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O problema da origem religiosa do dinheiro – Paul Einzig

Segundo Einzig (1966, p. 369-370), Laum, em sua obra Heiliges Geld, defende a tese do aspecto religioso da origem do dinheiro, assim como acentua a insignificância do comércio no período homérico. Laum afirma que o comércio nessa época assumiu em grande parte a forma da disposição de pilhagem.

O comércio escravo, que foi relativamente ativo nas comunidades primitivas, consistiu normalmente da troca de escravos excedentes contra outros bens. Para Einzig, a razão pela qual Laum insiste nessa questão é porque ela compõe parte de sua tese de que o gado como unidade monetária não se originou do comércio, mas sim da religião.

Para Einzig (1966, p. 370), entre os outros principais fatores não comerciais para o uso do dinheiro, o fator religioso merece atenção especial, mesmo que unicamente porque após Laum ele foi negligenciado quase que completamente pelos economistas41, e nem sempre foi tratado de acordo com a sua importância pelos etnologistas.

Einzig considera que (1966, p. 370) os aspectos religiosos do dinheiro podem ser classificados da seguinte maneira:



41 Einzig ressalta que há algumas exceções. Carlile observou que a intervenção do impulso religioso foi encontrada e trouxe com ela um estímulo para o “quase uso monetário” de ornamentos (CARLILE, W. W. The Evolution of Modern Money. London, 1901). Helffrich comentou que o envio de dinheiro para partes distantes acompanhou com cerimônias definidas, alguma espécie de conexão com o culto dos mortos ou a crença em espíritos (HELFFERICH, Karl. Money. London, 1927). (EINZIG, P. Primitive Money, 1966, p.370).

I. O dinheiro pode ter se originado em muitos exemplos por intermédio de necessidades regulares por objetos específicos padronizados com o propósito de sacrifício aos deuses.

II. Em muitas comunidades, a criação do dinheiro é atribuída a poderes sobrenaturais.

III. Em outras comunidades, os produtos humanos de dinheiro (ao observar certos ritos religiosos ou regras) têm cumprido suas tarefas sagradas.

IV. Qualidades mágicas atribuídas a certos objetos têm sido o principal fator

para o uso monetário.

V. O uso de certos objetos em conexão com o propósito religioso, exceto sacrifícios, como por exemplo, os ritos dos mortos, podem ter contribuído com sua adoção para o uso monetário.

VI. A fixação de multas e das taxas para realização de ritos religiosos causou a necessidade de uma unidade padronizada.

Segundo Einzig, a teoria de Laum sobre a origem do dinheiro por sacrifícios religiosos veio como uma reação contra a concepção materialística na qual procura explicar a origem do dinheiro sobre o campo do puro utilitarismo legal e comercial.

Einzig afirma (1966, p. 371) que Laum desenvolveu a teoria de que a prática de fazer sacrifícios para divindades foi em grande parte uma forma de troca entre homens e seus deuses. Sacrifícios foram feitos em pagamento por graças já recebidas ou muitas vezes em antecipação de graças pedidas, ou num esforço de conciliação com os deuses ofendidos.

Einzig observa (1966, p. 371-372) que em muitos casos o deus responsável por certas atividades recebia em forma de sacrifício os bens produzidos em seu “departamento”. Por exemplo, durante a era clássica, Deméter, a divindade associada às sementes, recebia sementes em sacrifício. Einzig menciona (1966, p. 372) que o próprio Laum admite que o homem só devolvia para o deus uma pequena parte dos bens recebidos dele.

Assim não houve nenhum problema de troca entre o homem e deuses — a menos que se suponha que a diferença entre valor recebido e valor dado estivesse nas relações e nas várias formas de ritos projetados para satisfazer a divindade que, em uma base estritamente comercial, tornou-se a segunda melhor barganha.

Einzig identifica que outra evidência citada por Laum em defesa de sua tese é que o sacrifício religioso, presente em Homero, os números de bois citados frequentemente, assim como o valor de vários objetos eram idênticos aos números de animais usados para sacrifício. Assim, os números de 100, 20, 12, 9, 4 aparecem na Ilíada e na Odisseia como unidades habituais de valor, e 100, 12, 9 como o número de bois sacrificados em várias ocasiões. (EINZIG, 1966, p. 373).

A questão seguinte para Einzig, de acordo com a teoria de Laum da evolução do dinheiro por intermédio da religião, foi o pagamento aos sacerdotes que executavam as taxas em termos de bois ou do seu equivalente. Segundo Einzig, Laum julga que eram nesses termos que os bois foram utilizados primeiramente nos pagamentos entre homens. Foi deste uso religioso que a prática de fixação de preços em termos de gado pode ter surgido. As tarifas oficializadas nos termos aos sacrifícios religiosos são evidências mais primitivas documentadas a respeito da existência de meios de pagamento fixos.

Einzig considera (1966, p 376) que Laum ofereceu uma grande pesquisa com relação aos aspectos religiosos negligenciados na origem do dinheiro. Para Einzig, contudo, quando em muitos exemplos Laum está provavelmente correto em afirmar os sacrifícios religiosos como a origem do dinheiro, em outros ele esquece outros fatores que implicam a origem do dinheiro. O homem primitivo teve outros fatores, além dos religiosos, e em muitos casos estes fatores não religiosos que devem ter contribuído para a origem do dinheiro. (EINZIG, 1966, 376).

Einzig conclui a sua análise afirmando que a evidência que demonstra a relação entre religião e o dinheiro primitivo em suas fases mais remotas é, sem dúvida, conclusiva.

A possibilidade que em muitos casos o dinheiro surgiu primeiramente por causas não religiosas — comerciais ou não comerciais — e se tornou apenas “santificado” em consequência de prestígio que conseguiu por fatores muito comuns antes da suposição de um caráter santificado não pode, entretanto, ser destituída. Ainda segundo Einzig, mesmo aceitando essa possibilidade da explicação religiosa da origem do dinheiro não é possível, contudo, esquecer de analisar o problema da origem do dinheiro conjuntamente com outros fatores (EINZIG, Primitive Money, 1966, p. 37).