• Nenhum resultado encontrado

O problema da desindustrialização e as políticas “que deram certo”

Na medida em que a participação industrial reduz seu peso no PIB, cedendo espaço ao setor terciário (serviços), que ganham novo ritmo, a literatura registra o fenômeno da “desindustrialização”. As elevadas taxas de juro de todo o período dos anos oitenta e noventa - expediente usado para conter a demanda interna e assim os picos inflacionários – aliada à abertura econômica indiscriminada também são apontados como causas básicas da perda de valor na indústria. Conforme Rowthorn e Coutts (2004) há vários motivos para a desindustrialização relativa e absoluta nos países desenvolvidos: (a) o aumento da produtividade em tecnologias poupadoras de mão de obra e em serviços avançados, como aqueles relacionados à tecnologias de informação e comunicação (TICs); (b) a evolução dos padrões de divisão internacional do trabalho, especialização produtiva e comércio internacional com a correspondente transferência para a periferia do sistema capitalista de manufaturas de baixa e média intensidade tecnológica; (c) estagnação do consumo de produtos manufaturados com aumento da renda gasta pelas famílias em serviços pessoais de alto valor; (d) apesar a queda do emprego industrial a renda gerada pela indústria tende à estabilidade nos países desenvolvidos.

O quadro muda quando ocorre desindustrialização nos países cuja renda per capita é baixa e o estágio de desenvolvimento é inferior, como é o caso do Brasil. Neste caso ela pode ser precoce e gerar distorções bem mais dramáticas. A seguir um gráfico ilustrativo, desde 1948 até 2011, evidenciado a tendência histórica de perda do valor relativo da indústria de transformação no PIB e associando eventos políticos importantes em cada variação brusca do ritmo de expansão ou retração:

Gráfico 3 - Participação da Indústria em percentual do PIB

Fonte: <http://www1.folha.uol.com.br/poder/1059317-participacao-da-indústria-no-pib-recua-aos-anos-jk.shtml>

Pode-se perceber que o auge da participação nos início da década de oitenta foi seguido por quedas constantes. Durante o governo Lula houve um pico no final do primeiro mandato para em seguida decrescer. Os fatores que explicam estas oscilações serão analisados a seguir. O problema da desindustrialização começou a aparecer com bases reais nas estatísticas. Segundo Comin (2009), a indústria de transformação no cone sul da América Latina perdeu dez pontos percentuais em dez anos, entre 1990 e 2000, a mesma perda levou quarenta anos para ocorrer nos países desenvolvidos. Segundo este autor, o Brasil vem passando desde os anos noventa por um processo de “desindustrialização seletiva”, com rarefação de cadeias produtivas e perda de potencial dinâmico da indústria, em parte pela contínua deterioração dos termos de troca no comércio internacional, primarização da pauta exportadora e efeitos mais gerais e indiretos da chamada “doença holandesa”.

A trajetória brasileira é única, não se confunde com a desindustrialização absoluta observada na América Latina e em outros lugares, embora seja predominantemente negativa [...] tratou-se de uma desindustrialização truncada, que começou tardiamente e avançou menos do que nos países vizinhos porque se deparou aqui com indústrias e remanescentes da política industrial notavelmente resilientes ao

choque neoliberal. Esse registro ambíguo, no entanto, não deve servir para mascarar o fato extremamente grave de que o país, numa perspectiva comparativa internacional, sofreu um longo e intenso processo de desindustrialização

relativa. Desse ponto de vista, o diagnóstico é sombrio. Sob a dupla ameaça de

uma fronteira tecnológica em acelerada expansão e de uma ampliação sem precedentes da concorrência no interior do mundo em desenvolvimento, países de renda média como o Brasil estão diante da possibilidade real de sofrerem um retrocesso produtivo, econômico e social. (p. 231, grifo nosso)

Os especialistas concordam que haveria uma perda de dinamismo da indústria brasileira, acentuada desde o Plano Real em 1994 pela apreciação cambial. Entre 1990 e 2007 a economia brasileira cresceu mais de 50%, enquanto a indústria de transformação apenas um terço deste valor. O Brasil estaria se especializando em indústrias com fatores intensivos em recursos naturais, e perdendo competitividade naqueles setores de elevado conteúdo tecnológico, como o eletrônico e o setor químico. Segundo Gonçalves (2011), a participação da indústria de transformação no PIB durante os Governos Lula cai de 18% para 16%, entre 2001 e 2010. A tarifa média aplicada às importações no mesmo período cai de 10,9% para 9,2% e o coeficiente de penetração das importações (o quanto do consumo interno é suprido por importados), vai de 11,9% para 18,2%. Em geral, os economistas se dividem em dois campos para explicar o problema da desindustrialização. Aqueles de corte mais keynesiano e estruturalistas atribuem o problema à uma desvalorização da moeda local e a problemas de perda de competitividade por conta de custos sistêmicos da indústria doméstica (custos logísticos e energia, por exemplo), mais altos que seus concorrentes. A desindustrialização também é vista como um problema das economias maduras, nesta abordagem.

A perda de dinamismo tecnológico se refletiria na queda de conteúdo tecnológico das exportações e a concentração de quase metade do valor exportado em commodities minerais e agrícolas: minério de ferro, petróleo bruto, complexo soja, açúcar e complexo carnes. Conforme o gráfico a seguir pode-se identificar esta tendência desde o final da década de noventa.

Gráfico 4 – Produtos da indústria de transformação por intensidade tecnológica

Balança comercial (US$ milhões FOB)

Fonte: Nicolsky, 2011

O outro campo, ligado mais a um viés pró-mercado, atribui o fenômeno a um, processo de intervenção do Estado e má administração de incentivos, mas também – nas correntes mais ortodoxas – a desindustrialização não chega a ser um problema, já que os países ricos em recursos (commodities agrícolas e minerais, por exemplo) naturais, teriam vantagens comparativas e até absolutas em especializarem-se em produtos básicos e primários, com baixo valor agregado. Seja ela causada pela deterioração da balança comercial desde os anos noventa (OREIRO, 2011), seja ela um problema estrutural decorrente do aumento da renda, o fato é que o tema ganha as pautas do governo, da mídia e das associações de classe durante o governo Lula70. Rapidamente, criou-se um consenso de que a desindustrialização no caso brasileiro seria um fenômeno precoce e não o resultado natural do aumento da produtividade. A perda de participação do setor de manufaturados geraria efeitos danosos na economia em pelo menos três dimensões diferentes: (a) queda na produtividade

70 Diversos empresários começaram a usar a grande mídia para repercutir a crise e denunciar o problema, como

foi retratado pela “Folha de São Paulo”, um dos jornais de maior circulação nacional, em 11/05/2006: “José Antônio Fernandes Martins, vice-presidente corporativo da Marcopolo, maior produtora mundial de ônibus, também vê impactos negativos que ainda não apareceram na pauta de exportação. "Há uma desindustrialização causada pela política predatória de câmbio", diz, referindo-se à transferência de produção para plantas fora do Brasil.”

devido ao “efeito composição”71; (b) diminuição do dinamismo econômico em função de um menor encadeamento entre os setores e (c) redução das externalidades locais, associadas às atividades de P&D (SCHYMURA e PINHEIRO, 2013). A primarização da pauta exportadora (especialização em commodities agrícolas e minerais, metade do valor exportado) seria uma consequência da perda de competitividade da manufatura.

A combinação de três movimentos, a queda da participação da indústria no PIB, a valorização do câmbio e o crescimento da indústria extrativa desde o final da década de noventa, são todos fenômenos associados ao processo de desindustrialização. O resultado mais visível do processo é o fechamento de plantas industriais ou a substituição de indústrias por empresas tradings, importadoras. Como as cadeias produtivas são desigualmente distribuídas e consolidadas, o processo atinge primeiro aqueles setores intensivos em força de trabalho (cadeias têxteis, vestuário, couro e calçados, mobiliário, etc.), gerando desemprego e fechamento de empresas.

A ideia de que o país estava imerso numa rota sem volta em relação ao parque industrial, arduamente construído desde a era Vargas, fez muitos estudiosos recuperarem as experiências passadas e bem sucedidas de política industrial, os planos “que deram certo”. Um dos exemplos mais simbólicos do processo de perda de competências industriais foi a indústria naval. Em 1979 o Brasil era o segundo maior fabricante de navios, com 40 trabalhadores empregados. Em 2002 o setor registrava pouco mais que seis mil empregados e estava estagnado. A partir das políticas de conteúdo local da política industrial de Lula, estima-se que em 2009 havia quase cinquenta mil empregos no setor (OLIVA, 2010).

De fato, para entender o processo recente de desindustrialização precoce será preciso voltar ao passado e revisitar brevemente a trajetória de formação da indústria nacional. No Brasil o peso da indústria, de fato, só ganhou relevância na fase que inicia após a segunda guerra mundial. As intervenções do Estado no período precedente limitam-se à casos pontuais de governos locais ou regionais, particularmente no provimento de infraestrutura básica (logística e energia, sobretudo) para iniciativas localizadas em enclaves empresariais, voltados ao mercado externo e a atividade econômica estava ainda concentrada em poucos centros urbanos. O modelo primário exportador já havia entrado em crise na década de trinta, a

71 O “efeito composição” no cálculo da produtividade se traduz pela mudança do nível geral de produtividade de

uma economia quando há um deslocamento de trabalhadores entre setores com diferentes índices de produtividade da força de trabalho. A abertura comercial indiscriminada, em especial na América Latina, ao gerar desemprego industrial teria provocado indiretamente uma queda geral de produtividade.

demanda interna estava atrelada ao comportamento da renda gerada pelas vendas externas. Apesar dos estímulos provocados pela primeira guerra e de eventuais apoios governamentais a incipiente indústria nacional dependia basicamente dos ciclos externos (SUZIGAN, 1988). A política de proteção à indústria nacional, iniciada na década de cinquenta, se prolongou até o período mais recente dos anos oitenta e já é bem conhecida: desvalorização cambial, restrições tarifárias às importações, estímulos fiscais aos exportadores, socialização dos prejuízos, etc.72

O evento mais significativo de planejamento da política industrial no período que vai do pós-guerra até o fim do regime militar com certeza foi a elaboração do “Plano de Metas” (1956-1961), no governo Kubitschek (JK). Pelo menos três fatores fizeram deste processo um ponto notável: (a) estabilidade institucional e o contexto democrático favorecendo a participação mais plural de atores sociais, (b) o amplo consenso sobre o tema do desenvolvimento nacional e (c) os acertos de política externa e interna viabilizando recursos econômicos. O governo JK foi um governo notabilizado pelo sincretismo político, garantindo a permanência de uma coalizão partidária durante todo o mandato, que começava no PTB (Partido Trabalhista Brasileiro, base operária e classe média) de João Goulart e o controle do Ministério do Trabalho, passando pelo PSD (Partido Social Democrático, classe média urbana e elites industriais) dele mesmo, com fortes vínculos rurais, até o apoio parlamentar da UDN (União Democrática Nacional, elites rurais e urbanas). Esta estratégia política, flexível, por vezes dúbia e plena de contradições internas, apoiada na fragilidade da estrutura partidária, garantiu viabilidade para o plano. JK optou por montar uma rede de órgãos paralelos à administração direta, com base na avaliação de que executar uma reforma administrativa seria custoso demais e caminho de menor resistência para as reformas seria de pequenos grupos ad

hoc (LAFER, 1997). A capacidade de governo repousava, basicamente, na natureza ágil e flexível da estrutura administrativa (as “ilhas de eficácia”), na autonomia financeira e orçamentária dos órgãos envolvidos na execução das metas setoriais e na neutralização da interferência parlamentar e seu poder de veto, no processo.73

72 O ciclo de substituição de importações praticamente já havia sucumbido nas sucessivas crises de estabilização

dos oitenta, na verdade a fase mais intensa de substituição de importações esgotou-se nos anos sessenta por vários motivos: crescimento do processo inflacionário que acontece em períodos de rápida industrialização, baixa relação entre investimentos e geração de emprego, rápida expansão do gasto público e estagnação da produtividade agrícola. Além disso, a cada onda do ciclo substitutivo produziam-se desequilíbrios na balança comercial, crise cambial e novos gargalos (TAVARES, 1974).

73 A notável construção institucional-burocrática de JK que produziu resultados efetivos na política econômica

A base industrial mais dinâmica (automobilística, material elétrico, petrolífera, metalúrgica, siderúrgica, química, papel e celulose), iniciou sua consolidação nesta época, quando os setores tradicionais (alimentação, bebidas, vestuário, mobiliário, etc.), já estavam implantados. Cabe destacar a criação do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico, BNDE em 1952, que passou a investir em praticamente todos os setores da indústria de transformação, incluindo a infraestrutura de transportes e energia74. Assim, o Brasil termina os anos sessenta com uma forte, diversificada e complexa base industrial, tanto de bens de consumo durável como bens de capital. Os empresários industriais já haviam criado um abrangente sistema de representação classista para defesa de seus interesses: proteção do Estado e redução de tributos.

Durante os governos militares (1964-84), a política industrial assumiu o viés da intervenção direta do Estado no setor produtivo, aprofundando e radicalizando práticas políticas já existentes no período varguista75. A prioridade ao combate a inflação, um conjunto de reformas institucionais e regulatórias (tributária, trabalhista e financeira, sobretudo) e a disponibilidade de fundos externos resultaram em taxas de crescimento muito altas na primeira metade dos anos setenta. Foi a época dos “Planos Nacionais de Desenvolvimento” (o I PND entre 1968/73 e o II PND entre 1974/77), com elevação da demanda por bens duráveis (cresceu em média 23% ao ano), ancorada na forte expansão do crédito e do mercado de capitais para segmentos de maior renda, envolvidos em forte propaganda nacionalista76. O “II PND” - praticamente a última tentativa de planejamento industrial convencional. Cabe mencionar ainda, por zelo ao registro histórico, o pioneirismo do Programa Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (o PNDCT), criado por decreto-lei em julho de 1969 sob a liderança de Reis Velloso e restabelecido em janeiro de 1991, para dar apoio financeiro aos programas e projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico

74 A origem do BNDE(S) foram as discussões na Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1951/53) criada no

bojo da cooperação Brasil-EUA do pós-guerra para definir e montar a estratégia de financiamento na infraestrutura. O Banco deveria fazer os projetos e garantir as contrapartidas, ao Banco Mundial e ao Eximbank norte americano, inicialmente. Para maiores detalhes consultar os textos do projeto “Memórias do Desenvolvimento” do CENTRO INTERNACIONAL CELSO FURTADO (2007).

75 Para exemplificar, a “Fábrica Nacional de Motores” (FNM), foi inaugurada em 1943 no Rio de Janeiro, o

primeiro alto forno da CSN começou a operar em 1946 e a Petrobrás criada em 1953, todas estatais.

76 Desde a década de 30 pode-se dizer que a orientação predominante da política industrial foi

desenvolvimentista, nacionalista e basicamente estatal. Schneider (1994), analisando o comportamento da burocracia pública durante os mega projetos dos anos setenta, afirma que um dos traços marcantes do período foi a rápida circulação de quadros burocráticos, o que enfraqueceu as lealdades para com as organizações e aumentou a dependência de laços pessoais. Ele explica que apesar do quadro de fraca institucionalidade, o país construiu um parque industrial de porte considerável, exatamente porque as carreiras e a alta mobilidade de burocratas tecnicamente bem preparados, permitiu acesso aos decisores políticos e aos grupos de pressão. A explicação é verdadeira, ainda que limitada, obviamente outros fatores históricos e macroeconômicos devem completar o entendimento sobre o tema.

nacionais. O principal instrumento da política foi a criação de um fundo público (o FNDCT) que começou a operar em 1971, sob a direção da FINEP (Financiadora de Estudos e Projetos, criada em 1967 como empresa pública, hoje vinculada ao MCT). Até hoje, todos os recursos dos “fundos setoriais” estão alocados dentro do FNDCT.

Já o II PND, foi uma resposta aos gargalos da infraestrutura, esgotada pelo ciclo anterior de expansão industrial, escassez de bens de capital (especialmente siderurgia e química pesada), déficit de energia (petróleo e hidroelétrica) e a necessidade de incrementar exportações e gerar reservas em dólares. A viabilidade do plano estava baseada em dois fatores combinados, mas distintos, o primeiro relacionado aos financiamentos do BNDES e o segundo, no manejo do orçamento e da política fiscal.

Note-se que o II PND não tinha um objetivo claramente exportador, como as atuais políticas industriais77. Naquele período o mercado interno garantia quase que sozinho a

demanda para a produção nacional. O mercado interno só voltaria a ganhar relevância na década atual, com a crise em 2008, ganhando musculatura com políticas distributivas, como o aumento real do salário mínimo, as políticas de renda mínima e a expansão do crédito. Conforme o gráfico a seguir demonstra, a demanda interna sempre desempenhou um papel essencial no crescimento.

77 Exemplos dos principais projetos econômicos do inspirados pelo PND e executados nos anos setenta estão: (a)

Projetos Hidroelétricos (Itaipu, Tucuruí, Xingó. etc.); (b) Projetos Infra estruturais (Ferrovia do Aço; Estrada de Ferro Carajás); (c) Projetas Agropecuários (PRO VÁRZEA, POLO NORDESTE. etc.); (d) Projetos Minerais (Ferro Carajás, Albrás, Alunorte, etc.); (e) Pólos Petroquímicos (Camaçari e Triunfo); (f) Projetos Portuários (Sepetiba, Itaqui, etc.); (g) Projetas Siderúrgicos (Açominas e Tubarão); (h) Projetas de Equipamentos Pesados (Engesa e NUCLEP) e (i) Projetos Nucleares de Angra I e II.

Gráfico 5 - Decomposição da taxa média de crescimento anual 1970-2008

Fonte: Kupfer, 2012

O receituário básico aplicado pode ser encontrado até hoje nas políticas industriais brasileiras: isenção de impostos (Imposto sobre Produtos Industrializados, por exemplo), contenção de exportações que ameaçavam os setores estimulados, sobretudo através do Imposto de Importações e da alta de tarifas, uso de créditos do IPI para compra de máquinas e equipamentos e os financiamentos do BNDE, que na época ainda não incorporava o “S” de “social”.

O II PND ao investir na indústria pesada (bens de capital) objetivava completar as principais cadeias de insumo ainda faltantes ou pouco consolidadas (petroquímica, fertilizantes, cimento, celulose e papel, por exemplo). Foi um programa de investimentos basicamente públicos coordenado pelo governo federal sem precedentes na história brasileira. O II PND teve o mérito de contribuir para a consolidação de uma estrutura industrial diversificada, densa e consolidada, porém a estratégia utilizada gerou também um legado complexo para o futuro. A permanência de proteção cambial e tarifária por longos períodos, aliado aos altos subsídios, prejudicaram a maior especialização e integração ao mercado mundial. A economia brasileira tornou-se extremamente fechada, com um dos menores coeficientes de importação do mundo. A baixa competitividade só foi claramente percebida no movimento de abertura do Governo Collor, no início dos anos noventa.

A memória coletiva de política industrial lembrada pelos atores envolvidos hoje é fortemente influenciada pelas políticas desenvolvidas nos anos cinquenta e setenta (SALERNO, 2004). As ideias sobre política industrial foram retomadas no Governo Lula, ainda com um sentido ambíguo. De um lado, havia um grupo de ideias nucleadas, tantos por setores mais antigos da burocracia federal, que paradoxalmente unificava setores conservadores como os militares e setores à esquerda dentro do espectro político, no sentido de retomar o Estado-interventor dos anos setenta e reeditar uma espécie de “PND modernizado”. Do outro lado, havia um agrupamento de ideias que unifica setores distintos e majoritários no aspecto político, desde a geração mais nova de gestores petistas, burocracias públicas criadas nos anos noventa e boa parte da academia e órgãos multilaterais, que advogavam uma política industrial “leve”, baseada em instrumentos indiretos (crédito, regulação e compras governamentais) e intensa articulação com o setor privado. Mas o “peso histórico” da fase desenvolvimentista ainda persiste. Este imaginário coletivo tem como referência uma época em que a criação de capacidade física para o processo de substituição de importações era o centro das prioridades do grande investimento estatal.

Tanto o “Plano de Metas” quanto o “II PND” foram experiências exemplares, únicas e efetivas de política industrial num contexto muito determinado: proteção cambial, alta concentração de renda, endividamento público intenso e pouca democracia. Os motivos pelos quais Suzigan (1996) sustenta esta assertiva são reveladores das condições – muitas vezes únicas e não replicáveis – de fatores que fazem da política industrial uma “política de sucesso”. A primeira delas é sua natureza resultante de uma decisão política como parte de uma estratégia mais ampla de desenvolvimento econômico, tomada e conduzida pela alta direção do governo federal. Ainda que os formatos institucionais tenham variado amplamente. No caso do “Plano de Metas”, por exemplo, a coordenação e implementação da política foi feita por grupos de trabalho paralelos à hierarquia estatal, no segundo por um conjunto de instituições insuladas em um regime político centralizado e vinculadas fortemente ao comando direto do Presidente da República.

Uma segunda condição verificada foi a arquitetura teórica dos planos, ambos com natureza indicativa, com diretrizes gerais, setoriais e horizontais claramente definidas, com metas quantitativas estabelecidas. Uma terceira condição foi o aproveitamento de um legado