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Princípio da proteção exclusiva de bens jurídico-penais e tipificação de

Quando envolvemos o ambiente, a saúde, a tutela das relações de consumo, o patrimônio histórico e cultural, encontramos bens jurídicos vagos,

313

difíceis de individualizar; existe o perigo de comprometer uma visão segura quanto à validade dos princípios fundamentais do sistema jurídico penal.

Assim, de uma necessidade de que em todo o tipo penal venha referida a lesão ou o perigo de lesão a um bem jurídico, pode-se extrair um Princípio, fundamentador do Direito Penal, de Exclusiva Proteção de Bens Jurídico-Penais314.

Em conjunto com o princípio da intervenção mínima, desponta este princípio com grande relevância no tocante a bens supra-individuais, pois subordina intervenção do Direito Penal, não àqueles bens considerados como dignos de uma proteção e regulamentação segundo outros ramos do Direito, mas tão somente a determinados e concretos bens jurídicos e formas de ataque, que tenham sido introduzidos na esfera penal.

Um princípio de proteção exclusiva de bens jurídico-penais,

apesar de surgir como garantia fundamental do Direito Penal moderno315,

também encontra outras denominações como princípio de ofensividade ou de

lesividade316, ou mesmo em referência à danosidade social317, ou ainda uma

definição fora da categoria de princípio, mas como uma missão conjunta com a

prevenção, em um caráter instrumental na proteção de bens jurídicos318.

Discutir este princípio é reconhecer que ele traz algumas questões de fundo importantes e problemáticas.

314

Este princípio desenvolve-se segundo um raciocínio de que nem todo o bem jurídico requer tutela penal, não se convertendo em um bem jurídico-penal. In: MIR PUIG, Santiago. Bien jurídico y bien jurídico penal como limite del ius puniendi. Estúdios de Derecho Penal y Criminologia (XIV), 1991, p. 205; SILVA SÁNCHEZ, Jesús Maria. Aproximación..., p. 227.

315

HASSEMER, Winfried. Il bene giuridico..., pp. 104/113.

316

CARBONELL MATEU, Juan Carlos. Derecho penal: concepto y princípios constitucionales. 3ª Edición, Valencia: tirant lo blanch, 1999, p. 215.

317

HASSEMER, Winfried. Fundamentos..., p. 38.

318

MORILLAS CUEVA, Lorenzo. Curso de Derecho Penal español. Parte Geral, Mdrid: Marcial Pons, 1996, pp. 23 e ss e 53.

Primeiramente exige uma delimitação das considerações de dignidade do Estado, em relação a bens jurídicos a serem protegidos, em segundo lugar se o legislador ordinário recebe uma orientação sobre os limites desta dignidade e, objetivamente, quais bens se adequam a esta realidade ou fica a cargo deste legislador sua seleção.

Na verdade estes questionamentos acabam orientados, em Estados Sociais e Democráticos de Direito, por uma direção restritiva constitucional dirigida à seleção e criação de determinados bens jurídico-penais, em especial quando se tratam de bens universais ou supra-individuais.

De outro lado temos que a materialização deste princípio nos âmbitos de atuação de caráter geral e em relação aos princípios fundamentadores do Direito penal, se revelam segundo a dogmática penal e a própria política criminal, através do cumprimento de funções intra-sistemáticas e extra- sistemáticas.

Em uma função intra-sistemática, revelam-se as operações de dogmática, onde o princípio da proteção exclusiva de bens jurídico-penais sugere uma interpretação teleológica dos tipos penais, segundo sua classificação e ordenamento, bem como dos limites de pena impostos, em um verdadeiro princípio de dogmática penal.

Já em relação à política criminal, a concepção limitadora ou restritiva constitucional surge, ficando o princípio da proteção exclusiva de bens jurídico-penais com uma função fora do sistema, extra-sistemática, em conjunto com os demais princípios fundamentadores do Direito Penal, afastando os tipos penais que realmente não protegem bem jurídico-penal algum e destacando, quando se coloca como necessária, a introdução de um novo bem jurídico no sistema penal de proteção.

Assim não pode o legislador punir condutas, reprimindo sua realização ou obrigando que se realizem, ainda que dirigidas a bens jurídicos universais, se não houver uma vinculação a uma prova de que resultam lesivas

para um bem jurídico-penal319.

A exigência de um bem jurídico como pressuposto para a própria existência da norma, conduz o princípio da proteção exclusiva de bens jurídico- penais a uma condição de limitador do poder punitivo do Estado, atendendo aos reclamos de legitimidade e valor deste bem jurídico como um bem jurídico- penal.

Isto quer dizer que, para considerarmos o bem jurídico como digno de tutela penal enfrentamos duas vertentes: uma dignidade formal e outra material320.

No tocante à dignidade formal, poderíamos considerar que, para uma adequada seleção de bens jurídico-penais, um encaminhamento segundo a Constituição de Estado Social e Democrático de Direito, esta considerada como norma valoradora e orientadora do sistema de valores a serem tutelados, já afasta uma qualquer idéia de considerar como satisfatórias tão somente de razões éticas e de valorações sociais previstas no ordenamento jurídico, decorrentes de uma orientação do modelo de Estado Liberal. Isto quer dizer que para uma seleção de bens jurídico-penais, estes critérios são insuficientes.

Uma necessária reformulação dos critérios de intervenção punitiva no Estado Social e Democrático passa pela conscientização de que suas funções não estão restritas à tutela de bens jurídicos estritamente individuais, procedentes

de valores próprios de um Estado Liberal, ligados à liberdade e à propriedade321.

319

CARBONELL MATEU, Juan Carlos. Derecho penal..., p. 215.

320

Ibid., mesma página.

321

A prevenção de condutas delitivas de maior significado, em uma consideração formal, na seleção de bens jurídico-penais, acolhendo critérios constitucionais valorativos por excelência, supera os limites jusnaturalistas e os valores ético-culturais, como elementos satisfatórios para o legislador nesta seleção322.

De outro lado, uma dignidade material dos bens jurídico-penais eleitos passa, necessariamente, pela assunção social de um determinado valor que resta submetido a ataques e lesões, sendo colocado em grave perigo e sujeito a tutela penal, visto que uma valoração constitucional, por si só não é suficiente para a configuração desta necessária tutela penal, ainda que o legislador constitucional tenha realizado previsões expressa como, por exemplo, nas hipóteses de meio ambiente; relações de consumo; família, criança, adolescente e idoso323.

Estas previsões constitucionais devem ser vistas como uma exigência de atuação exclusiva do Estado, mas de acordo com um caráter subsidiário e de intervenção mínima do Direito Penal.

Condutas consideradas imorais, antiéticas ou antiestéticas que, de nenhum modo possam ser consideradas como atentados ou perigo a liberdades alheias, coletivas ou difusas, incidem em uma violação do critério de dignidade material e, por conseqüência, devem ser impedidas de uma tipificação ou de

consideração penal324.

Um princípio de exclusiva proteção de bens jurídico-penais, ou de ofensividade, repousa na visão do delito como uma ação contrária à norma de

322

MIR PUIG, Santiago. Sobre el principio de intervención mínima Del Derecho Penal em la Reforma Penal.

Revista de la Faculdad de Derecho de la Universidad de Granada, n° 12, 1987, pp. 243 e ss.

323

Artigos 225; 5°, inciso XXXII e 170, inciso V; 226, 227 e 230, todos da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

324

valor e assim como um critério determinante na tipificação ou não de condutas, em especial, no caso, quando tratamos de bens jurídicos supra-individuais.

2. Princípio da Intervenção Penal Mínima e bens jurídicos