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O processo de supervisão em ensino clínico: perspetiva dos estudantes

Salete Soares1; Manuela Cerqueira2; Maria José Fonseca3; Jacinta Gomes4 & Albertina Marques1

1 Escola Superior de Saúde - IPVC, Professor adjunto. Doutoranda em Enfermagem UCP. 2 Escola Superior de Saúde - IPVC, Professor adjunto.

3 Escola Superior de Saúde - IPVC, Professor adjunto. Doutoranda na UA.

4 Unidade Local de Saúde do Alto Minho, EPE & Escola Superior de Saúde - IPVC, Enfermeira. Mestranda do IPVC- ESS. Autor correspondente: Salete Soares (saletesoares@ess.ipvc.pt)

Resumo

Baseados na supervisão de estudantes de enfermagem em ensino clínico, desenvolvemos um estudo com a finalidade de contribuir com propostas para a praxis na supervisão em ensino clínico. A perspetiva dos estudantes que apresentamos com o objetivo de conhecer a perce- ção dos estudantes de enfermagem (EE) sobre a supervisão em ensino clínico realizada pelos enfermeiros tutores, faz parte de um estudo mais amplo. Enquadra-se no paradigma qualita- tivo, descritivo-exploratório e participaram quinze EE do 2.º e 3.º ano, maioritariamente do sexo feminino, média de idade 22 anos. Recorremos à entrevista semiestruturada para a reco- lha de dados e à análise de conteúdo segundo Bardin no tratamento dos dados. Os principais resultados revelam que os participantes concebem e percebem supervisão como processo de acompanhamento sistemático e orientação, potenciador do desenvolvimento de competên- cias pessoais e profissionais, recorrendo a estratégias favorecedoras da aprendizagem. Emer- gem, ainda, sentimentos estimuladores e inibidores, mas potenciadores do desenvolvimento de maturidade.

Palavras-chave: Ensino clínico; supervisão; aprendizagem. Abstract

Based on the supervision of Nursing Students in Clinical Education, we developed a study with the aim of contributing towards the supervisory practice in clinical education. The stu- dents’ perspective that is presented, with the objective of knowing the perception of Nursing Students (NS) about the supervision in clinical education performed by nurse tutors, is part of a wider study. It fits into the qualitative, descriptive-exploratory paradigm and fifteen NS from the 2nd and 3rd years participated, mostly female, with an average age of 22. We re- sorted to a semi-structured interview for data collection and the analysis of the Bardin con- text in data processing. The main results revealed that participants conceive and understand

supervision as a systematic and orientation monitoring process, enhancing the development of personal and potential competences, using favourable learning strategies. Furthermore, stimulating and inhibiting feelings emerge but enhancers of development in maturity.

Keywords: Clinical education; supervision; learning. Introdução

O grande desafio que se coloca hoje à formação em Enfermagem prende-se com o processo de (re)construção de saberes dos estudantes em ensino clínico. É importante ter subjacente as características multidimensionais deste processo que integram a sustentação teórica, reflexi- va e crítica e o desenvolvimento de um quadro de competências.

O curso de licenciatura em Enfermagem (CLE), integrado no Ensino Superior Politécnico pressupõe que a formação tenha uma forte componente de ensino clínico. Segundo Abreu (2003) o contexto clínico pressupõe um percurso formativo que através de atividade cogni- tiva, mediada por vários fatores (psicológicos, situacionais, culturais e biológicos), transfor- ma-se no confronto entre a informação e o desenvolvimento de uma ação, num contexto avaliativo e de controlo, através de processos auto ou hétero dirigidos.

Decorrente desta conceptualização a aprendizagem centrada no estudante não deixa de se repercutir e ser determinada, pelo contexto e organização, em que se insere (Fonseca 2006). O contexto clínico, proporciona aos estudantes “espaço recursivo de observação, reflexão, debate e recomposição teórico-conceptual” (Abreu 2007, p. 189), onde o processo de supervi- são “tem lugar em determinado(s) meio(s) ou contexto(s), envolve pessoas que desempenham determinadas funções com objetivos comuns” (Fonseca 2006, p. 3). A mesma autora acres- centa que este processo se configura estruturado e estruturante, que não obstante o objetivo comum, cada um dos atores cimenta papéis, funções e tarefas.

Fonseca (2006), reporta-se à supervisão como um instrumento aglutinador que assenta num processo dinâmico, interativo, mediador, facilitador e potenciador da aprendizagem através da experiência, sustentada numa relação de confiança e ajuda entre os participantes, para assim se alcançar o desenvolvimento de competências.

Em consonância com o referido, tendo subjacente a importância da supervisão em ensino clí- nico, desenvolvemos um estudo sobre a supervisão de estudantes de Enfermagem (EE), com o objetivo de conhecer a perceção dos estudantes de enfermagem sobre a supervisão em ensi- no clínico realizada pelos enfermeiros tutores, com a finalidade de contribuir com propostas para a praxis da supervisão dos estudantes neste percurso formativo.

No contexto da nossa pesquisa é utilizado um modelo de supervisão caraterizado pela existên- cia de uma equipa constituída por: docente designado por gestor pedagógico, que desempenha funções integrantes e integradoras do processo de ensino e de aprendizagem teórico e prático, responsável pelo processo formativo dos estudantes antes, durante e após o ensino clínico; en- fermeiro tutor, enfermeiro que exerce funções no contexto clínico e que tem uma participação direta e ativa na aprendizagem do estudante observando, ajudando ou substituindo-o no seu desempenho e, tem uma relação mais próxima do gestor pedagógico e a sua intervenção tem como unidade de tempo o período de duração do ensino clínico; e enfermeiro de referência,

um prestador de cuidados do contexto de trabalho que participa no processo de supervisão de forma esporádica, tendo por unidade de tempo o turno de trabalho (ESS-IPvC 2000).

Metodologia

O presente estudo enquadra-se no paradigma qualitativo do tipo descritivo exploratório. O instrumento de recolha de dados foi a entrevista semiestruturada, utilizando-se para tra- tamento dos dados a análise de conteúdo segundo Bardin. As entrevistas foram realizadas, em julho de 2012, pelos próprios investigadores, segundo um guião previamente construído, recorrendo a gravação áudio, e respetiva transcrição.

Foram respeitados todos os procedimentos ético-deontológicos inerentes à realização de um trabalho de investigação. O estudo foi realizado numa instituição de ensino superior do Minho. Participaram quinze EE do 2.º e 3.º ano, 10 estudantes frequentavam o 2.º ano e 5 frequenta- vam o 3.º ano do CLE, maioritariamente do sexo feminino (12), com média de idade 21,8 anos. O critério de seleção utilizado foi estudantes a frequentar o CLE e que tivessem realizado pelo menos um ensino clínico.

Análise dos resultados

O processo de supervisão sustenta-se em modelos, estruturas e cenários que explicam e des- crevem as práticas supervisivas. Neste sentido, para conhecer a perceção dos estudantes so- bre o modelo de supervisão em uso, analisamos as falas do EE, da qual emergiram os resulta- dos que se expõem no quadro 1.

Para os estudantes o conceito de supervisão é entendido como um processo de acompanhamen- to sistemático, de orientação, de vigilância do processo de aprendizagem, de reflexão sobre as práticas e de avaliação formativa sistemática do supervisor. Neste sentido, parece-nos que o conceito de supervisão é percebido como um processo favorecedor da sua aprendizagem. A sua perceção relativa ao processo de supervisão é que permite a avaliação, na sua perspetiva formativa, coerência entre a teoria e prática e o desenvolvimento de competências. A perceção da supervisão realizada pelos enfermeiros tutores é evidenciada, por alguns estu- dantes, como sendo efetiva, no entanto outros consideram-na menos efetiva. Consideram-na um processo efetivo uma vez que se sentem emocionalmente apoiados, com condições para uma construção e reconstrução do seu desempenho como futuros enfermeiros. A supervisão menos efetiva está relacionada com a incapacidade que os tutores têm num acompanhamen- to assertivo dos estudantes. Na fala dos estudantes, as estratégias de supervisão mobilizadas

pelos enfermeiros tutores no ensino clínico, consistem na mobilização de conhecimentos teóri-

co-práticos, no questionamento, na complementaridade de papéis na supervisão e no acom- panhamento da ação.

Quadro 1 – Síntese dos resultados do estudo

ÁREA tEMÁtICA CAtEGORIAS SUBCAtEGORIAS

Conceito de supervisão

vigilância do processo de aprendizagem Reflexão sobre as práticas

Avaliação formativa sistemática do supervisor

Processo de acompanhamento sistemático > Evolução da aprendizagem > Deteção e correção de incidentes críticos Orientação

Perceção relativa ao proces- so de supervisão

Permite a avaliação

> Auto avaliação sistemática > Sistemática

> Formativa

Permite coerência entre a teoria e prática > Reconhecimento dos mesmos princípios de orientação > Continuidade no processo de aprendizagem

Permite o desenvolvimento de competências > Conhecimento do estudante > Conhecimento dos supervisores

Perceção da Supervisão realizada pelos enfermeiros tutores Supervisão efetiva > Coerência teórico-prática > Abertura comunicacional > Acompanhamento positivo > Modelos de cuidar > Acompanhamento emocional

Supervisão menos efetiva

> Défice de acompanhamento > Falta de assertividade

> Desconhecimento dos objetivos do ensino clínico

Estratégias de Supervisão Mobilizadas pelos enfermei- ros Tutores no ensino clínico

Mobilização de conhecimentos teórico práticos

Questionamento

> Articulação do diagnóstico com o tratamento > Motivação para a fundamentação das opções clínicas > Diagnóstico de conhecimentos teóricos Complementaridade de papéis na supervisão

Acompanhamento da ação

Impacto do processo de supervisão

Sentimentos estimuladores ao processo de apren- dizagem

> Medo > Ansiedade > Segurança Sentimentos inibidores ao processo de aprendizagem

Desenvolvimento de maturidade pessoal e profissional

Sugestões de melhoria do processo de supervisão

Avaliações formativas

> Individual > Grupo Supervisão mais efetiva

Conhecimento do protocolo de estágio pelos enfermeiros

Emerge também o impacto do processo de supervisão, que resulta em sentimentos estimula- dores e inibidores do processo de aprendizagem bem como o desenvolvimento da sua matu- ridade pessoal e profissional. Para estes estudantes o processo desencadeia diferente impacto de sentimentos antagónicos, para diferentes grupos, traduzindo crescimento e amadureci- mento que se constitui como uma das grandes finalidades da supervisão – o desenvolvimento pessoal e profissional.

Nas sugestões de melhoria do processo de supervisão, os estudantes, apontam para a realiza-

ção de avaliações formativas, quer em grupo quer individualmente, uma supervisão mais efetiva, assim como o conhecimento por parte dos enfermeiros, do protocolo do estágio e do estadio do estudante. Estas sugestões parecem-nos estar de acordo com o que dizem ser menos positivo, a supervisão menos efetiva, valorizarem o recurso a uma das ferramentas da supervisão com grande preponderância no seu sucesso, a avaliação na sua dimensão for- mativa. Salientam, também, a importância do conhecimento do estadio de aprendizagem do estudante, dos objetivos e estratégias processuais do ensino clínico como forma de melhorar a qualidade do processo de supervisão nestes momentos formativos.

Discussão dos resultados

A supervisão em ensino clínico é vista pelos participantes do estudo no mesmo sentido que encontramos na revisão da literatura da especialidade (Abreu 2002, 2003, 2007; Alarcão e Tavares 2003; Fonseca 2006; Rua 2011). Esta é entendida como um processo de acompanha- mento sistemático, de orientação responsável, de reflexão sobre as práticas, no sentido de promover a aprendizagem e desenvolvimento de competências. No mesmo sentido, Fonseca (2006) refere que o processo de supervisão objetiva o desenvolvimento humano e profissional dos intervenientes, através do desenvolvimento de caraterísticas físicas, psíquicas, cognitivas e sociais dos formandos resultante de um processo de informação através da reflexão-ação-refle- xão, num ambiente de formação de adultos. A este processo acrescentam-se também o domí- nio avaliativo mencionado por Abreu (2003) “a supervisão clínica interfere com a aprendiza- gem na medida em que disponibiliza orientação e avaliação, mas também porque favorece os processos pessoais de controlo.” (p. 23). Também Gomes et al. (2012) no seu estudo sobre o processo de supervisão em ensino clínico, referiram que os estudantes têm uma perceção de supervisão, cuja primeira intenção passa por potenciar a aprendizagem, e o desenvolvimento

de competências pessoais e profissionais.

Os estudantes consideram que a supervisão efetuada pelos tutores, é essencialmente efetiva com recurso a estratégias promotoras da reflexão e complementaridade de papéis, com im- pacto no desenvolvimento pessoal e profissional e desencadeador de sentimentos antagóni- cos de estimulação e inibição do processo de aprendizagem.

Kristofferzon et al. (2012) e Löfmark et al. (2012), nos estudos que realizaram, também consta- taram que o processo de supervisão contribui para o cumprimento dos objetivos inicialmente preconizados para o ensino clínico, tendo o enfermeiro tutor um papel mais direcionado para o desenvolvimento das competências da prática profissional e o docente para o desenvolvi- mento de competências crítico-reflexivas, realçando a importância da complementaridade de papéis entre os supervisores.

Para a melhoria do processo de supervisão, os estudantes sugerem uma avaliação formativa,

individual e em grupo, reforçandoa ideia que este processo de supervisão seja mais efetivo,

como vemos mencionado no seguinte depoimento “…muita, bastante, o máximo possível, por-

que esta supervisão é muito importante…” EE2.

Quando os estudantes se referem a uma supervisão mais efetiva pensamos ser resultante da- quilo que evidenciam como menos efetivo, que se relaciona com défice de acompanhamento, falta de assertividade e desconhecimento dos objetivos do ensino clínico. Estes aspetos pare- cem estar associados a dificuldades evidenciadas, pelos tutores, relativamente à falta de for- mação para o desempenho do papel de tutor e com as condições de trabalho (desempenho da prática simultânea à supervisão de estudantes), tal como referem Kristofferzon et. al (2012). O desenvolvimento de competências, atitudes e identidades, deverá pressupor um trabalho de complementaridade dos atores através da construção de um processo de supervisão em ensino clínico assertivo.

Conclusão

O processo de supervisão em ensino clínico, é fundamental para a construção e reconstrução do conhecimento e desenvolvimento pessoal e profissional dos estudantes, resultando de um processo de mediação dos atores intervenientes, tendo em conta o debate e os desafios com

que se deparam os contextos da prática e da formaçãoem enfermagem. Deste estudo pode-

mos inferir que, os estudantes de enfermagem têm uma perceção de supervisão, como um processo potenciador da sua aprendizagem, conjugando o seu crescimento e desenvolvimen- to nos contextos da prática.

As estratégias mobilizadas estão em consonância com esta visão supervisiva, uma vez que promovem, estimulam a reflexão e englobam a interação intra e interpessoal, permitindo uma perspetiva sistémica na construção da identidade pessoal e profissional, também re- forçada, pelo que referem ser, o impacto deste processo, no desenvolvimento da maturidade (pessoal e profissional).

Acreditamos que é fundamental investir na formação em supervisão, transformando-a num processo mais efetivo e integrador de uma avaliação formativa, focada no desenvolvimento de competências dos estudantes de enfermagem em ensino clínico.

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Supervisão clínica em enfermagem:

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