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Carla Pinho

ACES Feira/Arouca – Centro de Saúde de Santa Maria da Feira, Enfermeira. Doutorada em Didática e Formação: Ramo de Supervisão

Contacto: Carla Pinho (carla.pinho@ua.pt)

Resumo

Hoje, a supervisão clínica em enfermagem (SCE), é reconhecida como uma ferramenta de eleição para a promoção da excelência clínica, na medida em que conjuga no mesmo espa- ço e no mesmo tempo formação, suporte, segurança dos cuidados e melhoria contínua. As questões de qualidade estão cada vez mais presentes em diversos setores da sociedade atual, em particular, no da saúde. O reconhecimento das questões de qualidade tem-se mostrado um fator importante para os hospitais e, por isso, assistimos em número crescente à adesão a processos de acreditação com base na adoção de modelos de qualidade reconhecidos inter- nacionalmente. A promoção da qualidade na área da saúde assenta fundamentalmente em três dimensões: o contexto de assistência, os utentes, e o profissional produtor de cuidados, nomeadamente o enfermeiro. Esta última dimensão é aquela que maior questionamento tem gerado, pelo seu papel decisivo na implementação e ascensão de todo este processo de quali- dade. Estes dois eixos encontram-se associados a outros dois: a formação e os modos de sociali- zação. São estes a base de sustentação da SCE, processo reconhecido como similar ao coaching abordado por outras classes profissionais. O estudo de caso apresentado teve como objetivo geral, analisar as principais dimensões a considerar num processo de supervisão e formação para a avaliação e acreditação da qualidade duma instituição hospitalar, numa perspetiva ecológica. Os resultados obtidos permitiram caracterizar quatro dimensões e, a partir destas compreendeu-se que a acreditação deve ser um processo contínuo e documentado da análise das atividades de enfermagem, visando a realização de mudanças nos processos de gestão, na orientação das atividades de aperfeiçoamento dos recursos humanos, na pesquisa de respos- tas às dificuldades no ato de cuidar enfrentadas e identificadas, e nas atividades administrati- vas ligadas às modificações de processos assistenciais e de gestão.

Palavras-chave: Qualidade em saúde; supervisão clínica em enfermagem; formação em con-

texto de trabalho; modos de socialização; coaching.

Abstract

Today, clinical supervision in nursing (CSN) is recognized as a main tool for promoting clin- ical excellence, and it combines in the same space, at the same time, training, support, care, safety and constant improvement. Nowadays quality issues are increasingly present in dif-

ferent sectors of society, particularly in health. The recognition of quality issues has been an important factor for hospitals and, therefore, there has been growing numbers of accred- itation processes based on the adoption of internationally recognized quality models. The promotion of quality in health is based on three dimensions: the context of assistance users and care providers including nurses. This latter dimension has generated greater challenge for their decisive role in the implementation of the whole quality process. These two axes are related to others: training and socialization. These are CSN process´ basic support and is recognized as similar as coaching approaches in other professional classes. The case study research aims to analyze the main aspects to attend in a supervision and training for quality assessment and accreditation in a hospital, in an ecological perspective. The results obtained allowed the identification of four dimensions and from those it was understood that accred- itation should be a continuous and documented process for analysis of nursing activities aimed to achieve changes in management processes, in guiding improvement activities of human resources, in search of answers faced and identified difficulties in caring, and admin- istrative activities related to changes in care processes and management.

Keywords: Health quality; clinical supervision in nursing; training; ways of socialization;

coaching.

Enquadramento / Fundamentação teórica

Nos últimos anos da década de noventa do século XX os estudos na área da SCE, conceito em divulgação e desenvolvimento no contexto português, têm suscitado curiosidade. A SCE é percebida como um processo de acompanhamento das práticas e competências clínicas des- tes profissionais, dos seus trajetos de formação e acompanhamento psicológico no contexto de trabalho, numa ótica de promoção de qualidade e segurança dos cuidados de saúde. Abreu e Maia (2003, p. 8) definem SCE como um “processo dinâmico, interpessoal e formal de supor- te, acompanhamento e desenvolvimento de competências profissionais, através da reflexão, ajuda, orientação e monitorização, tendo em vista a qualidade dos cuidados de enfermagem, a proteção e segurança dos utentes/clientes e o aumento da satisfação profissional”.

A supervisão das práticas clínicas, fundamental e decisiva para a melhoria dos cuidados, pode ser o pilar para o papel da promoção da qualidade em saúde assumido pelos profissio- nais, sendo já uma referência expressa em contexto de acreditação da qualidade. Como subli- nha Berwick (1996) a complexidade dos processos de melhoria da qualidade em saúde reside na necessidade dos profissionais deverem ser capazes de comunicar o que pretendem fazer, como podem avaliar o impacto das medidas e que mudanças devem implementar.

A qualidade duma instituição de saúde reflete-se na adequação e no nível dos cuidados pres- tados, assim como se encontra interligada com as condições de trabalho dos seus profissionais e de atendimento aos utentes e ainda com os níveis gerais e específicos da segurança dos seus edifícios e equipamentos. A má qualidade tem implicações para os utentes, profissionais de saúde e significa mais custos (Rocha 2006).

Entre as metodologias da qualidade, a acreditação de hospitais, específica da saúde, tem vindo a despertar cada vez maior interesse público. Em termos genéricos, pode dizer-se que acredita- ção é o reconhecimento, formal e periódico, por uma entidade externa, com autoridade públi- ca para o efeito, da competência de um hospital para cumprir as suas funções, através da con-

formidade com um conjunto de normas de qualidade previamente definidas. Tais normas têm passado com o tempo de uma preocupação mínima com a estrutura, para uma preocupação abrangendo a estrutura e os processos e caminham agora decididamente para os resultados. A acreditação implica, assim, a criação de padrões a serem seguidos pelos profissionais na prestação de cuidados. Segundo Donabedian (1980), o objetivo da avaliação da qualidade em saúde é determinar o grau de sucesso das profissões de saúde em se autogerirem, de modo a impedir a exploração ou a incompetência. Por outro lado, o objetivo da monitorização da qualidade é exercer vigilância contínua, de tal forma que desvios dos padrões possam ser precocemente detetados e corrigidos.

Refletir sobre estas temáticas e estabelecer um cruzamento entre estratégias empresarias assumidas (exemplo coaching) com aquelas que preconizamos foi o grande objetivo desta co- municação.

Metodologia

Problemática e objetivo: Parte do estudo apresentado, base de um trabalho de doutoramento,

tem como problemática central a observação e análise das modalidades assumidas pelas es- tratégias de supervisão das práticas clínicas dos enfermeiros, num contexto de promoção da qualidade e acreditação.

Tipo de estudo: Em conformidade com a problemática adotou-se o método de investigação

qualitativo e o modo escolhido foi o estudo de caso (Yin 2005).

Instrumentos de recolha de dados: A recolha de dados fez-se através de uma abordagem multi

método, com recurso à observação participante, às entrevistas, ao questionário (Clinical Su-

pervision in Nursing Inventory – versão 1 (CSNI-v1)) e à observação documental, numa amos-

tra constituída por um grupo de 62 enfermeiros de um serviço constituído por seis alas de um Hospital EPE, selecionado previamente por este para a realização do estudo.

Procedimentos: A recolha dos dados foi feita em diferentes fases. Numa primeira fase proce-

deu-se à observação participante e documental. Numa segunda fase, após a aplicação e trata- mento dos dados do questionário e triangulando-os com os dados da observação participante e documental, construíram-se os guiões das entrevistas semiestruturadas e procedeu-se à sua realização a um grupo pré-selecionado de enfermeiros. Numa terceira fase, e após análise de tudo e cerca de ano e meio depois do início da recolha dos dados, realizaram-se as entre- vistas aos dirigentes.

Resultados e Discussão

Caracterização da instituição e dos atores

Em relação à amostra selecionada, trata-se de um grupo profissional jovem, tendo o elemento mais novo 21 anos e o mais velho 47 anos, situando-se 50,0% dos enfermeiros no intervalo de idade de [25, 28], com uma média de aproximadamente 28 anos. A maioria dos respondentes são do género feminino (75,8%). Em relação ao tempo de serviço do exercício profissional o in- tervalo de experiência em anos vai de zero anos a 24 anos, situando-se a maior percentagem (89,7%) no intervalo de [0, 6] anos.

Dinâmicas supervisivas

A prática de cuidados de enfermagem é complexa e, apesar de autónoma, conflui o seu saber com outras disciplinas científicas. Durante o tempo de observação verificou-se que o trabalho de enfermagem é centrado no cliente e na família, com o desenvolvimento de um modelo de cuidados misto, onde confluem os modelos de cuidados de enfermagem individuais, de equi- pa e com enfermeiro de referência.

Os contextos em que se desenvolvem os processos de supervisão clínica em enfermagem e a formação são os principais influenciadores de todo o processo.

O processo de integração é hoje visto pelos profissionais de saúde como sendo multiespacial e pluridimensional (Ribeiro 2004). Este conceito de multiespacialidade encontra-se contex- tualizado nesta realidade uma vez que a equipa estudada era constituída por enfermeiros de diferentes nacionalidades, como se observou durante o tempo passado no campo. As- sociado a este facto temos conhecimento que grande parte destes enfermeiros teve a sua integração numa altura em que o hospital estava a abrir e por isso foi uma integração a diversos níveis. Talvez por esta razão se verifique que, de uma maneira geral, a maioria dos inquiridos não identifica programas específicos de integração quer institucional (71,0%), quer no serviço (69,4 %).

A SCE não é, na sua essência, um processo novo, pelo menos se nos remetermos à abordagem conceptual. Desde os anos cinquenta que Peplau sublinhava a sua relevância para a qualida- de do exercício e integridade emocional do cuidador. Eventualmente por esta razão, quando inquiridos sobre a relevância da SCE no contexto profissional, há uma tendência para a sua desvalorização na medida em que não se percebe conceptualmente uma ligação entre os pro- cessos (SCE e a qualidade).

Daí que, neste momento, e terminado o considerado período de integração para a quase tota- lidade dos inquiridos, 46,8% refere que o acompanhamento disponibilizado pelo serviço para as suas práticas é feito entre eles (ou seja, na equipa). Durante a integração a pessoa que os res- pondentes identificam como supervisora incidiu a sua orientação na qualidade dos cuidados (22,7%) e nos protocolos de atuação (19,4%).

O supervisor, na perspetiva dos respondentes, é representado como alguém que (deve) aju- da(r), qualquer que seja a área (cuidados diretos, organização ou gestão de situações, tomadas de decisão, entre outros), de forma positiva ou negativa.

O papel do supervisor é reconhecido fundamentalmente à enfermeira chefe. A não diferen- ciação entre o supervisor clínico e o supervisor administrativo é um problema que tem vindo a ser identificado por alguns investigadores em Portugal, como é exemplo Garrido (no seu estudo em 2005).

Qualidade em saúde

Pela observação efetuada, sob o ponto de vista da organização, o objetivo nuclear da estraté- gia de melhoria contínua da qualidade, é o de assegurar a conformidade e a atualização dos

A sua concretização assenta na existência e na interação de um conjunto de órgãos, comis- sões, grupos de trabalho que são, na génese, os responsáveis pela implementação das políti- cas, procedimentos e ações dela decorrentes e que vão assegurando o seu sucesso.

Observou-se, ainda, que o exercício profissional dos enfermeiros (e dos outros profissionais) foi-se tornando mais visível. É de salientar que os padrões de qualidade formulados pela Or- dem dos Enfermeiros, em 2001, assumiram um papel relevante no seio destas instituições, pois foram definidos elementos importantes para a organização dos cuidados de enfermagem. Face às dimensões até então retratadas tornou-se fundamental compreender o que pensa- vam os atores sobre o conceito de qualidade. Pelas entrevistas realizadas compreendemos que este é trabalhado dentro de uma abordagem dialética e é visto como uma construção con- tínua no quotidiano: ‘racionalização da assistência, bom produto final, consistente processo de assistência e satisfação profissional’.

Os atores presentes no estudo, conscientes ou não, da função que desempenham neste projeto, enquadram-se num contexto importante de avaliação e medição da qualidade institucional e desempenham o papel principal na contínua melhoria do sistema, ao combinarem os concei- tos de estrutura e processo dentro do sistema de que fazem parte (Berwick et al. 1990). Práticas formativas

Para o grupo de enfermeiros em estudo a formação encontra-se associada a aprendizagem, sendo uma estrutura dinâmica. Quanto à tipologia dividem-na em formação no serviço (diá- ria) e formação em serviço (formação em sala).

Em relação às práticas formativas deram exemplos de momentos que consideram importan- tes para o seu desenvolvimento profissional. Quando lhes foi pedido que dessem exemplos de momentos de formação que tiveram mais impacto, identificaram quatro, onde duas são as ditas formais, e as restantes as ditas informais e não formais: (a) formações programadas em serviço; (b) cursos em sala de aula; (c) passagens de turno; e, (d) conversas Informais.

As formações ditas formais são o tipo de formações geralmente referenciado como um mo- mento importante de formação. É compreensível este tipo de atenção dada, uma vez que é a formação mais convencional e aquela em que é mais fácil controlar a informação a dar, devido ao planeamento prévio permitido.

No entanto, hoje, cada vez mais se começa a dar importância às formações informais e não formais, reconhecidas também por este grupo de atores, e onde os processos supervisivos poderão estar mais presentes e serem mais efetivos.

Processos de socialização

Os processos de socialização, neste contexto, foram uma dimensão que emergiu do estudo após evidenciar a sua importância. Como já referimos anteriormente, cabe à enfermeira che- fe conduzir o grupo assumindo uma dualidade de papéis: líder e supervisora. E é nesta duali- dade que gere as relações interpessoais neste contexto existentes.

Nestes processos foram identificadas algumas estratégias, tais como, a mediação do conflito, a condução da comunicação como meio para a mudança de atitudes, a introdução da mudança

(organizacional), e a reflexão conjunta, que para além das habitualmente utilizadas (motiva- ção…) permitiram à equipa integrar-se mais e melhor nos processos de implementação de um modelo de qualidade.

Estas estratégias encontram-se valorizadas no plano do coaching empresarial e que nós mui- tas vezes valorizamos menos nas nossas práticas.

Considerações finais

Com a análise dos resultados aqui apresentados conclui-se que qualidade em saúde para os respondentes é a qualidade dos cuidados que praticam, ficando de lado a associação de qua- lidade aos padrões de gestão, e por isso, ao não reconhecimento da sua participação ativa e direta na construção de uma política de qualidade. Conforme referimos, apenas alguns ele- mentos são envolvidos no processo de gestão de qualidade diretamente, e esta seleção parece estar mais baseada na relação de confiança existente entre os dirigentes e estes e não neces- sariamente na formação e competência.

A figura do supervisor é associada à enfermeira chefe que acumulando funções acaba por assumir este papel, suportando-se na informação fornecida aos elementos da equipa, e não tanto no tempo que tem para a observação direta dos enfermeiros.

Por outro lado, o contexto clínico, associado às relações interpessoais valorizadas pelos ato- res, privilegia as passagens de turno e conversas informais como momentos de formação, no nosso entender, ainda pouco trabalhados no sentido de trazer mais e melhores benefícios para o desempenho da equipa, pelo que seria uma boa opção explorá-los melhor, desenvol- vendo, por exemplo, os processos supervisivos dos mesmos.

Podemos verificar, ainda, que existe um forte empenho da instituição na melhoria contínua, mas uma fraca participação dos profissionais no processo da qualidade, dada as caracterís- ticas da SCE e as suas diversas vertentes podem-se enquadrar numa lógica de evolução da certificação da ISO 9001:2008.

Embora não exista um sistema de SCE, tal como é definido na comunidade científica, as di- versas vertentes estavam presentes, e haveria toda a vantagem em enquadrá-lo dentro do processo global de gestão da qualidade, para as escolas havia toda a vantagem em docentes, alunos e tutores dominarem a natureza da gestão dos sistemas de qualidade, modelo integra- do SCE e acompanhamento de alunos.

No nosso entender, a instituição teria benefícios em evoluir para a ISO 9001:2008, uma vez que nesta conseguimos respeitar a cultura organizacional da instituição hospitalar e integrar a supervisão clínica como uma ferramenta indispensável a todo o processo. Não precisaria, por esta, de deixar cair todo a dinâmica implementada até agora, apenas procederia a um ajuste.

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Certificação de competências e acreditação de

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