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CAPÍTULO 3 A COLONIALIDADE DO PODER, DO SABER E DO SER E

3.3 O poder, o direito e a emancipação social

3.3.2 Sobre as formas de poder

As seis formas estruturais de poder que circulam nas sociedades capitalistas, segundo Santos (2007-b; 2007-c), são o patriarcado, a diferenciação desigual, a dominação e o intercâmbio desigual, a exploração e o fetichismo das mercadorias. Constituem matrizes das múltiplas dimensões da desigualdade e de opressão nas sociedades capitalistas contemporâneas e no sistema mundial como um todo, e, das lutas emancipatórias mais relevantes. Essa grelha analítica, na visão do autor, é uma tentativa de abordagem mais abrangente, que inclui o poder, o direito e o conhecimento em pé de igualdade, sem fundi-los em totalidades redutoras, e, dessa forma, alargam o âmbito da diferenciação e da fragmentação, salientando os fios que os articulam em rede. Não foi concebida apenas para explicar as múltiplas desigualdades do sistema mundial, tal como hoje se revelam, mas também as diferentes e desiguais trajetórias históricas em direção à modernidade.

Vejam-se, resumidamente, algumas das explicitações de Santos (2007-b) acerca das formas estruturais de poder:

 O patriarcado é um sistema de controle dos homens sobre a produção social das mulheres, presente em várias constelações de poder: no espaço doméstico, da produção, do mercado, da comunidade e da cidadania e no espaço mundial.116

 a diferenciação desigual é a forma de poder privilegiada no espaço da comunidade e, para o autor, a mais complexa e ambígua; opera mediante a criação da alteridade, da agregação da identidade e do exercício da diferença na base de critérios mais ou menos deterministas; manifesta-se nas lutas entre definições imperialistas de identidade e definições subalternas de identidade; na sua forma mais difundida, a diferenciação desigual envolve a atribuição de significado social a padrões particulares de diferença étnica e a avaliação negativa de características reais ou imputadas, que são deterministicamente conferidas aos grupos definidos como diferentes e estranhos; esta forma de poder é o racismo no sentido mais lato e é exercida na sociedade de variadíssimas formas, como discriminação, etnocentrismo, preconceito, xenofobia, estereotipização, etc;

116 Connell (1987) mostra que enquanto, por volta de 1970, identificava-se geralmente a família como o

local estratégico e a chave para compreender a opressão da mulher, deslocou-se, posteriormente, para a acentuação de outros lugares de opressão.

 a dominação é a forma de poder privilegiada no espaço da cidadania117; é

aqui entendida, consoante a tradição crítica, mas considerada apenas como uma das várias formas de poder que circulam na sociedade, possuindo a peculiaridade de ser a forma de poder mais institucionalizada, mais auto- reflexiva, mais amplamente difundida (ao menos nas sociedades do centro do sistema mundial) e tende a ser a forma de poder mais espalhada pelas múltiplas constelações de poder geradas nas sociedades;

 o intercâmbio desigual118 como uma forma de poder do espaço mundial

contudo, incorporado em cada país – opera-se mediante a reprodução de hierarquismo inerente às próprias relações entre o centro e a periferia; ou seja, a troca desigual como fonte do desenvolvimento desigual119; importante ressaltar que a interação entre a troca desigual e o patriarcado parece ser comandada, no entendimento de Santos, por dois grandes mecanismos cujo desenvolvimento pode ser convergente ou divergente:

Por um lado, a expansão da acumulação de capital no sistema mundial depende profundamente do trabalho assalariado, sobretudo daquele que é exercido no espaço doméstico sob a égide do poder patriarcal, uma dependência que se acentua à medida que nos deparamos do centro para a periferia. Por outro lado, o capitalismo mundial é impelido por uma tendência a multiplicar a mercadorização das necessidades humanas e da vida quotidiana de um modo tal que força as famílias a funcionarem como fundos comuns de rendimentos, alterando assim, de maneira significativa, as condições de exercício do patriarcado. Essas transformações tornam-se mais dramáticas à medida que nos deslocamos das famílias do centro para as da periferia. Essa constelação é extremamente complexa, na medida em que mistura troca desigual, exploração, patriarcado e fetichismo das mercadorias (SANTOS, 2007b, p. 290).

117 Segundo Santos (2007a), a dominação é a única forma de poder que tanto a teoria política liberal como

a teoria marxista clássica consideram como um poder político, isto é, poder gerado no sistema político e centrado no Estado.

118 Santos explica (2007a) que ao redor da troca desigual, a forma de poder do espaço mundial, existe

igualmente uma longa tradição analítica, marcada, nomeadamente, pelas teorias do imperialismo, da dependência e do sistema mundial. Na concepção adotada pelo autor, ainda que todas as formas de poder envolvam uma troca desigual, esta é aqui abordada em sentido estrito, como uma forma específica de poder e com referência ao trabalho de A. Emmanuel (1972). Segundo este autor, a hierarquia centro- periferia do sistema mundial resulta de uma troca desigual, um imperialismo comercial mediante o qual a mais-valia produzida é transferida da periferia para o centro; isso acontece, entre outros fatores, não somente em razão da produção do centro ter uma composição orgânica mais elevada (uma maior incorporação de capital no processo de produção), mas também, e acima de tudo, porque os trabalhadores da periferia recebem salários mais inferiores em relação aos do centro, por trabalhos do mesmo tipo.

119 Chase-Dunn (1991) identificaca uma série de fatores econômicos, sociais e políticos, tais como a

formação do Estado, a troca desigual, a luta de classes e a formação do bloco de poder, cujas interações produzem e reproduzem a hierarquia centro/periferia, além de tecer comentários a respeito da grande variedade de teorias que foram elaboradas para explicar a hierarquia entre o centro e a periferia do sistema mundial.

 a exploração, tal como Marx a definiu, é a forma mais privilegiada no espaço da produção, contudo, para assinalar a dupla contradição na produção capitalista (exploração do trabalho e degradação da natureza), Santos (2007a) acrescenta à exploração a natureza capitalista, ou seja, a natureza como construção histórica e social produzida, conjuntamente, pela Ciência moderna e pelo capitalismo. Ressalta o autor que a articulação entre esta e outras formas de poder – nomeadamente o patriarcado e a dominação – a forma de poder do espaço da cidadania é hoje um dos debates centrais da teoria social;

 por último, o fetichismo da mercadoria é a forma de poder dos espaços de mercado120, estando intimamente ligado à exploração, configurando um posto avançado da expansão do capitalismo.