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O princípio da proporcionalidade e os bens jurídicos universais

A otimização de uma abordagem sobre o princípio da proporcionalidade emprega certa dificuldade.

Objeto de análises profundas374, ainda que tão somente sob seu

critério como condutor de política criminal, o princípio da proporcionalidade

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FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão..., p. 400.

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Apesar de extremada, esta expressão da tradução da obra de Ferrajoli nos conduz a uma boa idéia da percepção que podemos ter das excludentes objetivas como o estado de necessidade, a legítima defesa e o estrito cumprimento do dever legal. In: Ibid., p. 400.

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Além de fazer constar como princípio obrigatório de abordagem em quase uma totalidade de obras que tratam do Direito Penal como ciência aplicada, da pena e suas variantes ou, ainda, da reprimenda penal e da colisão de direitos fundamentais, o princípio da proporcionalidade é também analisado inúmeras vezes de forma destacada de uma contextualização mais ampla de Direito Penal, como no caso da obra de

assume um vínculo direto com a própria pena, em se considerando um caráter estrito senso em sua abordagem.

Como manifestação do poder em um Estado Democrático, o princípio da proporcionalidade surge como instrumento capaz de captar a sensibilidade popular às violações de normas, bem como a valorização social racional do próprio sentido das penas.

Neste sentido, aliás, a própria a Constituição Federal brasileira375

quando no apropriado dimensionamento de tratamento mais ou menos severo a determinadas infrações penais, segundo um grau de valorização de sua gravidade ou de sua menor potencialidade, a adoção inequívoca da “reserva legal

proporcional” 376.

A mitigação ou valorização de princípios de legalidade estrita ou de disponibilidade, no exercício da ação penal, também são expressões indiscutíveis do princípio da proporcionalidade como titular de uma orientação de política criminal.

Assim, podemos encontrá-lo como um critério regulador de

caráter geral, que carrega uma postura de transcendência social377, buscando uma

moralidade socialmente útil, estabelecendo conceitos em termos de preeminência, visando dirigir o Direito Penal para o que é socialmente danoso e não para o que é moralmente reprovável.

Para obter uma determinação arraigada em valores e princípios, afasta-se o limitado campo de atuação do positivismo jurídico, reconhecendo um

Mariângela Gama de Magalhães Gomes: O Princípio da Proporcionalidade no Direito Penal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003.

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Art. 5o, inciso XLIII, e art. 98, inciso I, ambos da Constituição da República Federativa do Brasil.

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GRINOVER, Ada Pellegrini, et. alli. Juizados Especiais Criminais – comentários à Lei 9.099, de 26.09.1995, Editora Revista dos Tribunais, 3a. edição, São Paulo, 1999, p. 37.

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princípio de proporcionalidade como integrante de uma proposta de sistema aberto, ou seja, presente, mesmo que indiretamente, em todo o ordenamento jurídico, através do reconhecimento da existência de contraposições jurídicas admissíveis, como regulador de conflitos na aplicação dos próprios princípios

inerentes ao Estado Democrático de Direito378.

Em relação aos bens jurídicos universais, o destaque dentro do âmbito de atuação do princípio da proporcionalidade está diretamente ligado ao seu caráter estrito de determinação de uma pena adequada e “proporcional”.

O princípio da proporcionalidade aparece com uma carga regulatória de limites de tratamento e de interesses ressocializadores, a ele integrados, ofuscando ou afastando uma ineficácia na curta ou na longa duração de uma pena, por assim dizer, que poderia ser “desproporcional”.

Para dimensionar sua presença na determinação, seleção e aplicação de penas no campo dos direitos universais, podemos assumir a

delimitação do princípio da proporcionalidade por classes de atuação379.

4.1. Princípio da proporcionalidade abstrata ou legislativa e da proporcionalidade concreta ou judicial

No âmbito da proporcionalidade abstrata ou legislativa, teríamos o princípio atua diretamente no momento da configuração do próprio tipo, estabelecendo modalidade de reprimenda, penas entre máximos e mínimos

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GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo Constitucional..., p. 80.

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admitidos, sanções alternativas, sempre com base na devida necessidade de equivalência entre o que seria antijurídico, culpável e punível.

Neste momento se estabelece a relação direta de intervenção, onde o Direito Penal enfrenta a comparação de critérios de necessidade, eficácia e validade, com relação a outras modalidades de Direito sancionador, como o Administrativo, em uma valoração da gravidade dos fatos examinados, com o objetivo de afastar excessos de tratamento penal de figuras cujo deslinde de seu âmbito natural de soluções, são muito melhor identificados no âmbito extra-

penal, em verdadeira aplicação do princípio da ultima ratio380.

Já no campo da proporcionalidade judicial, o operador do direito, na fase de individualização da pena ou reprimenda, procedendo à sua concretização, obtém patamares adequados e satisfatórios para a imposição, através de um critério de valores proporcionais, em uma proporcionalidade concreta.

Podemos, então, definir que o equilíbrio na aplicação do princípio da proporcionalidade, neste aspecto, está ligado diretamente a campos específicos de criação e ingerência dentro sistema.

Um primeiro campo onde a proporcionalidade abstrata é dirigida com um caráter mandatário diretamente aos cidadãos e a concreta ao sistema judicial.

De outro lado, a abstrata atingindo fins de prevenção geral e a concreta de prevenção especial.

E, por último, onde a proporcionalidade abstrata decorre de uma ingerência direta a independente do Poder Legislativo, enquanto que a proporcionalidade concreta impõe aos órgãos judiciais esta atuação.

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Ao legislador incumbiria uma tarefa de reconhecer uma proibição de excesso na criminalização de condutas de escassa relevância, bem como uma prerrogativa de valoração, com espectro de dever constitucional, na busca de

limites e meios adequados para alcançar êxito na imposição de reprimendas381.

De outro lado, à jurisprudência restaria a aplicabilidade adequada destes limites ao caso em concreto.

4.2. Princípio da proporcionalidade qualitativa e da proporcionalidade quantitativa

Em outros limites, encontraríamos uma proporcionalidade qualitativa, onde na determinação da reprimenda impera uma análise seletiva de bens ou classe de bens jurídicos dos quais seriam privados os infratores, configurando a restrição à liberdade de ir e vir, de contratar, de dispor livremente de seus bens, dentre outras.

O campo qualitativo da proporcionalidade indica um ramo de política criminal, destinado a afastar excessos e imposições ineficazes, buscando características reparadoras sociais, muito mais adequadas que simples reprimendas sem seleção.

Com relação à proporcionalidade quantitativa, os limites de quantidade em relação a uma maior ou menor gravidade da infração.

Surgem como dois elementos básicos da proporcionalidade administrativa, onde primeiramente o legislador seleciona a sanção e posteriormente seus limites máximos e mínimos.

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4.3. Princípio da proporcionalidade externa ou por conexão e da proporcionalidade interna

Podemos também identificar critérios classificatórios de proporcionalidade externa e interna.

No campo interno de proporcionalidade, temos a necessidade de estabelecimento e respeito a critérios de correlação, existentes entre ação ilícita e reprimenda, na própria configuração do tipo, o que nos parece o critério lógico de concepção e criação de tipos repressores.

Enfoque diferente cabe à proporcionalidade externa ou por conexão.

Na proporcionalidade por conexão, o âmbito de atuação é legislativo, onde se realiza a organização, segundo critérios de valoração, da identificação de um tipo penal em concreto, com outros que possuam uma mesma concepção de proteção jurídica, selecionando-os por capítulos, títulos ou seções, em uma operação de ordenamento de importância e complexidade de bens jurídicos tutelados.

Observados os parâmetros de importância destes bens jurídicos, segundo critérios sociais de tempo e lugar, passando-se à identificação de diferentes graus de ofensa a estes mesmos bens, após uma análise de potencialidade lesiva, ou seja, uma análise do nível de dano a que ficam sujeitos em razão da conduta identificada, poderá, então, definir uma espécie de reprimenda. Em seguida, definida a reprimenda, esta sugere o estabelecimento de limites máximos e mínimos, sempre considerando a ocorrência de consumação ou tentativa, o grau de participação, a condução voluntária e consciente ou a

imprudência das ações, as circunstâncias individuais do autor, a participação da vítima e a eventualidade do erro, tudo de forma a definir uma pena proporcional ao dano causado.