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DESVENDANDO O TEXTO: o papel da leitura no processo de formação de sujeitos-leitores críticos e criativos

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Academic year: 2021

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INSTITUTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

JAMILE DOS SANTOS CORREIA

DESVENDANDO O TEXTO: o papel da leitura no processo de formação de

sujeitos-leitores críticos e criativos

Salvador

2018

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DESVENDANDO O TEXTO: o papel da leitura no processo de formação de

sujeitos-leitores críticos e criativos

Memorial Acadêmico, apresentado ao Programa de Pós-Graduação em Letras, Mestrado Profissional em Letras (PROFLETRAS), Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Letras. Orientadora: Prof. Drª. Raquel Nery Lima Bezerra

Salvador

2018

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Correia, Jamile dos Santos

Desvendando o texto: o papel da leitura no processo de formação de sujeitos-leitores críticos e criativos / Jamile dos Santos Correia. -- Salvador, 2018.

142 f. : il

Orientadora: Raquel Nery Lima Bezerra.

Dissertação (Mestrado - Mestrado Profissional em Letras) --Universidade Federal da Bahia, Instituto de Letras da UFBA, 2018.

1. Leitura. 2. Formação do leitor. 3. Atividade inferencial. I. Bezerra, Raquel Nery Lima. II. Título.

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DESVENDANDO O TEXTO: o papel da leitura no processo de formação de sujeitos-leitores críticos e criativos

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Letras, Instituto de Letras, Universidade Federal da Bahia.

Aprovada em 23 de fevereiro de 2018.

Banca Examinadora

________________________________________________ Profª. Drª. Raquel Nery Lima Bezerra (FACED)

________________________________________________ Profª. Drª. Luciene Souza Santos (UEFS)

________________________________________________ Profª. Drª. Daniele de Oliveira (DLV/UFBA)

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A Deus, por tudo: pelas suas misericórdias que não tem fim, pela sua bondade que jamais acaba, pela sua sabedoria que nos oferece, pelo conforto nos momentos mais difíceis e pela esperança que diariamente me oferece.

A Renilza, mãe e amiga, pela atenção, apoio e, acima de tudo, minha maior incentivadora e exemplo.

A Raquel, orientadora querida, por ter contribuído das mais diversas formas nessa caminhada rumo ao conhecimento.

À equipe de professores que integram o Programa de Mestrado Profissional em Letras na UFBA, por me ajudarem a ampliar o olhar sobre meu exercício profissional.

À Direção e a equipe da Escola Estadual Raul Sá, por terem oportunizado e apoiado essa experiência na unidade de ensino.

Aos meus alunos, pelo muito que me ensinam ao longo desses anos como professora e pelo carinho e apoio oferecido durante a aplicação do projeto de intervenção.

Às minhas colegas do PROFLETRAS, pelo esforço, apoio e companheirismo nessa trajetória de aprendizagens.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

A todos aqueles que, direta ou indiretamente, contribuíram para que esse trabalho fosse realizado.

Muito obrigada por possibilitarem essa experiência enriquecedora e desafiante, de grande relevância para meu crescimento como ser humano e profissional.

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Porquanto a sabedoria entrará no teu coração, e o conhecimento será agradável à tua alma. (Provérbios 02:10)

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O trabalho “Desvendando o texto: o papel da leitura no processo de formação de sujeitos-leitores críticos e criativos” apresenta uma discussão sobre a importância da atividade inferencial para o processo de construção de sentidos do texto. O mesmo originou-se de uma necessidade de se repensar o ensino-aprendizagem da leitura não só na sala de aula, como também, de se pensar o modo como o sujeito-leitor proveniente das camadas populares compartilham seus saberes pelo uso que fazem da leitura e da produção escrita em seu dia-a-dia. O presente estudo até aqui realizado, encontra-se ancorado no modelo teórico sociointeracionista e considera que o ato de ler não é um processo mecânico, bem como o leitor não é um elemento passivo. Defende-se, ainda, o argumento de que a compreensão leitora se estabelece a partir da negociação de sentidos entre autor – texto – leitor e tem por objetivo refletir sobre o modo como os estudantes de uma turma do 8º ano no ensino fundamental II, ao lerem crônicas literárias, mobilizam seus conhecimentos de mundo e potencializam sua consciência crítica e criativa.

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El trabajo "Desvelando el texto: el papel de la lectura en el proceso de formación de sujetos-lectores críticos y creativos" presenta una discusión sobre la importancia de la actividad inferencial para el proceso de construcción de sentidos del texto. Lo mismo se originó de una necesidad de repensar la enseñanza-aprendizaje de la lectura no sólo en el aula, como también, de pensar el modo como el sujeto-lector proveniente de las capas populares comparten sus saberes por el uso que hacen de la lectura y de la producción escrita en su día a día. El presente estudio hasta aquí realizado, se encuentra anclado en el modelo teórico sociointeracionista y considera que el acto de leer no es un proceso mecánico, así como el lector no es un elemento pasivo. Se defiende, además, el argumento de que la comprensión lectora se establece a partir de la negociación de sentidos entre autor - texto - lector y tiene por objetivo reflexionar sobre el modo como los estudiantes de una clase del 8º año en la enseñanza fundamental II, al leer las crónicas literarias, movilizan sus conocimientos de mundo y potencian su conciencia crítica y creativa.

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1. INTRODUÇÃO ... 07

2. REFLEXÕES SOBRE A LEITURA ... 19

2.1. O PROCESSO DE COMPREENSÃO LEITORA ... 24

2.2. O PROCESSO INFERENCIAL ... 30 2.3. O ENSINO DA LEITURA ... 32 2.4. O COMPONENTE CONTEXTUAL ... 34 2.5. OS GÊNEROS DISCURSIVOS ... 37 3. MÉTODO ... 41 3.1. O PROCEDIMENTO ... 42

3.2. A ESCOLHA DO GÊNERO DISCURSIVO ... 46

4. ANÁLISE DOS DADOS DE COMPREENSÃO DAS CRÔNICAS ... 49

4.1. ANÁLISE DOS DADOS DAS TAREFAS SUBETIVAS ... 50

4.2. ANÁLISE DOS DADOS DAS TAREFAS OBJETIVAS ... 73

4.3. REFLEXÃO A PARTIR DOS OBJETIVOS DA PESQUISA ... 80

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 89

REFERÊNCIAS ... 94

APÊNDICE A – SEQUÊNCIA DIDÁTICA ... 98

APÊNDICE B – PRODUTOS GERADOS ... 127

ANEXO A – TERMO DE AUTORIZAÇÃO DE USO DE IMAGEM ... 138

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1 INTRODUÇÃO

Em uma sociedade como a nossa, conhecemos, é certo, procedimentos de exclusão. O mais evidente, o mais familiar também, é a interdição. Sabe-se que não se tem direito de dizer tudo, que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância, que qualquer um, enfim não pode falar de qualquer coisa. (FOUCAULT, 2008, p.09)

Aprender a fazer o uso da palavra de maneira crítica, responsável e construtiva nas distintas situações sociais é um desafio a ser enfrentado, principalmente, por aqueles que se encontram em um regime de dominação, interdições e exclusões.

O direito a fala, em uma sociedade como a nossa, marcada pela restrição ou redução de direitos constitui uma das formas mais evidentes de separação não só entre grupos sociais, mas também, de formas de conhecimento. Por isso, talvez, ensinar e aprender a fazer o uso da língua seja uma das tarefas tão difíceis para quem aprende e para quem ensina, principalmente, quando necessitamos fazer o uso dela em sua modalidade escrita.

Se utilizássemos a língua como que num monólogo interior, possivelmente, não teríamos que nos preocupar com o modo como o outro iria nos compreender. Afinal de contas, falar para si mesmo, por mais solitário que pareça, não impõe ter que explicar-se para o outro. Entretanto, quando pensamos em usar a língua, quase que automaticamente, pensamos no outro para quem desejamos expressar nossas opiniões, sentimentos e impressões sobre uma dada realidade.

A língua, por sua natureza, é dinâmica, dialógica e um importante instrumento social, por isso necessitamos pensar não só o como dizer, mas, sobretudo, como aquilo que está sendo dito é compreendido pelo outro, quer seja na modalidade oral ou escrita.

Saber fazer o uso da palavra em uma sociedade como a nossa é, antes de tudo, aprender a desvendar os sentidos que cada palavra carrega; é aprender que não se pode falar de tudo em qualquer circunstância e que não é qualquer pessoa que pode falar de uma dada maneira ou sobre qualquer coisa.

Logo, quando nos propomos a refletir sobre os problemas relacionados à compreensão leitora, em nosso país, é de fundamental relevância pensar os lugares dessa dita dificuldade e as pessoas que estão sendo caracterizadas como leitores não proficientes.

Muito mais que estabelecer um programa de ensino de estratégias dessa competência, se faz necessário compreender o lugar de fala desses sujeitos, bem como onde seus discursos

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circulam, quais critérios são empregados para avaliá-los e em que medida as interdições sociais interferem no processo de validação de formas de saberes distintos daqueles convencionalmente aceitos.

Como Ezequiel T. da Silva apontou em Leitura & realidade brasileira, o problema da leitura no Brasil:

... deve ser colocado, figurativamente falando, em termos de lei-dura1, isto é, em termos de um conjunto de restrições agudas que impede a fruição da leitura, do livro por milhões de leitores em potencial. É essa lei-dura que vem colocar a leitura numa situação de crise, num reflexo de crises maiores presentes em nossa sociedade. (1988, p.16)

E foi pensando nesse lugar entre a leitura e a lei-dura, que me propus a realizar não só um trabalho de intervenção na área ligada à compreensão leitora com a minha turma do oitavo ano na Escola Estadual Raul Sá, mas também, ouvir e aprender com os meus alunos como suas experiências de leitores e escritores de textos possibilitam a comunicação deles com o mundo, com a sociedade. Só depois desse momento, tentei ensinar as estratégias de leitura que lhes possibilitassem uma compreensão mais ampla sobre os textos com os quais estão acostumados a trabalhar em sala de aula.

Se por um lado, o cenário educacional que descrevo e com o qual lido é de leitores e escritores em formação; por outro, é também real a exigência social de que, ao longo do processo de escolarização, esses estudantes estejam aptos a se inserir no mercado de trabalho com uma formação cidadã e crítica. Os Parâmetros Curriculares Nacionais elencam como objetivos do ensino fundamental que os estudantes sejam capazes de:

posicionar-se de maneira crítica, responsável e construtiva nas diferentes situações sociais, utilizando o diálogo como forma de mediar conflitos e de tomar decisões coletivas;[...] utilizar as diferentes linguagens — verbal, matemática, gráfica, plástica e corporal — como meio para produzir, expressar e comunicar suas ideias, interpretar e usufruir das produções culturais, em contextos públicos e privados, atendendo a diferentes intenções e situações de comunicação; (BRASIL, Secretaria de Educação Fundamental,1997)

1

Sobre a caracterização da leitura como uma lei-dura, o autor esclarece que os mecanismos da desigualdade são responsáveis pela não democratização da leitura. A desorganização do currículo de leitura nas escolas brasileiras, os problemas referentes ao ambiente de aprendizado e organização escolar, a defasagem salarial dos professores ligados às demandas da sala de aula que o impedem de ler criticamente e ampliarem sua capacitação profissional são alguns dos argumentos utilizados pelo autor para descrever a leitura no sentido de uma lei-dura.

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As pesquisas realizadas pelas mais diversas instituições e órgãos do país, entretanto, revelam uma situação que não só pode ser descrita como crítica, mas desafiadora.

De acordo com os dados fornecidos pela 4ª ediçãoda pesquisa Retratos da Leitura no Brasil, realizada em 2015 pelo Instituto Pró-Livro (IPL), com o apoio da Associação Brasileira de Editores de Livros Escolares (Abrelivros), Câmara Brasileira do Livro (CBL) e Sindicato Nacional dos Editores de Livros (SNEL), por exemplo, compreender a relação entre o aumento do número de leitores, os avanços no nível de escolaridade dos brasileiros e o domínio das habilidades de leitura e escrita constitui uma inquietação, haja vista que:

O Indicador Nacional de Alfabetização Funcional (INAF) nos diz que, apesar de detectar uma melhora nos últimos 15 anos – o percentual da população funcionalmente alfabetizada passou de 61%, em 2001, para 73%, em 2015 –, ainda constata que apenas um em cada quatro brasileiros domina plenamente as habilidades de leitura e escrita. Ou seja, o aumento da escolaridade média da população brasileira teve um caráter mais quantitativo (mais pessoas alfabetizadas) que qualitativo (do ponto de vista do incremento na compreensão leitora). (Retratos da leitura no Brasil 4, 2016, p.28-29)

Ou seja, o acesso apenas ao livro não assegura formação mais sólida do sujeito-leitor. Logo, é necessário reavaliar os impactos da sectarização social e dos saberes no contexto de formação desses educandos.

Como Paulo Freire já sinalizava em Pedagogia do oprimido: “Parta de quem parta, a sectarização é um obstáculo à emancipação dos homens.” (2017, p.34)

E tal raciocínio estende-se e faz-se necessário à análise dos problemas relacionados à compreensão leitora no contexto da educação básica, principalmente, nos anos finais do ensino fundamental II.

Não há como avaliar as dificuldades encontradas para formação de um sujeito-leitor crítico, criativo, proficiente sem considerar os aspectos históricos, sociais, políticos e ideológicos que envolvem a oferta da educação pública, bem como aqueles que nesse contexto se inserem.

Têm-se uma dura crítica às escolas públicas em nosso país; há uma depreciação relacionada à qualidade da oferta do ensino público, bem como à formação e qualificação dos professores; existe uma gama de procedimentos, um aparato sistemático para reprovação das formas de conhecimento trazidas e adquiridas pelos estudantes dessas instituições. Todos esses aspectos, a meu ver, devem ser considerados ao se propor uma análise dos resultados negativos sobre a compreensão leitora no Brasil.

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Nesse sentido, efetivamente, percebe-se que a presença da figura do professor como agente letrador é de suma importância à superação dos entraves envolvendo a escolarização da leitura. Dito de outro modo, a possibilidade de superação dos problemas envolvendo a formação de leitores proficientes no Brasil está diretamente relacionada às escolhas empreendidas pelo docente em sua prática pedagógica.

Sendo assim, para que fossem promovidas atividades de modo a contribuir com as práticas de leitura bem sucedidas na escola em que trabalho, escolhi trabalhar com as crônicas literárias com meus alunos do oitavo ano por entender que as mesmas possibilitariam a fruição da leitura no contexto formativo e educacional deles.

Dito de outra maneira, o trabalho com as crônicas literárias em minha turma foi desenvolvido, considerando que tais materiais lidos podem promover a reorganização do pensamento dos meus sujeitos-leitores em formação, bem como podem favorecer a interação e dinamicidade das aulas de língua portuguesa num contexto em que se busca valorizar a multiplicidade interpretativa e de saberes.

O projeto Desvendando o texto: o papel da leitura no processo de formação de sujeitos-leitores críticos e criativos, de que este memorial é resultado, originou-se, dessa forma, de uma necessidade de se repensar o ensino-aprendizagem da leitura não só na sala de aula, como também, de se pensar o modo como sujeito-leitor proveniente das camadas populares compartilham seus saberes pelo uso que fazem da leitura e da produção escrita em seu dia-a-dia.

O projeto ainda teve como objetivos: estimular o gosto pela leitura de crônicas literárias; promover interpretações inferenciais com foco na leitura desse gênero discursivo; organizar um livro de crônicas tendo em vista não só estimulá-los a ler, mas também, a produzir seus próprios textos e potencializar a consciência crítica e criativa dos meus alunos.

Assim, para cumprir os objetivos propostos nesse trabalho, escolhi a pesquisa-ação como metodologia de pesquisa, uma vez que minha proposta consiste na transformação de uma realidade da sala de aula, mais especificamente de uma das minhas turmas do oitavo ano, num trabalho colaborativo entre docente e estudantes.

Para tanto, não poderia tecer as minhas reflexões sobre a leitura na escola, a formação do sujeito-leitor crítico e criativo e, tampouco, apresentar minha proposta de intervenção nessa área com uma de minhas turmas sem considerar a minha própria experiência de leitora. E de início, compreendo, perfeitamente, a condição de alguns dos meus alunos da educação básica quando o assunto é “não gostar de ler”. O não gostar de ler, que nesse caso, há de se

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observar, não significa não gostar de livros. Isso descobri com o tempo e com a regência da turma.

Embora criada em um ambiente com acesso a livros e apesar de minha mãe sempre me contar histórias, comprar livros, revistas em quadrinhos e até mesmo jornais, nem sempre gostei de ler. Descobri o prazer da leitura apenas no 7º ano do ensino fundamental II, nas aulas de português da professora Pascásia, no Colégio de São Bento. Antes, porém, detestava ler, ir à biblioteca e, principalmente, as indicações de leituras obrigatórias da escola, especificamente, os chamados livros paradidáticos.

A mudança em relação às práticas de leitura na escola chegou até mim com um desses livros que nos capturam para um universo próximo ao nosso. Foi através da chamada Literatura infanto-juvenil que descobri o prazer da leitura e me tornei uma leitora de fato.

O menino sem imaginação, de Carlos Eduardo Novaes, me encontrou, nos apaixonamos e, o mais importante, nos transformamos. Tavinho e eu vivíamos em condições semelhantes. Assim como ele, amava assistir aos programas na tevê e tamanha foi a minha identificação quando li: “Adoro ver televisão. Quando crescer, sair da escola e não precisar fazer mais deveres, vou assistir televisão de manhã, de tarde e de noite.” (NOVAES, 1995, p.13)

Assim como Tavinho, quando eu era pequena, sentava-me na frente do televisor e ficava horas e horas, consumindo suas imagens. Sem dúvida, ele era um amigo com hábitos muito parecidos com os meus, porque tinha em casa três aparelhos de tevê, amava futebol, era apaixonado pelos programas e pelas propagandas voltadas para o público infantil e, também, porque em certa medida, foi a televisão quem cuidou de nós, considerando-a por isso, parte da família.

Como muitas crianças de minha época, a televisão era uma espécie de “Babá”  esse, também, era o nome da primeira televisão de Tavinho. Imaginem então, meu desespero quando uma das minhas babás adoeceu e precisou ser descartada. Imediatamente, providenciou-se outra tevê e o desejo de retirá-la da loja era tanto que quase a trouxe em minha cabeça.

Hoje, quando vejo a ansiedade de meus alunos em relação ao uso dos smartphones e o acesso às redes sociais em sala de aula reclamo tanto. Se não fosse a elaboração e aplicação do projeto de intervenção com eles, possivelmente, não consideraria tamanha semelhança de comportamento. A tevê ocupava um lugar especial em minha vida, assim como as novas tecnologias ocupam na vida deles. Aprender a lidar com essa nova realidade é um desafio que tento superar, utilizando-a, algumas vezes, a favor da formação escolar deles.

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Porém, guardada à devida proporção, em algumas coisas, Tavinho e eu erámos bastante diferentes. Por exemplo: não me deixava convencer tão facilmente pela lógica do consumismo construído pela publicidade infantil; não saía comprando todos os produtos ofertados nas propagandas; tampouco, tentei fugir do país diante do blackout no jogo da seleção brasileira e sabia desenhar coisas que nunca vi, isto é, imaginá-las.

Em outras palavras, tinha imaginação ainda que a tevê fizesse parte de minha formação, informação e desinformação. A tevê era minha amiga, mas não a ponto de me fazer submeter a todos os seus caprichos. Afinal, tinha um avaliador crítico exclusivo das questões políticas e futebolísticas do país, meu pai.

Hoje, agradeço à escola e às professoras de português que fizeram parte de minha formação enquanto leitora por todas as leituras obrigatórias e não obrigatórias que realizei em minha vida estudantil. Isso não quer dizer, todavia, que sou adepta das leituras impostas. Porém, me parece razoável considerar, que algumas delas podem se tornar o caminho que aproxima o livro do leitor.

Naquele tempo, era um conforto para mim, saber que tinha alguém com modos tão próximos aos meus e que não seria segregado por conta de seus hábitos ou preferências:

A falta de imaginação não me faz diferente dos garotos da minha idade. Ela não está à vista como a falta de cabelo ou de uma perna e ninguém que me veja na rua ou na escola poderá dizer: “Lá vai um menino sem imaginação!”. Tenho memória, isso eu tenho; não sou desmiolado feito muita gente; tenho inteligência, rapidez de raciocínio e, mais que tudo, capacidade de observação, mas não há jeito de criar e combinar imagens na minha telinha interior. (NOVAES, 1995, p.07)

Hoje, comparando a descrição que Tavinho fazia de si mesmo e refletindo sobre o valor da imaginação e da criatividade na vida das pessoas, parece-me razoável afirmar que o que há, é uma necessidade de se pensar a questão da qualidade das narrativas oferecidas a nossos estudantes que considerá-los pobres de imaginação.2

A meu ver, o problema a ser enfrentado se encontra muito mais na manipulação e na ausência de um posicionamento crítico e dialógico em relação às informações que são veiculadas pelos mais diversos canais que o seu mero acesso pelos jovens.

2

Avaliando-se os aspectos acima mencionados, a pesquisadora Gilka Girardello em O florescimento da imaginação: crianças, histórias e TV, palestra apresentada na primeira “Jornada de Debates: Mídia e Imaginação Infantil” explicita, minuciosamente, as condições para o florescimento da imaginação. A autora discute ainda, a nossa responsabilidade no tocante às histórias que estão sendo disponibilizadas as crianças, bem como o papel da televisão sobre a imaginação.

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Dito isso e voltando-nos, novamente, para as questões a respeito dos processos envolvidos na análise da compreensão do texto escrito, tranquiliza-me saber que nossa capacidade de processamento e memória  elementos fundamentais à formação do leitor e à compreensão textual  de fato não foi e nem é afetada pelo acesso aos mais diversos recursos tecnológicos.

Pelo contrário, o professor como mediador desse processo e o estudante enquanto sujeito dotado de saberes podem e continuam a mobilizar a sua capacidade de reflexão. Há, guardada a devida proporção, um controle consciente sobre as leituras que realizamos sobre a nossa própria vida, bem como a vida social, as atividades culturais, o processo de escolarização, etc..

Nesse sentido, é importante enfatizar ainda, como regularmente em nossa sociedade existe uma espécie de hierarquização de saberes e de desnivelamento entre os usos sociais das práticas mediadas pela leitura e pela escrita. Como fica evidenciada na obra A ordem do discurso de Michel Foucault:

Sabe-se que a educação, embora seja, de direito, o instrumento graças ao qual todo indivíduo, em uma sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso, segue, em sua distribuição, no que permite e no que impede, as linhas que estão marcadas pelas oposições e lutas sociais. [...]Todo sistema de educação é uma maneira política de manter ou modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo. (FOUCAULT, 2008, p.43-44)

Como pude perceber ao longo da construção deste trabalho, bem como com base em minha experiência como professora da rede pública, os estudantes oriundos das camadas populares se engajam todos os dias em práticas de letramento diversificadas: leitura de textos religiosos, e-mails, portais de busca, redes sociais, entre outras. Entretanto, muitas dessas práticas são ignoradas pela escola e levam a um afastamento cada vez mais acentuado entre os conteúdos educacionais propostos no currículo escolar e os interesses e realidades compartilhadas pelos estudantes.

Não estou, com isso, negando o lugar do currículo formal. Porém, é notória a necessidade de um alinhamento entre os interesses dos educandos, a compreensão da realidade para além dos muros da escola e o conhecimento formal oferecido ao longo do processo de escolarização. Como Souza, Corti e Mendonça (2012, p.15) afirmam:

Mapear o que os alunos leem e escrevem além dos muros escolares é, sem dúvida, o primeiro passo para se aproximar dos seus interesses. A partir

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desse conhecimento, é possível planejar atividades de leitura e escrita de fato significativas para esses estudantes.

Os temas relacionados ao ensino-aprendizagem da leitura, certamente, constituem um dos assuntos mais investigados pelos profissionais que atuam com pesquisas ligadas à área de linguagem, ensino de língua, ensino da escrita.

Inúmeros são os trabalhos que destacam a importância da leitura para participação do homem na vida social, para o exercício da cidadania e para transformação do conhecimento. Não raro, também, são os dados coletados dos diversos programas de pesquisa nacionais e internacionais sobre o desempenho dos estudantes em leitura os quais apontam, por conseguinte, para uma crise na formação de uma sociedade leitora.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) para o ensino de língua portuguesa, já em sua apresentação, descrevem ser a escola a instituição responsável “[...] de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes linguísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos.” (BRASIL, 1997, p.15)

No entanto, evidencia-se a necessidade de haver ajustes entre as experiênciassociais e culturais do uso da leitura e da escrita proporcionadas pelo processo de escolarização às experiências sociais e culturais de uso da leitura e da escrita no contexto social extraescolar.

Nesse sentido, se pode perceber a relevância desse tema para os dias atuais, bem como os desafios encontrados para implementação das práticas de letramento em leitura na escola. Como Souza, Corti e Mendonça (2012, p.19) afirmam:

Reconhecemos a necessidade de ampliar as práticas e habilidades de leitura dos jovens, mas isso implica, de um lado, reconhecer que eles já participam de um mundo letrado e, de outro, identificar diferentes maneiras como isso acontece.

Compreender os desafios que envolvem a formação do sujeito-leitor crítico, criativo, proficiente, bem como a alteração do quadro relacionado às práticas de leitura demanda ainda não só tempo, como também, uma reflexão sobre os processos de alfabetização e ensino-aprendizagem da leitura.

É importante salientar nesse sentido, que embora a alfabetização seja um pré-requisito básico para formação de leitores, ela não é suficiente em si mesma para dar conta de todo o processo envolvendo a formação do leitor e a compreensão de textos. Esse foi um dos elementos norteadores deste trabalho corroborado por pesquisas desenvolvidas, por exemplo, por pesquisadores como Ezequiel Theodoro da Silva em que se pode evidenciar que a

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alfabetização atrelada ao acesso aos horizontes culturais é indispensável aos atos de ler e escrever:

É importante ressaltar que a alfabetização, apesar de ser um componente essencial para formação de leitores, não é suficiente, em si mesma, para garantir a evolução da leitura numa sociedade. De que adianta “saber ler” se os objetos de leitura (livros, jornais, revistas, etc.) não são colocados à

disposição do indivíduo? De que adianta “ser letrado” se não há tempo para

o usufruto dos bens culturais escritos? De que adianta “ser alfabetizado” se não há dinheiro para a aquisição de obras? De que adianta “saber ler” se não existe um projeto social orientado para despertar a consciência crítica através da leitura? Estas perguntas revelam que outras condições, de ordem sócio-cultural e econômica, são necessárias para que a prática da leitura seja efetivamente exercida. (SILVA, 1988, p.23)

Assim como muitos professores, inicialmente, eu imaginava que os alunos não gostassem de ler porque não apreciavam esse tipo de atividade. Entretanto, após a aplicação do projeto e atentando-me para os relatos relacionados ao repertório experiencial dos estudantes, percebi em minha prática como docente na escola pública, que eles gostam de ler e leem, mas aquilo que leem se coloca nesse lugar de interdição mencionado por Foucault. Interdição esta que distorce, invalida e rejeita as leituras por ele construídas.

Conforme Souza, Corti e Mendonça (2012, p.22) sinalizam, é necessário compreender em quais contextos se inserem esses sujeitos-leitores:

Para conhecer o modo como as pessoas interagem por meio de materiais escritos, é preciso, antes de tudo, reconhecer que esses diversos usos da leitura e da escrita variam segundo situações em que ocorrem. De fato, a interação por meio da escrita pode assumir configurações específicas, a depender do contexto em que se situam a pessoa que escreve e a que lê, seus objetivos, suas disponibilidades de tempo, de recursos etc., além do prestígio ou desprestígio do tipo de texto que leem ou escrevem, das relações de poder vigentes em uma sociedade e das instituições em que surgem e em que passam a circular tais textos.

Nesse sentido, a noção de letramentos é de fundamental importância para percepção dos tipos e modos de compreensão leitora desenvolvida por nossos estudantes. Entenda-se aqui por letramento o conjunto de práticas sociais e culturais que viabilizam o uso de diferentes modos do material escrito. Dito de outra forma, o letramento corresponde a um conjunto de práticas sociais de uso da escrita em diversos contextos socioculturais.

Conforme Kleiman (2005-2010, p.06) descreve: “O conceito de letramento surge como uma forma de explicar o impacto da escrita em todas as esferas de atividades e não

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somente nas atividades escolares.” Por esse motivo, o trabalho do professor de língua portuguesa, no que se refere ao ensino de estratégias da compreensão leitora, se torna tão desafiador.

O letramento e a alfabetização estão intimamente associados. Daí, o cuidado que devemos tomar para não confundi-los. A alfabetização constitui-se em apenas uma das etapas de letramento.

Sobre as práticas de letramento, Kleiman (2005-2010, p.12) as define como um:

Conjunto de atividades envolvendo a língua escrita para alcançar um determinado objetivo numa determinada situação, associada aos saberes, às tecnologias e as competências necessárias para a sua realização.

Enfim, a alfabetização é uma parte integrante do letramento. Este, por sua vez, envolve o domínio de um conjunto de habilidades e competências, bem como abrange o desenvolvimento do uso dos sistemas da escrita. Sendo por isso, considerado tão importante para o desenvolvimento da compreensão leitora.

No que se refere ao ensino da leitura, Kleiman (2005-2010, p.57) pondera que: “[...] é preciso trabalhar abordagens, estratégias e recursos de desvendamento do texto, ensinar o processo sócio-cognitivo que está por trás da compreensão da palavra escrita.” E mais: “É preciso fazer isso entendendo bem como funcionam os textos.”

Logo, o trabalho do professor, enquanto agente de letramento, é fundamental para ampliação da consciência crítica e criativa dos alunos, bem como a participação destes nas redes comunicativas de que fazem parte.

No que diz respeito às redes comunicativas é importante destacar como os impactos gerados pelo avanço tecnológico são fundamentais para o surgimento de novas formas de ler, escrever e interpretar um texto. Segundo Souza, Corti e Mendonça (2012, p.22): “[...] há diferentes práticas de letramento associadas aos mais diversos domínios da vida humana [...].” Assim, não se pode falar na existência de uma única forma de letramento, mas de letramentos.

É a partir dessa consciência sobre esses diversos usos e modos de ler que nasce também a necessidade de uma nova proposta de ensino que se situe além da abordagem tradicional e promova a articulação entre os saberes e valores culturais da escola e do educando.

Demanda, enfim, uma proposta de ensino que possibilite o desenvolvimento das habilidades linguísticas e discursivas dos alunos, bem como aprimore suas capacidades crítica e criativa.

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Por esse ângulo, é válido ainda destacar as reflexões sobre o ensino da leitura realizado por Dell’Isola (2001) acerca do processo inferencial e o contexto sociocultural. Suas ponderações foram fundamentais para me fazer perceber como os alunos oriundos das classes populares, a partir de seu referencial de mundo e de leitura, trazem novas possibilidades de compreensão para o texto, ainda que estas novas significações não sejam previstas pela escola.

Como a autora destaca, é preciso considerar que “A leitura não é um evento desligado da esfera humana, não pode ser caracterizada como um fenômeno físico observável” (DELL’ISOLA, 2001, p.33)

Diversamente, “O leitor é, simultaneamente, um indivíduo inserido no paradigma ‘humano’ e pertencente a uma classe social, inserido em um contexto socio-cultural. E, se ler é um fato cultural, está enraizado no tempo e no espaço, numa vivência social.” (DELL’ISOLA, 2001, p.34)

A leitura, por sua vez, não se realiza de forma passiva. É, pois, uma construção ativa que envolve o autor, o texto, o contexto sócio-histórico e sociocultural do autor e do leitor. E conforme Bakhtin (1997, p.383) descreve:

A pessoa aproxima-se da obra com uma visão do mundo já formada, a partir de um dado ponto de vista. Esta situação em certa medida determina o juízo sobre a obra, mas nem por isso permanece inalterada: ela é submetida à ação da obra que sempre introduz algo novo.

Esse algo novo que reconstrói a visão de mundo do sujeito-leitor supõe que a compreensão leitora é um processo ativo, dialógico e dinâmico ou como o teórico esclarece: “Compreender não deve excluir a possibilidade de uma modificação, ou até de uma renúncia, do ponto de vista pessoal. O ato de compreensão supõe um combate cujo móbil consiste numa modificação e num enriquecimento recíprocos.” (BAKHTIN, 1997, p.383)

Esclarecidos tais aspectos da compreensão leitora e no intuito de organizar e facilitar o entendimento deste trabalho, destaco que o mesmo foi estruturado em cinco capítulos. Primeiramente, isto é, nesta introdução, foi realizada uma breve análise sobre os desafios enfrentados pelos docentes no que diz respeito à formação de sujeitos leitores críticos, criativos e proficientes, bem como se buscou, de maneira breve, responder a questão de como a leitura de crônicas literárias em sala de aula pode se constituir um instrumento para uma ação reflexiva dos estudantes sobre si mesmos e sobre o mundo a sua volta.

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No capítulo dois, serão apresentadas algumas reflexões sobre o processo de compreensão leitora; as estratégias de leitura adotadas em sala que auxiliam no entendimento do texto; a relevância do processo inferencial para ampliação de competências e habilidades ligadas às práticas de leitura enfatizando-se a importância do componente contextual para a extração de inferências.

No terceiro capítulo, apresento os dados relativos à metodologia do trabalho, bem como os motivos que me levaram a adotar a crônica como gênero discursivo a ser trabalhado com meus alunos do oitavo ano.

No penúltimo capítulo, realizo a análise dos dados a partir das tarefas que foram aplicadas em sala, bem como busquei refletir de que modo os resultados obtidos dialogam com os objetivos da pesquisa empreendida.

No quinto e último capítulo, apresento meu ponto de vista acerca do trabalho desenvolvido com a turma dialogando com as questões que norteiam esse trabalho: a formação do sujeito-leitor crítico, criativo e proficiente, os desafios enfrentados pelo professor em sala de aula, a relevância do componente contextual e o que aprendi com essa experiência de trabalho.

Após tais reflexões, ainda é possível encontrar ao final do trabalho, as atividades e produtos gerados a partir da aplicação da proposta de intervenção com meus alunos do oitavo ano.

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2 REFLEXÕES SOBRE A LEITURA

Em uma sociedade como a nossa, a leitura é um componente muito importante e imprescindível à formação dos sujeitos. É por meio dela que ocorrem as interações sociais, acessam-se e relacionam-se os saberes múltiplos e desenvolvem-se as capacidades de compreensão, de questionamento e de produção de novas formas de saberes sobre o mundo.

Como propõe Bassarewan e Silvestre (apud Soares, 2003, p.66):

Ler é uma das coisas que distingue o homem do animal, conjugando a dádiva e a necessidade de várias competências, como a de análise, de relacionação, de transferência, de experimentação, de potencialização.

Dito de outra forma, ler é uma forma de acessar, expressar, compreender, julgar, construir e se posicionar no mundo. Elementos, como se sabe, imprescindíveis, em uma sociedade como a nossa à formação do sujeito e ao exercício da cidadania.

Ou como Dell’Isola (apud Silva, 1986, p.59) assevera: “Ler é um ato de afirmação  e de defesa  da liberdade individual e de participação da sociedade.”

E se considerarmos o contexto dos estudantes participantes do projeto, isso se mostra ainda mais evidente, uma vez que as formas de ler e avaliar os textos por esses estudantes variam conforme o repertório experiencial que possuem, bem como as diferenças existentes de acesso aos bens culturais entre eles.

A escola estadual Raul Sá, situada no bairro de Mussurunga I, compõe-se de alunos oriundos, em sua grande maioria, de bairros periféricos (Bairro da Paz, Vila Verde, Colina), de famílias ligadas à classe operária e alvos da “sutil” discriminação social e racial existentes em nossa cidade.

Embora a escola conte com uma biblioteca, praticamente, a mesma não é acessada pelos mecanismos que caracterizam a “lei-dura” em nosso país; apesar de termos um laboratório de informática, que poderia possibilitar trabalhos que envolvessem a leitura digital, os computadores não podem ser utilizados pela ausência de manutenção nos equipamentos e pelo fato desses estarem quebrados; os serviços de cópia e impressão de textos devem ser utilizados de forma racional, uma vez que as prioridades de impressão são os documentos e os exames internos (provas) que ocorrem ao final de cada unidade.

Assim, uma parcela significativa dos estudantes da unidade de ensino só tem acesso a práticas de leitura na escola via livro didático ou via cyber café onde realizam as pesquisas

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que compõe as atividades ligadas aos projetos estruturantes por área. Fora isso, os poucos alunos que possuem smartphones com acesso à internet envolvem-se em práticas de leitura mediadas pelas redes sociais, sendo as mais comuns facebook e whatsapp. Tal quadro nos ajuda a refletir como o cerceamento à produção cultural prejudica e limita a formação desses sujeitos-leitores, bem como restringe a participação desses estudantes na vida social. Estudantes, em sua grande maioria, quando conversamos, se reconhecem como negros, jovens e pobres.

Todavia, diferentemente, de situar esses estudantes no lugar de vítimas por conta das limitações socioeconômicas e culturais, considero importante vê-los como sujeitos que constroem ativamente novas formas de ler e participar dessa sociedade. Conforme Coelho (2008, p.13) explicita:

Se somos condicionados, de certa forma, pelas oportunidades socioeconômicas e culturais que temos ao longo da vida, somos, ao mesmo tempo, donos de nossas reflexões. Em outras palavras, podemos, por meio das oportunidades que também nos concedemos, produzir práticas de leitura diferenciadas e criativas.

Em relação às práticas de leitura diferenciadas e criativas, há estudiosos do tema como Abreu (2000), Foucambert (1994), Freire (1989), Lajolo (1993) e Silva (1988) que enfatizam as suas múltiplas faces e as implicações desta sobre a vida das pessoas.

Semelhantemente, Geraldi (2010, p. 103) destaca que a leitura não envolve somente o reconhecimento do signo com os seus sentidos do passado, mas envolve construir uma compreensão deste a partir das significações que nascem no momento presente, isto é, um novo contexto demanda outras possibilidades de interpretação que incluem as significações do passado confrontadas com as significações do momento presente em que a leitura é realizada.

Jolibert e Sraïki (2015, p.17) salientam que “Ler é, desde o início, construir ativamente a compreensão de um texto-em-contexto, em função de seu projeto, de suas necessidades, de seu prazer.”

Do mesmo modo, com efeito, Dell’Isola (2001, p.36) considera que só há leitura quando efetivamente existe a compreensão das leituras permitidas pelo texto, bem como uma busca pelos sentidos possíveis oferecidos por ele, os quais só são determinados, segundo a autora, pela bagagem sociocultural trazida pelo leitor.

Por fim, faz-se necessário esclarecer desde já que a concepção de leitura é tomada aqui como um processo interativo.

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A interação entre leitor-texto-autor é considerada um dos alicerces à compreensão. Quando se evoca o aspecto interativo dos processos de compreensão leitora, é imprescindível considerar os conhecimentos prévios do leitor, o grau de familiaridade dele com os diferentes tipos de estrutura textual, bem como a sua bagagem sociocultural.

A construção do sentido de diferentes tipos de texto comporta, como se sabe, tanto a busca de novos significados para o material lido quanto à apreensão das várias possibilidades sociais apontadas pela palavra utilizada em sua modalidade escrita.

O pesquisador francês Jean Foucambert (1993) em suas sugestões para uma política de leiturização menciona a necessidade dos sistemas educacionais adotarem um conjunto de medidas que favoreçam a aprendizagem da leitura com significado. Nesse sentido, declara que:

Não se aprende primeiramente a ler palavras, depois frases, depois textos e, enfim, textos dos quais se tem necessidade. Aprende-se a ler aperfeiçoando, desde o princípio, o sistema de interrogação dos textos que precisamos ler, mobilizando o “conhecido” para reduzir o “desconhecido”. (FOUCAMBERT, 1993, p.45)

Logo, os desafios que se colocam em termos da formação de uma sociedade com leitores proficientes demanda a implantação de condições e estratégias favoráveis à aprendizagem da leitura, ou como o pesquisador afirma: “É a maneira de aprender que dá poder, muito mais do que aquilo que se aprende.” (FOUCAMBERT, 1993, p.47-48)

Num outro momento, ainda ressalta que:

É fácil compreender que a aprendizagem da leitura não depende da justaposição das escolhas de “método” que os professores podem fazer, cada um para sua classe, mas sim da organização geral da escola, de uma política coerente do conjunto de práticas que a equipe pedagógica resolve adotar. (FOUCAMBERT, 1993, p.47)

E é no contexto organizacional que os desafios parecem maiores, uma vez que a coerência e as escolhas nem sempre favorecem o diálogo com os saberes trazidos pelos estudantes e, tampouco, há essa percepção de que não se trata de justapor métodos.

Muitos são os colegas que compõem a equipe pedagógica, por exemplo, que, equivocadamente, defendem uma concepção de leitura baseada na excessiva escolarização das atividades de leitura e de produção de texto. Não raro, o texto é usado como recurso para ensinar valores morais e como pretexto para o tratamento de aspectos gramaticais. E tal

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proposta é tão internalizada pela equipe, que os próprios estudantes só conseguem definir a sua aprendizagem em língua materna com base nesses parâmetros.

Durante a implementação do projeto de intervenção na escola, foi aplicada uma avaliação diagnóstica com a turma participante. Nela, não raro, percebe-se, primeiro, que para os alunos, há nas aulas de português a preponderância do ensino dos aspectos gramaticais em relação às atividades que envolvem o ensino da leitura; segundo: tem-se a necessidade de se repensar as condições de aprendizado da leitura na escola. Vejamos abaixo, algumas das respostas dadas pelos estudantes a pergunta Quais foram os principais problemas vivenciados por você no seu aprendizado do português na escola?:

Beatriz: “Não entendo gramática”;3

Bruno: “Meus principais problemas de português eram acentuação e os verbos.”; Fabiana: “Escrita e gramática”;

Guilherme: “As regras”;

Hipólito: “Tenho diversas dificuldades entre elas, acentuação interpretação de texto”; Karen: “Tinha um pouco de dúvidas na gramática”;

Larissa: “Verbo, um pouco da gramática, leitura no começo.”

Embora essas respostas possam não gerar surpresas, elas apontam para a necessidade de se reorganizar a prática educativa do ensino do português no contexto escolar. Como Foucambert (1993) afirma: “[...] é necessário lembrar ainda que, antes de dizerem respeito aos métodos, as transformações mais urgentes incidem sobre as estruturas do estabelecimento escolar.” (p.49)

E como Busnardo e Braga (2000) reiteram: “A estrutura escolar pode restringir os espaços para uma ação mais democrática, mas certamente não anula e apaga todos esses espaços.” (p.103) Até porque, não é todo corpo docente que assume esse tipo de postura.

Ainda no que se referem às respostas oferecidas pelos alunos, as mesmas ressaltam quão intensamente a falta de domínio linguístico limita o acesso deles aos sentidos dos textos trabalhados em sala de aula, além de revelar como tal situação acaba afetando o seu desenvolvimento em termos de construção de um posicionamento crítico.

Sobre a construção de um posicionamento crítico é importante se pensar como a leitura pode ser o veículo por meio do qual as pessoas podem aprender a dizer a sua própria palavra. Para Freire (2017, p.77-78):

3

Utilizo os depoimentos dos estudantes da turma do oitavo ano, bem como o prenome dos estudantes neste trabalho, mediante expressa autorização de seus pais e responsáveis (ver o modelo de termo de autorização de imagem no Anexo A, p.138).

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Educador e educandos (liderança e massas), cointencionados à realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-desvelá-la, mas também no de recriar este conhecimento.

Ao alcançarem, na reflexão e na ação em comum, este saber da realidade, se descobrem como seus refazedores permanentes.

De modo semelhante, penso que é necessário estender essa mesma compreensão ao tratamento conferido à construção do posicionamento crítico perante o texto escrito. Não me parece razoável pensar em se ter êxito na formação de sujeitos-leitores críticos e criativos desconsiderando a realidade na qual os estudantes estão inseridos, bem como anulando ou ocultando os outros significados atribuídos pelos alunos ao texto.

A tônica da superação dos problemas relacionados à compreensão leitora encontra-se não apenas no ensino das estratégias de leitura, mas na promoção do diálogo como forma de se obter, reelaborar e ressignificar o conhecimento a ser aprendido dentro e fora da sala de aula.

Entretanto, como Freire (2017, p.79) declara:

Há uma quase enfermidade da narração. A tônica da educação é preponderantemente esta  narrar, sempre narrar.

Falar da realidade como algo parado, estático, compartimentado e bem-comportado, quando não falar ou dissertar sobre algo completamente alheio à experiência existencial dos educandos [...].

Se há um entrave à construção do posicionamento crítico, esse é um dos aspectos mais graves que os estudantes enfrentam ao longo de sua formação. Como exigir competência crítica dos nossos alunos sendo alheios à sua experiência e sem apresentá-los os contextos de natureza cultural, situacional, instrumentais que viabilizam a compreensão leitora. Como Dell’Isola (2001, p.99) esclarece:

Não apenas fatores cognitivos exercem influência sobre a compreensão do texto e a extração de inferências, mas, também, fatores emocionais. Os textos não contêm somente informações; incluem, além disso, opiniões, atitudes e sentimentos. Conhecimento, atitudes e fatores emocionais constituintes do contexto pessoal são importantes condições subjetivas para a extração de inferências durante a compreensão textual.

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No que se refere ao processo de extração de inferências, bem como a importância do componente contextual para compreensão leitora veremos mais adiante a relevância desses dois aspectos para formação de sujeitos-leitores críticos e proficientes.

2.1 O PROCESSO DE COMPREENSÃO LEITORA

A ampliação de habilidades relacionadas à compreensão leitora constitui uma das competências básicas a ser desenvolvida ao longo do processo de escolarização. Esta é considerada uma atividade complexa e plural e se desenvolve em várias direções. Como Kleiman explica: “A compreensão de textos envolve processos cognitivos múltiplos, justificando assim o nome de ‘faculdade’ que era dado ao conjunto de processos, atividades, recursos e estratégias mentais próprios do ato de compreender.” (2011, p.09)

Consoante a isso, a autora ainda esclarece que:

A compreensão de texto parece amiúde tarefa difícil, porque o próprio objeto a ser compreendido é complexo, ou, alternativamente, porque não conseguimos relacionar o objeto a um todo maior que o torne coerente, ou, ainda porque o objeto parece indistinto, com tantas e variadas dimensões que não sabemos por onde começar a apreendê-lo. De fato, a compreensão de um texto escrito envolve a compreensão de frases e sentenças, de argumentos, de provas formais e informais, de objetivos, de intenções, muitas vezes de ações e de motivações, isto é, abrange muitas das possíveis dimensões do ato de compreender, se pensamos que a compreensão verbal inclui desde a compreensão de uma charada até a compreensão de uma obra de arte. (KLEIMAN, 2011, p.10)

Assim sendo, o ato de compreender constitui uma tarefa complexa, porque demanda muito mais que o simples conhecimento linguístico. Esta é uma atividade que envolve o reconhecimento de fins e intenções pretendidos por aquele que cria o texto; implica a formulação ou construção de hipóteses sobre o que está sendo dito; exige conhecimentos por parte do leitor que envolva a distinção sobre a ordenação e sequenciação dos vários tipos de textos; abarca saberes sobre os diversos contextos em que esses textos são produzidos e circulam, entre tantos outros aspectos discriminados por estudiosos do tema.

Nesse sentido, é possível novamente enfatizar a importância de se trabalhar a leitura do texto literário em sala de aula, bem como apresentar a relevância da análise dos gêneros do

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discurso e dos componentes que auxiliam na estruturação da narrativa para o processo de compreensão textual e para a construção do sentido dos enunciados.

As considerações de Bakhtin sobre a relação do conteúdo temático, estilo e construção composicional ainda apontam para necessidade de uma compreensão responsiva ativa que “pressupõe a variedade dos escopos intencionais daquele que fala ou escreve.” (1997, p.292) Algo que se mostra um desafio a ser superado no ensino de língua materna, uma vez que as atividades ligadas ao estudo do texto, muitas vezes, favorecem a repetição de aspectos ou ideias defendidas ou definidas pelos autores do texto ou do livro didático.

Carecemos de materiais que, efetivamente, trabalhem as relações e a interpenetração que existem entre os gêneros primários (considerados mais simples) e os gêneros secundários (considerados mais complexos) quer seja em sua modalidade oral ou escrita.

Sobre os conhecimentos acionados pelo leitor no processo de compreensão textual cabe ainda destacar a relevância dos conhecimentos linguístico, textual e de mundo para o domínio pleno da leitura. Como Kleiman (2011) aponta, “É mediante a interação de diversos níveis de conhecimento, como o conhecimento linguístico, o textual e o conhecimento de mundo, que o leitor consegue construir o sentido do texto.” (2011,p.13)

O conhecimento linguístico, como se sabe, abrange o conhecimento gramatical e lexical. Esses desempenham papel essencial no processamento do texto. Os estudiosos dos aspectos cognitivos da leitura afirmam que esse tipo de conhecimento é uma das peças-chave que compõe o chamado conhecimento prévio. Sem este a compreensão não seria possível.

Do mesmo modo o conhecimento textual. Refere-se aos aspectos estruturais do texto, as diversas formas de discurso e conceitos sobre o texto. Compõe o chamado conhecimento prévio e, também, considerado peça fundamental para compreensão textual.

Já o conhecimento de mundo, representa os conhecimentos adquiridos informalmente, isto é, através das experiências de vida do sujeito-leitor e pelo convívio social. Esse, como as demais formas de conhecimento, encontra-se diretamente ligado à produção de sentidos do texto, bem como é essencial à compreensão de um texto.

Em suma, as estratégias por meio das quais se efetiva o processamento textual mesclam vários tipos de conhecimento. O conhecimento linguístico, textual e de mundo devem ser acionados durante a leitura para se alcançar a compreensão textual e a produção de sentidos de um texto.

Como já foi dito anteriormente, a compreensão de um texto é uma atividade complexa e que demanda a mobilização de um conjunto de saberes. Subjacente a essa ideia, encontra-se o pressuposto de que o sentido de um texto é construído na interação autor-texto-leitor. Logo,

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ao se pensar os sentidos da leitura não é possível reduzir esta a simples decodificação do signo escrito. Como Dell’Isola salienta:

Nenhum texto apresenta sentido único, instalado, imutável, depositado em algum lugar. Texto quer dizer “tecido”, não um produto, mas uma produção. De igual maneira, a leitura não é um produto, antes, uma produção. A leitura é produzida à medida de o leitor interage com o texto. (2001, p.28)

Ou ainda, como a autora explica: “O texto e o leitor são o ponto de partida para a compreensão; está só se dá quando ambos entram em contato. O texto torna-se unidade de sentido na interação com o leitor.” (DELL’ISOLLA, 2001, p.34)

Em Ler e compreender: os sentidos do texto, Koch e Elias reiteram que:

[...] a leitura de um texto exige do leitor bem mais que o conhecimento do código linguístico, uma vez que o texto não é simples produto da codificação de um emissor a ser decodificado por um receptor passivo. (KOCH; ELIAS, 2015, p.11)

Assim, a compreensão e a produção de sentidos para um texto se realiza por meio da interação entre autor-texto-leitor. E como Dell’Isolla afirma “Compreender é, concomitantemente, buscar novos significados, enriquecer-se e apreender as várias possibilidades sociais apontadas no discurso escrito.” (2001, p.38)

Dentre as várias sínteses propostas para compreensão textual, considero a proposta de Vicent Jouve (2002), que se fundamenta na proposta de Giles Thérien (1990), uma das mais didáticas para síntese desse processo. Vicent Jouve descreve o ato de ler a partir de cinco dimensões: neurofisiológica, cognitiva, afetiva, argumentativa e simbólica.

Dessa forma, enquanto processo neurofisiológico, o autor considera que a leitura é uma operação que envolve a percepção, a identificação e a memorização dos signos, bem como, constitui uma atividade de antecipação, de estruturação e interpretação do texto escrito. No que se refere ao aspecto cognitivo, Vicent Jouve indica que depois que o leitor consegue perceber e decifrar os signos, o leitor busca fazer a compreensão do texto. Tal compreensão pode ser mínima ou ampla, dependendo do grau de interesse do leitor em relação ao material lido. O autor detalha essa etapa da seguinte forma:

Entre “progressão” e “compreensão” existem, claro, regimes intermediários: as duas variáveis podem se combinar em proporções muito diversas. Em todos os casos, contudo, a leitura solicita uma competência. O texto coloca

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em jogo um saber mínimo que o leitor deve possuir se quiser prosseguir a leitura. (JOUVE, 2002, p.19)

Sobre tal dimensão Kleiman (apud Matencio, 1994) ressalta que

[...] o processamento de informações por meio dessa atividade envolve ao menos três níveis: o primeiro deles relacionado às unidades lexicais, o segundo, aos mecanismos de agrupamento textual e, o terceiro, à interpretação semântica.

Dessa forma, considera-se que as estratégias cognitivas fornecem ao leitor procedimentos capazes de leva-los à compreensão textual.

Quanto à dimensão afetiva, a leitura possibilita o despertar das diversas emoções viabilizando, inclusive, um processo de identificação com personagens, o ato observável, concreto.

Enquanto processo argumentativo, o ato de ler constitui-se em ato de persuasão, de convencimento, de exposição de um ponto de vista do autor com seu público e, sem dúvida, um ato de dialogia. Dialogia que ocorre pela ausência de passividade do sujeito-leitor, assim como pelo questionamento sobre os modos de conceber o sentido do lido. Os próprios Parâmetros Curriculares Nacionais definem o diálogo por meio das práticas de leitura:

A leitura é um processo no qual o leitor realiza um trabalho ativo de construção do significado do texto, a partir dos seus objetivos, do seu conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, de tudo o que sabe sobre a língua: características do gênero, do portador, do sistema de escrita, etc. (BRASIL, 1998, p.41)

A leitura enquanto processo simbólico, por sua vez, interage com a cultura, valoriza outros objetos do mundo com os quais o leitor possui uma relação.

Toda leitura interage com a cultura e os esquemas dominantes de um meio e de uma época. A leitura afirma sua dimensão simbólica agindo nos modelos do imaginário coletivo quer os recuse quer os aceite. (JOUVE, 2002, p.22)

Nesse sentido, podemos compreender a leitura como um ato de interpretação do próprio mundo. Sobre isso, Paulo Freire, em A importância do ato de ler, define o ato de ler como a leitura do mundo no qual o sujeito se inscreve:

A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele. Linguagem e

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realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto a ser alcançada pela leitura crítica implica a percepção das relações entre o texto e o contexto.” (1990, p.11-12)

A leitura aqui passa, então, a ser definida como um ato de atribuir sentido. E esses sentidos não devem ser negligenciados, ofuscados, silenciados, apagados pelo processo de escolarização.

O estímulo ao desenvolvimento de uma consciência crítica e criativa por meio do ato de ler, que é um dos elementos fundamentais ao processo de aprendizagem e participação social, deve ser trabalhado de forma a valorizar a experiência de mundo do aluno. Sobre isso, Matencio (1994, p.38) reitera que:

[...] as dificuldades no trabalho com a leitura na escola relacionam-se ao fato de que muitas das concepções do que é a leitura e do que é aprender a ler em uma língua materna não fazem remissões aos usos efetivos da linguagem.

E, por conseguinte, a escola deveria ainda considerar as diferenças existentes entre os usos e funções da leitura, uma vez que ela lida com sujeitos-leitores que são diferentes entre si.

Deveríamos cogitar que, se os usos e as funções da leitura diferenciam-se para os sujeitos falantes, é porque eles se desenvolvem no dia a dia desses indivíduos, implicando estratégias diferentes segundo seus objetivos, grau de complexidade dos textos e práticas discursivas às quais os sujeitos têm acesso. (MATÊNCIO, 1994, p.38)

Em outras palavras, as práticas de leitura desenvolvidas na escola precisam ser construídas levando-se em consideração o grau de complexidade existente entre os textos, os seus diversos usos, a diferença de objetivos com o qual eles são trazidos às aulas de português, as diferenças existentes entre o sujeito da aprendizagem da leitura. Enfim, há de se adotar estratégias diferentes no trabalho com a leitura, porque os textos não são lidos da mesma forma e os sujeitos-leitores não apresentam um mesmo comportamento frente aos textos sugeridos em sala de aula.

Ao se pensar as relações entre a leitura, o sujeito-leitor e a escola, Leal (2001, p.265) em Leitura e formação de professores afirma:

O aluno-sujeito cognitivo, sede de conflitos oriundos de diferentes lugares, é o sujeito leitor que, de alguma forma, necessita ser orientado: primeiro,

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porque tem uma experiência, uma memória, um conhecimento que precisa ser respeitado; segundo, porque tem valores construídos no contexto sócio-cultural; e, terceiro, porque pode refletir, abstrair a partir dessa memória e desses valores. A memória, os valores e a capacidade de abstração permitem mobilizar sujeitos que, múltiplos, se reconhecem e se constituem a partir do que lêem.

Dito de outra maneira, a leitura é um ato de produção de sentido e mobiliza os sujeitos de um modo tal, que os leva a experenciar outras concepções sobre a sua realidade e ressignificá-la a partir de seus próprios conhecimentos. A escola enquanto instituição responsável por ensinar a ler deve ampliar a oferta dos objetos de leitura e não, restringi-la, limita-la, reduzi-la. Sobre isso, Matencio (1994, p.39) propõe:

Uma possibilidade que beneficiaria a leitura na escola seria a diversificação de atividades em torno dos textos lidos, levando-se em conta o desenvolvimento do aluno em suas estratégias cognitivas e metacognitivas através da leitura, com o fim de que o aluno pudesse a partir daí ‘reconstruir a informação mediante a utilização do conhecimento prévio graças à nova informação’ (KLEIMAN, 1989, p.07)

Esse é um ponto de vista, também, compartilhado nos Parâmetros Curriculares Nacionais e a ser considerado no planejamento das aulas de leitura. Observa-se que as atividades ligadas à aprendizagem da leitura devem convergir para experiência de leitura do aluno:

A leitura na escola tem sido, fundamentalmente, um objeto de ensino. Para que possa constituir também objeto de aprendizagem, é necessário que faça sentido para o aluno, isto é, a atividade de leitura deve responder, do seu ponto de vista, a objetivos de realização imediata. Como se trata de uma prática social complexa, se a escola pretende converter a leitura em objeto de aprendizagem deve preservar sua natureza e sua complexidade, sem descaracterizá-la. Isso significa trabalhar com a diversidade de textos e de combinações entre eles. Significa trabalhar com a diversidade de objetivos e modalidades que caracterizam a leitura, ou seja, os diferentes “para quês” — resolver um problema prático, informar-se, divertir-se, estudar, escrever ou revisar o próprio texto — e com as diferentes formas de leitura em função de diferentes objetivos e gêneros: ler buscando as informações relevantes, ou o significado implícito nas entrelinhas, ou dados para a solução de um problema. (BRASIL, 1998, p.41)

Nesse processo, nota-se que considerar a experiência de leitura do aluno não implica em aceitar qualquer tipo de leitura, haja vista, que devem ser preservadas a natureza e a complexidade dos textos. É dever do professor ensinar as diferentes formas de se ler o texto, os diversos ordenamentos da leitura. Ler é em si um esforço e o aluno não será afastado deste.

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Ler, como define Leal (2001, p. 267), “[...] é, na verdade, a cada momento, realizar gestos diferentes.”

Dito de outro modo, é possível afirmar que o ato de ler corresponde reconhecer não só as interpretações possíveis sobre a realidade, mas se constitui também em um ato de interpretar a própria existência. O sujeito-leitor crítico não só decodifica e apreende os significados que lhe são oferecidos pela instituição escolar e sociedade, mas ele participa ativamente dela, transformando-a com suas outras leituras. Esse constitui um dos desafios da educação, bem como foi um dos desafios enfrentados durante a aplicação do projeto de intervenção com meus alunos do 8º ano das Escola Estadual Raul Sá.

2.2 O PROCESSO INFERENCIAL

Concebendo a leitura como um ato dinâmico, interativo e de construção de uma identidade social, percebe-se que a noção de inferência é fundamental para se pensar o grau de criticidade do leitor.

Várias definições são encontradas acerca das inferências. Em boa parte delas, verifica-se que o leitor apropriando-verifica-se de informações explícitas, linguísticas e não linguísticas fornecidas por um texto é capaz de, a partir de seus conhecimentos prévios, produzir uma nova compreensão, informação e conhecimento sobre esse texto.

Nesse sentido, é importante compreendermos como esse processo ocorre. Um dos primeiros aspectos a ser pontuado sobre o tema é de que a inferência não está no texto. Como Dell’Isola (2001, p.43) esclarece, a inferência “É uma operação que os leitores desenvolvem enquanto estão lendo o texto ou após terem completado a leitura.” Sendo assim, o texto é apenas um veículo para geração de inferências. Para descrever melhor o processamento, a autora expõe que:

Inferência é, pois, uma operação mental em que o leitor constrói novas proposições a partir de outras já dadas. Não ocorre apenas quando o leitor estabelece elos lexicais, organiza redes conceituais no interior do texto, mas também quando o leitor busca, extratexto, informações e conhecimentos adquiridos pela experiência de vida, com as quais preenche os “vazios” textuais.(DELL’ISOLA, 2015, p.43)

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