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SETOR RESIDENCIAL

5.1 O processo de desenvolvimento de cenários

O termo ‘cenários’ é definido como sendo concepções descritivas de futuros possíveis. Ele foi primeiramente utilizado por Herman Kahn, em 1950, numa adaptação do significado e do método de cenários teatrais para o planejamento, onde cenários significariam caminhos alternativos levando a diferentes resultados (MILLET, 2003). Existem diferentes

metodologias, sendo geralmente utilizadas por grandes corporações e instituições para permitir uma melhor compreensão de possíveis ambientes de negócios futuros.

Na área do planejamento energético, esse termo refere-se a uma gama de condições esperadas do futuro e é utilizado para quantificar os impactos potenciais de mudanças políticas, tecnológicas ou comportamentais, utilizando para isso técnicas de modelagem de energia. O termo é normalmente utilizado na compreensão de situações complexas que envolvem um grande número de variáveis, inclusive variáveis humanas, de modo que o uso de modelos tradicionais não é validável. Esses casos podem ser analisados por uma abordagem que incorpora a intuição e a maneira melhor de explicitá-los é por meio de imagens e estórias. Dessa forma, os cenários podem ser vistos como um instrumento de ligação que integra a intuição e modelagem quantitativa, para melhorar a compreensão de como o sistema funciona (SHELL, 1999). Isso é ilustrado pela imagem da Figura 5.1.

Figura 5.1: Relação entre modelos, cenários e estórias Fonte: Adaptado de Shell (1999)

Projeções e cenários discutem o futuro, contudo há uma grande distinção entre elas. Enquanto os modelos de projeção visam a encontrar o caminho mais provável que o futuro irá seguir e também estimar as incertezas desse futuro, os cenários exploram uma gama de possíveis resultados decorrentes da incerteza (GHANADANA; KOOMEY, 2005). Em revisão das projeções de energia realizadas nos últimos 50 anos, Craig e outros (2002) apontam que as previsões históricas rotineiramente não representam as condições reais de consumo por sistematicamente superestimar ou subestimar as incertezas. No entanto, os autores observaram que não há evidências de que projeções mais complexas, baseadas em modelagem matemática sofisticada, são mais precisas em prever o futuro do que os modelos mais simples. Eles concluem que uma compilação de dados precisa e a criação cuidadosa de cenários são os fatores mais importantes para o sucesso da previsão e o uso adequado de modelos simples e transparentes pode ser uma ferramenta imensamente poderosa.

Neste trabalho o uso de cenários é adotado com o objetivo de explorar os impactos da evolução do consumo de energia do setor residencial de Belo Horizonte, considerando diferentes perspectivas. O ano base das projeções escolhido é 2000 e é adotado o ano de 2007 para a calibração do modelo. A partir do ano base, são elaborados dois cenários de evolução até o ano de 2030: o Cenário Minas Gerais e o Cenário Belo Horizonte.

Usualmente, o desenvolvimento de cenários é feito com o objetivo de comparar como diferentes hipóteses de crescimento econômico poderiam afetar a evolução do consumo de energia. Neste trabalho, os cenários se diferenciam por considerar, ou não, a questão da ocupação espacial em suas premissas. O objetivo dessa distinção é avaliar como a consideração da hipótese inicial desse trabalho – a ocupação espacial pode interferir no consumo de energia de um local – influencia as projeções de consumo de energia.

Em todas as projeções, é adotada uma abordagem na qual as tendências históricas de hábitos de consumo, dados espaciais socioeconômicos e de posse de eletrodomésticos, estão integrados às premissas desenvolvidas.

5.1.1 A plataforma adotada e o ano base

Na modelagem de cenários de consumo de energia é necessária a escolha de uma plataforma capaz lidar com um grande número de variáveis e que tenha flexibilidade para realizar as análises conforme as demandas do problema. Existem alguns modelos de programas computacionais disponíveis no mercado que realizam a análise e avaliação de políticas energéticas utilizadas no planejamento energético. Neste trabalho adotou-se o software LEAP, que apresenta uma série de características que torna seu uso particularmente útil neste trabalho e isto justifica a sua adoção:

a) pode ser usado para criar modelos de sistemas de energia diferenciados, onde se requer estrutura única de dados, por suportar uma ampla gama de metodologias de modelagem diferentes. Como neste trabalho focaliza-se o setor residencial, é possível criar um modelo pelo lado da demanda setorial;

b) possui total flexibilidade na inserção dos usos finais, permitindo a criação de um modelo de consumo que reflita as especificidades do setor residencial no município de Belo Horizonte;

c) os fatores que irão influenciar no cálculo do consumo de energia, e na sua evolução, podem ser inseridos de modo flexível, transparente e simplificado. Assim, apenas os

dados efetivamente necessários para a condução dos cenários precisam ser inseridos, o que agiliza e viabiliza a análise, pois num estudo local não há a quantidade de dados demandada por modelos altamente complexos;

d) mesmo sendo um modelo de análise de médio a longo prazo, a maior parte dos cálculos é realizada em intervalos anuais, permitindo a inserção de anos específicos no qual é possível fazer a comparação de resultados do modelo com dados estatísticos; e) há a possibilidade de criar regiões dentro de um modelo, o que permite representar as

77 unidades espaciais do município paralelamente. Além disso, os resultados obtidos para cada uma das regiões podem estar associados a mapas.

Para ilustrar o processo de modelagem de cenários no software LEAP, é apresentada abaixo a Figura 5.2 com uma tela do programa, na qual estão destacados alguns recursos utilizados na elaboração de cenários de consumo energético.

Figura 5.2: Detalhe da tela do software LEAP, na qual são destacados os recursos utilizados. Fonte: Elaboração própria

A numeração destacada nessa figura refere-se aos seguintes itens do programa:

1) Key Assumptions: são os fatores chaves que determinam o consumo de energia no ano base e nas projeções. Geralmente tratam de fatores socioeconômicos que determinam a intensidade do uso da energia. Não há no software uma estrutura pré-definida. Neste trabalho os fatores escolhidos são: população da UEH, seu número de domicílios, o

rendimento médio familiar, o número médio de moradores por residência e o número médio de cômodos.

2) Demand: a técnica de modelagem mais simples que o software permite realizar é a pelo lado da demanda, sendo necessária apenas a inserção de dados na pasta “Demand”. Fica a critério do usuário definir as subpastas que constituirão o lado da demanda. Como se focaliza o setor residencial, optou-se por dividir a demanda por usos finais. Em cada uso estão agrupados os equipamentos que consomem energia. 3) Technology: “nós” que são utilizados para representar os equipamentos que consomem

determinada forma de energia final, estando associados a algum tipo de combustível. Esses equipamentos foram agrupados por uso final e são apresentados no item 5.3. O cálculo de consumo de energia é dado pela multiplicação do nível de atividade (nº4) pela intensidade energética (nº5), como mostrado na Equação 5.1.

Energia consumida = Activity Level x Final Energy Intensity (5.1)

4) Activity level: normalmente, o nível de atividade é especificado como um valor absoluto (por exemplo, número de famílias) multiplicado por uma série de saturação ou de penetração (por exemplo, a participação percentual de domicílios urbanos). Neste trabalho, considerou-se a posse de equipamentos como Activity level.

5) Final Energy Intensity: é o consumo anual de energia final do equipamento escolhido. Os valores (ou fórmulas) adotados são os detalhados no Capítulo 4.

6) Region: o software permite a inserção de dados socioeconômicos e de consumo de energia por região. Os dados de cada UEH estão associados a uma região. Na Figura 5.2, apresentada na página anterior, é possível ver para o equipamento geladeira alguns valores de posse (Expression) para cada região (Region).

7) Scenario: aba da interface que permite a visualização dos dados calculados em cada ano de cada cenário criado. Na Figura 5.2 está selecionado o Ano Base (Current Accounts).

5.1.2 O ano base

No software LEAP, os dados do ano de 2000 foram inseridos como ano base, por ser o último ano em que o levantamento do censo foi realizado. Sendo assim, é o último ano em que existem dados intra-urbanos levantados. Esse ano possui especial importância porque é nele

que são definidos os parâmetros iniciais que irão influenciar quantitativamente as projeções em todos os cenários criados.

O consumo do setor residencial, como já foi dito, foi desagregado em sete usos finais: Conservação de Alimentos, Iluminação, Aquecimento de Água, Lazer, Conforto Ambiental, Cocção e Serviços. Os equipamentos considerados por uso final foram:

a) conservação de alimentos: geladeira e freezer; b) iluminação: lâmpadas incandescente e fluorescente;

c) aquecimento de água: o chuveiro elétrico e o sistema de aquecimento solar; d) lazer: televisores, videocassete, rádio e computador pessoal;

e) conforto ambiental: ar condicionado e ventilador; f) cocção: fogão a GLP;

g) serviços: demais eletrodomésticos; incluindo o ferro de passar e o micro-ondas.

Os critérios de posse e perfil de uso dos equipamentos apresentados no capítulo anterior são os mesmos adotados na modelagem do ano base, de modo que os resultados do mapeamento da demanda de energia por uso final, mostrados no Capítulo 6, constituem os valores iniciais de consumo nas projeções. Todas as projeções geradas no software LEAP partem do ano base.

No próximo item, serão apresentados os critérios e os parâmetros assumidos nas projeções traçadas relacionados às questões socioeconômicas dos domicílios e à posse e uso de eletrodomésticos.