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2. REFLEXÕES SOBRE A LEITURA

2.2. O PROCESSO INFERENCIAL

Concebendo a leitura como um ato dinâmico, interativo e de construção de uma identidade social, percebe-se que a noção de inferência é fundamental para se pensar o grau de criticidade do leitor.

Várias definições são encontradas acerca das inferências. Em boa parte delas, verifica- se que o leitor apropriando-se de informações explícitas, linguísticas e não linguísticas fornecidas por um texto é capaz de, a partir de seus conhecimentos prévios, produzir uma nova compreensão, informação e conhecimento sobre esse texto.

Nesse sentido, é importante compreendermos como esse processo ocorre. Um dos primeiros aspectos a ser pontuado sobre o tema é de que a inferência não está no texto. Como Dell’Isola (2001, p.43) esclarece, a inferência “É uma operação que os leitores desenvolvem enquanto estão lendo o texto ou após terem completado a leitura.” Sendo assim, o texto é apenas um veículo para geração de inferências. Para descrever melhor o processamento, a autora expõe que:

Inferência é, pois, uma operação mental em que o leitor constrói novas proposições a partir de outras já dadas. Não ocorre apenas quando o leitor estabelece elos lexicais, organiza redes conceituais no interior do texto, mas também quando o leitor busca, extratexto, informações e conhecimentos adquiridos pela experiência de vida, com as quais preenche os “vazios” textuais.(DELL’ISOLA, 2015, p.43)

Logo, quanto mais cercado de um repertório experiencial amplo e diversificado, maior será a capacidade do leitor de gerar inferências. Não se trata aqui de se apropriar de um discurso do determinismo científico e social de fins do século XIX, mas de perceber como o acesso aos bens culturais, o convívio social e a marcas de identidade de um grupo contribuem para o processo de geração de inferências. Segundo Dell’Isola (2001, p.45): “O leitor traz para o texto um universo individual que interfere na sua leitura, uma vez que extrai inferências determinadas por contextos psicológico, social, cultural, situacional, dentre outros.”

Vários são, dessa forma, os motivos que interferem na geração de inferências e na própria construção do posicionamento crítico do leitor. Dito de outra forma não se deveria avaliar o grau de criticidade de nossos alunos em termos de leitura, comparando-os de uma mesma maneira, colocando-os em uma mesma condição, uma vez que sabemos que os contextos experienciais são diversos e múltiplos.

Quando se toma a matriz de referência de língua portuguesa cujo foco encontra-se no trabalho com a leitura, as habilidades e competências a serem avaliadas e definidas pelos chamados descritores constituem-se apenas em parâmetros sobre o que vem a ser esse leitor ideal. Cabendo assim, duas críticas: primeiro, conceber um leitor ideal sem considerar as condições em que esses leitores estão inseridos é um equívoco enorme; segundo, usar os descritores como instrumentos para se avaliar “qualitativamente” os sujeitos-leitores constitui um desrespeito à condição dessa pessoa que se encontra em formação, bem como é escamotear questões na área de educação muito mais problemáticas, a saber: a construção do currículo e do próprio projeto político pedagógico.

Como Freire (2017, p.79-80) indica:

Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem- comportado, quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à experiência existencial dos educandos, vem sendo, realmente, a suprema inquietação desta educação. A irrefreada ânsia. Nela, o educador aparece como o seu indiscutível agente, como seu real sujeito, cuja tarefa indeclinável é “encher” os educandos dos conteúdos de sua narração. Conteúdos que são retalhos da realidade desconectados da totalidade em que se engendram e em cuja visão ganhariam significação. A palavra, nestas dissertações, se esvazia da dimensão concreta que devia ter ou se transforma em palavra oca, em verbosidade alienada e alienante. Daí que seja mais som que significação e, assim, melhor seria não dizê-la.

Percebe-se então, que a dificuldade e a demora encontradas pelos sujeitos-leitores oriundos das camadas populares, no que diz respeito ao processo de geração de inferências e a construção do posicionamento crítico está diretamente vinculado a um modelo educacional

que homogeneíza as formas de dizer, de aprender e de acessar o conhecimento e os bens culturais.

Não se pode pensar o processo inferencial e o grau de criticidade dos sujeitos-leitores, principalmente, aqueles oriundos da escola pública e das camadas populares sem levar em consideração os aspectos acima mencionados.

Assim, detecta-se quer seja no trabalho desenvolvido com a minha turma do oitavo ano, quer seja na avaliação que é feita sobre os sujeitos-leitores no Brasil que: “A classe social é fator contextual importante para determinar inferências, isto é, a produção da leitura de um único texto variará em função da classe social a que pertença o leitor.” (DELL’ISOLA, 2001, p.104)

Sobre o processamento inferencial a autora ainda destaca que: “[...] inferências pragmático-culturais – são as que mais se fazem presentes na leitura de textos. Relacionam-se com os conhecimentos pessoais, crenças e ideologia dos indivíduos.” (DELL’ISOLA, 2001, p.84)

Para além disso, “Os responsáveis por esse tipo de inferência são a formação individual e a condição sociocultural do leitor ou do ouvinte.” (idem)

Essa percepção sobre o processamento inferencial foi fundamental para construção e avaliação do meu trabalho, bem como dos meus alunos. E digo isso, porque minha percepção sobre o trabalho com o campo ligado a compreensão leitora alterou significativamente meu olhar sobre o processo de ensino e aprendizagem. Essa perspectiva tem minimizado a dificuldade comunicativa entre eu e meus alunos.

E partindo dessa análise sobre o processo inferencial é que se torna importante compreender outras duas questões, a saber: o ensino da leitura e como o componente contextual está inter-relacionado à compreensão leitora.

2.3 O ENSINO DA LEITURA

Sobre as intervenções que podem ser utilizadas pelo professor nas aulas de leitura, Isabel Solé (1998, p.133) considera que o ensino da identificação da ideia principal, a elaboração de resumo e a formulação de respostas a perguntas contribuem para elaboração da compreensão durante a leitura. Sobre essa questão, a autora afirma que:

Um componente fundamental destas tarefas é a informação que o professor proporciona às alunas e alunos sobre a adequação das estratégias que utilizam, assim como a informação que ele mesmo obtém sobre essa competência, que lhe possibilita intervir de forma contingente nas dificuldades e nos progressos observados. (SOLÉ, 1998, p.141)

E ressalta, novamente, a importância de aproximar os textos empregados nas aulas de leitura ao contexto sociocultural dos nossos alunos:

Também é conveniente que, nestas, situações, a leitura esteja o mais próxima possível da leitura na vida cotidiana. Nela, quando lemos, obedecemos a algum objetivo e construímos um significado para o texto levando em conta aquilo que é importante para nós – em função do nosso objetivo. Na escola, os alunos e alunas deveriam aprender a encontrar ou gerar a ideia principal em diversos textos, familiares e desconhecidos. (SOLÉ, 1998, p.141)

O que se pode notar, mais uma vez, é que as práticas de leitura constituem-se nas práticas sociais. O professor que ensina a ler deve dispor-se para essas experiências externas a sala de aula e estar aberto a outros saberes que constituem os conhecimentos a serem trabalhados pela escola.

Pois bem, não devemos esquecer que a escola prepara para a vida, e não para a própria escola, e que ao longo de sua vida os alunos deparar-se-ão com textos difíceis, pouco estruturados, mal-escritos ou muito criativos e devem ser capazes de lê-los. Daí a importância de oferecer materiais de dificuldade progressiva que facilitem a aprendizagem e de diversificar os textos para trabalhar não só com os relatos, mas também com os diferentes tipos de estruturas expositivas e mesmo com textos menos “acadêmicos”, sabendo-se que as dificuldades dos alunos para enfrenta-los podem ser maiores. Tudo isso demonstra a necessidade de ensinar a ler e a manejar esse tipo de textos e de dotar os alunos de estratégias de compreensão úteis, generalizáveis e transferíveis. (SOLÉ, 1998, p.142)

A aprendizagem da leitura é oferecida, dessa forma, a partir do contato com as mais diversas formas de manifestações da linguagem. Não se prioriza um conteúdo ou uma forma, não se sonegam informações, ao contrário, dispõem-se delas tais como são, indicam-se os caminhos pelos quais elas se estruturam e possibilitam ao nosso aluno reorganizá-las e ressignificá-las no contexto de uma formação do leitor para participação social, para o exercício da cidadania.

Sabe-se que escola precisa avançar em muitos aspectos acima apontados, bem como, os professores de língua portuguesa precisam reavaliar a maneira como tem conduzido todo

esse processo. Não raro, nos deparamos com posturas na hora de elaborar o planejamento das aulas caracterizado por uma hierarquização do conhecimento, das experiências de leitura e mesmo, não contemplamos outras manifestações da linguagem que não sejam aquelas socialmente aceitas ou impostas.

O fracasso nas aulas e na aprendizagem da leitura encontra-se, dessa forma, muitas vezes, pautados nessa não abertura para o novo, para o diferente. Ou melhor, por um comodismo em relação ao trabalho com o livro didático, a não aceitação de adaptações ao plano de aula e a interdições impostas às experiências de leitura dos nossos alunos.

Sobre tal condição, Leal (2001, p.267) ao refletir sobre as estratégias para aprendizagem da leitura destaca como ler é, também, um processo de construção da identidade do aluno:

É preciso criar estratégias que possibilitem ler, no processo de compreender a vida, para poder atribuir sentido à existência, uma vez que estamos envolvidos, como co-autores na multiplicidade de textos que circulam. Compreendê-los é poder resgatar a nós mesmos e a nossa história, reconhecendo-nos e recriando-nos novamente. Trata-se, pois, de uma contínua criação de significados, como possibilidade de rever e assumir a própria vida.

E são por conta de tais traços vinculados às práticas de leitura que se torna tão importante valorizar as experiências de leitura trazidas por nossos alunos. Ou melhor, é no jogo da aceitação ou negação de uma leitura que outras formas de se conceber a realidade podem conduzir a aprendizagem mais significativa da leitura.

Quando o aluno entende o “para quê” da leitura e o professor sabe responder o que espera dele, o processo de ler além de ser mais bem aceito possibilitará a esse sujeito-leitor se aproximar do texto com um olhar mais atento, claro e responsável, isto é, o processo de ler poderá tornar-se algo desafiador, intrigante e uma experiência prazerosa a despeito do esforço interpretativo envolvido em tal atividade.

2.4 O COMPONENTE CONTEXTUAL

Sem dúvida, outro elemento muito importante para extração de inferências e para a compreensão textual é o componente contextual. Porém, como Dell’Isolla (2001) atesta, não

há uma definição precisa na maior parte dos estudos sobre o uso do termo. Tal imprecisão se estende às análises sobre a influência dos fatores contextuais na geração de inferências.

Para melhor tratar essa questão, são apresentados neste trabalho os cinco tipos de contextos que exercem influência sobre os processos de compreensão leitora e geração de inferências, a saber: o contexto cultural, o contexto situacional, o contexto instrumental, o contexto verbal e o contexto pessoal.

O contexto cultural compõe-se pelas convenções de natureza cultural e comunicacional. De acordo com Dell’Isola (2001, p.93), “Os esquemas de uma cultura específica auxiliam a compreensão de textos sobre essa cultura.” Assim, um aluno baiano, possivelmente, teria mais facilidade de compreender um texto que fale sobre o axé music do que um texto que trate da nona sinfonia de Beethoven. Isso se deve ao fato de que os sujeitos ouvintes e leitores possuem um conhecimento especial e detalhado sobre um dado tema que o permite extrair inferências necessárias ao entendimento do texto.

O contexto situacional, por sua vez, é aquele constituído pelas circunstâncias que cercam o texto. Dito de outro modo, o contexto situacional é aquele que abarca o propósito da leitura. Nesse sentido, vale destacar, por exemplo, os efeitos que ilustrações e gravuras podem exercer sobre a interpretação coerente do texto. Conforme Dell’Isola (2001, 95) descreve:

A ilustração pode influenciar a leitura, gerando uma interpretação coerente com o texto, gerando uma interpretação coerente com o texto, ou mesmo fornecendo coerência ao texto, ou facilitando o processo inferencial, ou ainda complicando a compreensão textual.

O contexto instrumental refere-se aos mecanismos para se obter informações textuais. A leitura e a audição são consideradas dois veículos para tal obtenção, porém, constituem dois processos distintos e com efeitos diferentes. As diferenças relacionadas à memorização, ao processamento da língua e a atenção interferem no processo de extração de inferências e compreensão textual. Afinal, um texto lido pode ser mais facilmente memorizado, reanalisado e compreendido do que um texto ouvido.

O contexto verbal abrange os aspectos linguísticos propriamente ditos, isto é, a relação que as partes de um texto têm entre si. A relação do título com o conteúdo textual, por exemplo. Sobre isso, Dell’Isola (2001, p.96) salienta que: “Vários estudos tem confirmado a influência do título sobre a compreensão de texto.”

O contexto pessoal envolve os aspectos para além dos fatores cognitivos, tais como: os fatores emocionais, conhecimentos e atitudes do sujeito leitor. As chamadas inferências

experienciais e as cognitivo-culturais são determinadas, conforme a autora, pelo contexto pessoal. Ela chega a citar o trabalho de Leslie F. Clark (1985) a fim de reiterar como não apenas fatores cognitivos, mas também, sociais atuam na construção da inferência durante a compreensão textual. Assim, o conhecimento compartilhado por um grupo de indivíduos, as diferenças entre pessoas pertencentes a classes sociais diferentes, os estereótipos, a percepção do afeto interferem no modo como as pessoas compreendem um texto e geram inferências sobre ele.

Portanto, o componente contextual de natureza sociocultural é importantíssimo para extração de inferências e compreensão leitora. Como Dell’Isola (2001, p.103) apresenta: “A informação sociocultural é parte importante do conhecimento registrado na memória, o qual é usado na compreensão textual e na produção de inferências.”

Daí, a autora considerar que a classe social “[...] é fator contextual importante para determinar inferências, isto é, a produção da leitura de um único texto variará em função da classe social a que pertença o leitor.” (DELL’ISOLA, 2001, p.104)

Aspecto esse que nos auxilia a compreender as diferenças existentes não só nas leituras feitas pelos estudantes acerca de um mesmo texto, como também, explica a dificuldade destes em gerarem alguns tipos de inferência e compreensão admitidas por meio da leitura do texto.

Neste trabalho, considerando a minha experiência enquanto docente e a realidade em que meus alunos estão inseridos, é possível verificar como as diferenças relacionadas à classe social e o acesso aos bens culturais interferem não só no processo de compreensão textual e geração de inferências, como também, na própria produção textual deles.

Os textos que foram produzidos para compor o livro de crônicas da turma refletem, por exemplo, que os alunos oriundos de famílias financeiramente mais estruturadas e que fizeram o fundamental I em escolas privadas, apresentam um melhor desempenho não só nas atividades ligadas a compreensão leitora, mas também, o domínio linguístico e estrutural na produção desse tipo de gênero discursivo.

Logo, considero os fatores socioculturais relevantes para compreensão leitora, geração de inferências e elaboração de textos pelos alunos nesse trabalho.

2.5 OS GÊNEROS DISCURSIVOS

Por conseguinte, entender a inter-relação entre os fatores socioculturais e a variedade dos gêneros discursivos foi, ao mesmo tempo, algo desafiante e fundamental para mim. E digo desafiante e fundamental, porque me levou a ter outro olhar sobre as produções textuais de meus alunos.

Durante a aplicação do projeto, após algumas conversas com a turma, foi proposto a elaboração de um livro de crônicas escritas pelos próprios estudantes.4 A opção por se trabalhar com a crônica e não outro gênero deveu-se ao entendimento de que esse tipo de texto possibilitaria não só ampliar as experiências de leitura dos meus alunos, como também, favoreceria a experiência com a escrita.

Entretanto, quando os primeiros textos começaram a ser escritos, embora muito animada pelo conteúdo neles veiculados, fiquei profundamente preocupada com o fato de os mesmos não se inserirem dentro das características estruturais do gênero. E foi nesse momento, também, que precisei reavaliar mais uma vez a minha prática enquanto docente.

O trabalho elaborado por Bakhtin acerca da problemática envolvendo o estudo dos gêneros discursivos, nesse contexto, fez todo sentido para mim. Primeiro por salientar como “Todas as esferas da atividade humana, por mais variadas que sejam, estão sempre relacionadas com a utilização da língua.” (BAKHTHIN, 1997, p.280); segundo por ressaltar a chamada “heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos)”; terceiro por considerar a dificuldade e diferença essencial que existem entre o chamado “gênero de discurso primário (simples) e o gênero de discurso secundário (complexo)”; quarto por relembrar a inter-relação existente entre eles que acaba por revelar aspectos da personalidade individual de quem os produz. Como o teórico esclarece:

A riqueza e a variedade dos gêneros do discurso são infinitas, pois a variedade virtual da atividade humana é inesgotável, e cada esfera dessa atividade comporta um repertório de gêneros do discurso que vai diferenciando-se e ampliando-se à medida que a própria esfera se desenvolve e fica mais complexa. Cumpre salientar de um modo especial a

4

Por conta de questões relacionadas ao tempo e à própria dinâmica das atividades na unidade de ensino, não foi possível elaborar e publicar o livro de crônicas da turma. Ao longo da aplicação do projeto de intervenção, não foram raros os momentos, em que os estudantes se viam envolvidos em atividades ligadas aos projetos estruturantes por área. Isso gerou interrupções na aplicação, dificuldades no cumprimento de prazos e dificuldades relacionadas à própria reescrita dos textos por eles produzidos. Dessa forma, embora tenham produzido textos ao longo da fase de aplicação do projeto, bem como idealizado a capa do livro da turma, não se cumpriu a etapa final prevista.

heterogeneidade dos gêneros do discurso (orais e escritos), que incluem indiferentemente: a curta réplica do diálogo cotidiano (com a diversidade que este pode apresentar conforme os temas, as situações e a composição de seus protagonistas), o relato familiar, a carta (com suas variadas formas), a ordem militar padronizada, em sua forma lacônica e em sua forma de ordem circunstanciada, o repertório bastante diversificado dos documentos oficiais (em sua maioria padronizados), o universo das declarações públicas (num sentido amplo, as sociais, as políticas). E é também com os gêneros do discurso que relacionaremos as variadas formas de exposição científica e todos os modos literários (desde o ditado até o romance volumoso). (BAKHTIN, 1997, p.280-281)

Assim, logo pude perceber alguns equívocos em relação ao meu olhar sobre os textos dos meus alunos, isto é, os textos elaborados por eles estavam atravessados pela diversidade que o próprio gênero comporta e o ensino de uma mera estrutura não poderia comportar a riqueza de experiências que eles me trouxeram por meio de seus escritos.

Sobre a dificuldade encontrada pelos estudantes, vale ressaltar que embora a linguagem empregada nas crônicas pareça simples, defini-la é uma atividade extremamente complexa. Como descrita por Arrigucci (1987, p.51), a crônica “[...] apesar de aparentemente fácil quanto aos temas e à linguagem coloquial, é difícil de definir como tantas coisas simples.”

E nesse sentido, o autor destaca como os vários significados ligados à palavra implicam uma noção de tempo que ora permite tratar a crônica como um relato que dialoga com o passado, encontrando-se por isso diretamente relacionada ao discurso da História: “[...] trata-se de um relato em permanente relação com o tempo, de onde tira, como memória escrita, sua matéria prima principal, o que fica do vivido [...]” (ARRIGUCCI, 1987, p.51); ora a crônica encontra-se vinculada ao presente, sendo por isso associada aos fatos da atualidade que ganham as páginas dos jornais ou revistas: “Agora se trata simplesmente de um relato ou comentário de fatos corriqueiros do dia-a-dia, dos fatis divers, fatos de atualidade que alimentam o noticiário dos jornais [...]”. (ARRIGUCCI, 1987, p.52)

Assim, devido a essa imprecisão conceitual foi inicialmente difícil para meus alunos entenderem esse gênero discursivo, bem como compreenderem algumas das classificações dadas à crônica, tais como: jornalística, literária, humorística, histórica, satírica, etc..

Porém, como priorizei trabalhar com eles a chamada crônica literária, preocupei-me em esclarecer o significado com o qual trabalharíamos e sugeri à turma a realização de uma atividade de pesquisa acerca de tais classificações.

Novamente nos deparamos com imprecisões e buscando uma saída para tal situação, decidimos que abordaríamos a análise de tais produções, considerando a crônica literária

aquela que apresenta uma linguagem mais elaborada e com meandros sutis da nossa realidade e da nossa história. Sendo possível construir por meio dessa linguagem histórias de humor, de

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