autor, os seis espaços estruturais são campos tópicos, círculos argumentativos. Cada espaço estrutural é um conjunto de argumentos, contra-argumentos e premissas de argumentação amplamente partilhadas, através dos quais as linhas de ação e as interações definem a presença e a sua adequação dentro de um determinado campo tópico. A coerência, a sequência e a ‗articulação reticular‘ dos argumentos, de par com as polaridades específicas entre oradores e auditórios, configuram uma retórica local, um estilo próprio de raciocínio, de persuasão e convencimento. No que tange às formas de conhecimento, o autor assim explica:

Cada espaço estrutural constitui, por isso, um senso comum específico, uma hegemonia local. Toda a interação social é uma interação epistemológica, uma troca de conhecimentos. O que há de distintivo nos espaços estruturais é que eles são localizações epistemológicas privilegiadas, campos simbólicos especialmente poderosos e partilhados, mapas de significação amplamente utilizados. A sua marca sobre as práticas de conhecimento é, em geral, muito intensa e difundida, embora experiências e trajectórias de vida diferentes gerem diferentes exposições às várias formas de conhecimento de senso comum e diferentes competências em cada uma delas (SANTOS, 2007-b: 304 – grifo nosso).

As formas de conhecimento concebidas pelo autor são: a) familismo e cultura familiar; b) produtivismo, tecnologismo, formação profissional e cultura empresarial; c) consumismo e cultura de massas; d) conhecimento local, cultura da comunidade e tradição; e) nacionalismo educacional e cultural, e, cultura cívica; f)

ciência, progresso universalístico, e cultura global. Para proceder à identificação das formas epistemológicas, o autor recorreu – conforme as designações escolhidas indicam – aos trabalhos de sociologia da cultura e aos estudos culturais em geral.

Para Santos (2007-b; 2007-c) tais formas de conhecimento circulam na sociedade, constituindo seis modos de produção de conhecimento-regulação. Cada forma de conhecimento estabelece limites de razoabilidade e demarcações simbólicas para uma ação e uma comunicação ordenadas.

Nessa estrutura analítica desenvolvida pelo autor, a idéia de que todas as formas de conhecimento são parciais e locais ocupa um lugar central: são contextualizadas e, consequentemente, ―limitadas pelos conjuntos de relações sociais de que elas são a ‗consciência‘ epistemológica‖ (SANTOS: 2007-b: 304). 122 E, ainda, o

autor prefere conceber a ciência moderna como a forma epistemológica do espaço mundial, para sublinhar o fato de que ela é um dos primeiros e o mais bem sucedido ‗localismo globalizado‘ da modernidade ocidental, cujo êxito, reside, até certo ponto, em não se reduzir nem a uma força produtiva, nem a um saber oficial. O autor enfatiza que a ciência moderna é um artefato cultural do Ocidente, cuja difusão universal no sistema mundial tem sido desigual e reproduzido assimetrias e hierarquias, tanto no centro, como na periferia e na semiperiferia. Entretanto, reconhece o autor que:

Há, contudo, uma certa verdade no ‗universalismo‘ da ciência: o conhecimento científico é actualmente um auditório argumentativo de âmbito mundial, um auditório, decerto, profundamente estratificado, com uma grande polarização entre oradores (concentrados nos países do centro) e não oradores, mas, mesmo, assim, um auditório que se estende muito para além das fronteiras nacionais, dotado de um elevado grau de inteligibilidade transnacional (a ‗comunidade científica‘).

Esta concepção da ciência moderna como forma epistemológica do espaço mundial permite-nos apreender, quer a extensão do seu auditório, quer os processos que utiliza para reproduzir e reforçar as hierarquias do sistema mundial. Na verdade, a ciência moderna, em constelação com a forma epistemológica do espaço da produção (produtismo, tecnologismo, formação profissional e cultura empresarial), é actualmente o facto-chave da divisão internacional do trabalho, contribuindo decisivamente para acentuar as trocas desiguais no sistema mundial (SANTOS, 2007-b: 305).

122 Santos (2007-b) relaciona essa forma de conhecimento aos trabalhos de Geertz (1983) no que se refere

Em suma, após esse breve apanhado teórico acerca das três dimensões estruturais de espaços – formas de poder, direito e conhecimentos – é importante observar que:

 Os espaços estruturais são entidades relacionais complexas constituídas por dimensões de desenvolvimento que lhes são específicas; cada dinâmica parcial somente pode ser posta em movimento na prática social, em articulação ou em constelação com todas as outras dinâmicas parciais – isto não significa, conforme acentua o autor, que os espaços estruturais, quando considerados individualmente, sejam parcialmente dinâmicos, mas, tão somente que, em campos sociais concretos as suas dinâmicas os ultrapassam sempre, e que, por isso, não podem ser controladas separadamente em qualquer dos espaços;

 nem todos os espaços estruturais têm uma presença quantitativa e qualitativamente idêntica em todas as constelações de relações sociais ou em todos os campos sociais, pois as relações variam muito ao longo dos campos sociais;

 nas formas de poder e de direito, o autor observa em sua análise a presença destacada dos instrumentos hegemônicos nas sociedades capitalistas, ou seja, do conhecimento-regulação;

 sendo os espaços estruturais conjunto de relações sociais, são também conjunto de relações de conhecimento, e, na medida em que são terrenos de lutas sociais, são também terrenos de lutas entre conhecimentos;

 na prática social concreta, as retóricas regulatórias confrontam-se, muitas vezes, com retóricas emancipatórias; a tarefa da teoria crítica pós-moderna é, portanto, promover em cada um dos seis conjuntos de relações sociais, os argumentos emancipatórios, através da retórica dialógica – pois, na prática, segundo o autor, a transição paradigmática irá traduzir-se em emancipações sociais.

3.4 As hibridações jurídicas: a „interpenetração estrutural‟ e a „interlegalidade‟